Há qualquer coisa a pairar sobre as casas da Alta de Coimbra.
Esse sítio tão especial onde eu moro e onde até os tijolos das casas sabem recitar poesia, do tanto que vêm ouvindo e testemunhando ser vivida no decorrer dos séculos, parece tomado por qualquer coisa boa que não se sabe bem o que é, ou ao menos alguns de seus moradores parecem bastante afectados por ela.
Um exemplo mais tangível desse evento, digamos assim, seria o das senhoras da rua da Matemática que sempre foram simpáticas comigo quando lá passo de manhã para ir à Universidade. Nesses últimos tempos, entretanto, tem sido mais que simpáticas. Andam a dizer-me: "Bom dia, lindo menino", e eu a responder sempre: "Bom dia, senhora. Então o gatito por onde anda?", digo pra disfarçar porque fico constrangido com elogios de estranhos, chego mesmo a não gostar e em muitos casos fico ofendido por saber que a pessoa não tem fundamento para ter aquela opinião, mas no caso dessas senhoras é capaz que me leiam nos olhos essa beleza nova que há em mim e que nem eu mesmo compreendo bem... daí não fico ofendido, mas não deixo de ficar surpreso com a perspicácia delas. Afinal devem ter aprendido com seus gatos ou vice-versa.
Todos aqui tem gatos... digo os residentes de facto, não os estudantes. Vivem os senhores idosos, casais ou irmãos solteiros, com seus gatos pelas pernas a pedir uma festinha a viver suas vidas simples à sombra da aparente ausência de casais novos e de crianças na vizinhança. Os pobres dos gatos devem fazer as vezes da pequenada no que toca às brincadeiras e à alegria.
Nunca vi uma só criança a correr pelas ladeiras da Alta ou a brincar por aqui. Hoje de manhã, entretanto, vi um infantário e fiquei bastante admirado, afinal existem crianças! Mas vivem bem escondidinhas, ninguém as vê. Passam despercebidas como eu achei que passava por entre a gente toda até ser descoberto pelas senhoras da rua da Matemática.
Qualquer coisa se passa na Alta de Coimbra.
Hoje já sei que há crianças e que há esperanças e que em meio a tanta poesia, Deus do céu... não pode haver medos e deve haver alguma coragem, pois o que somos e sentimos verdadeiramente comunica-se mesmo quando queremos estar calados.