De longe, do outro lado da rua, vi uma moça a sorrir para mim e assim, como que intrigado com aquilo sorri de volta esperando perceber o que se tratava e reconheci imediatamente que tratava-se de uma amiga querido, que já há algum tempo não via.
Ela seguiu seu percurso, também eu segui o meu, mas acho que ambos, após aqueles acenos, seguimos diferentes.
Como as marcas dos pés pelo caminho maleável, também caminhou por cima de mim aquela presença, de corpo pesado, de simbologia rica e marcados traços inesquecíveis, traços de quem sabe amar à absurda potência de não mais medir, de quem soube arranhar e depois encobrir delicados palmos de coração puro.
Conseguiu finalmente sair da casa dos pais, sonho antigo que já nutria, para hoje ir viver em Ouro Preto, onde estuda história, querendo, entretanto, ser psicóloga, paradoxos sem nexo, tão típicos que quase dão tédio, não fosse a constante do seu encanto mágico e o despudor da sua coragem, generosa areia de colorir nas cenas bem compostas em que despreza os que se aproximam demais.
Imagino a composição delicada da sua presença em Ouro Preto, sua vida em Mariana... seu respeito pelo órgão que a matriz guarda, preciosidade da primeira cidade de Minas, assim como seu bem estar na praça próxima ao bispado, suas reflexões a caminho e junto da igreja do Rosário, tão simples e tão feia... Em Vila Rica imagino-a a se misturar com a beleza da cidade, com a desenvolutra das ruas, a certeza dos cheiros, a boa ostentação de não ser rei mas ainda ter toda a majestade. Eu, que tantas vezes contei pra ela da mística dessa cidade, fico agora imaginando-a nos caminhos que emoldurarm meus sonhos mais felizes.
Meu encontro, a fazer mais fundo esse e tantos desencontros, foi da mais genuina nostalgia que se pode imaginar. Foi bom ver marte a olho nu no horto florestal e conversar sobre julgar os outros. Curtia imenso as formas da sua mão, aturava seus discos baratos tentando doutriná-la a ser menos agressiva, andávamos então compassados, como um buquê bem costurado, fazia boa figura ver-nos juntos.
Na rua, assim separados, pessoas já tão diferentes, talvez teria sido melhor chorar, pois não havia mais graça em nós, havia esta forma de aparência, que traz consigo um memória, este algo que com mais certeza pode-se considerar o que fui e o que minha amiga foi.
Imaginando o contrangimento que seria chorar em público, ela, muito coerentemente, preferiu sorrir, forçando talvez alegria, e eu, bem mais de surpresa do que pela reação adequada, sorri de volta, mais comedido.
quarta-feira, dezembro 28, 2005
sábado, dezembro 24, 2005
Em transe
Contaram-me hoje de manhã o caso e assim, só hoje, por honestidade e dever cívico, comunico em crônica a incrível aventura que me foi relatada.
Disseram-me que dois homens entraram bastante determinados e com um talão de dívidas numa velha casa com fachada do início do século passado, paredes caiadas já de um tom mais acinzentado, cheiro usual de lugar habitado por dezenas de anos seguidos. Procuravam por uma moradora famosa do prédio chamada Eleonora Ricarda. De sua fama, sabe-se que conhece feitiços e domina o míster de fazê-los e disfazê-los através de invervenções bizarras. Para uns, motivo de riso, para outros uma mulher estranhamente convicta de seu trabalho e cuja fama era devida de fato.
Sentaram e esperaram. O mais novo era gerente, tinha 32 anos e era tão magro que a cara suada e puxada para junto dos ossos fazia lembrar o famoso poeta mineiro já na velhice, Carlos Drummond. O outro era mais alto e mais velho, tinha porte de urso e uma calvice declarada mas ainda não vencedora: apenas a frente estava pelada, fazendo-o parecer ter uma grande testa: era o dono da empresa e quem enfim, devia mesmo ter o pescoço junto à faca dos agiotas.
Após vinte minutos, já habituados ao cheiro de insenso e à constante brisa fria que vinha de um pátio interior, surgiu uma mulher madura e com olhar de víbora a mirá-los com a mão na cintura: "Sim, senhores, desejam algo?", ao que coube ao empresário responder "Tenho dívidas e não tenho como pagar, preciso de uma solução". Talvez fosse melhor ter tentado renegociar as dívidas, talvez fosse melhor ter conversado pessoalmente com cada credor, ou ainda ter tentado substituir todas por uma dívida única junto a algum banco, entretanto, pensava o homem grande, era melhor procurar um fim definitivo para seus credores.
A mulher escutou o relato sobre os problemas econômicos, dos juros injustos, das ofensas pessoais. Foi ouvindo e concordando com a cabeça, mas sem evitar que as pontas da boca ensaiassem um sorriso de deboche, nada que os aflitos senhores percebessem.
Fê-los entrar na sua sala de esforços sobrenaturais. Sentaram-se ambos num grande sofá de veludo vermelho, de um tom próximo à cor do vinho.
Caberiam confortavelmente sentados 5 distintos senhores naquele sofá, mas aqueles seus então ocupantes não notaram seu tamanho avantajado, os seus olhares eram da decoração algo exageradamente mística e exotérica, algo estranha aos místeres burgueses. No fim conformaram-se e voltaram a atenção à voz que lhes dirigia Eleonora Ricarda: concluiram que quem procura uma ocultista tem mesmo de se deparar com coisas que se ocultam!
A senhora pediu-lhes que fechassem os olhos e deu-lhes um forte incenso para que cheirassem. Deveriam tomar uma profunda aspiração da fumaça, vezes seguidas e assim, no fim do processo, estavam inebriados, a revirar os olhos e a sorrir compulsivamente, a ser exageradamente francos, muito menos do que gostariam.
Contaram seus pecados, vergonhas, detalharam planos maus de exploração e depravação sexual, debocharam de alguns devotados amigos e reconheceram suas dívidas como justas. Ainda em transe ela perguntou se se arrependiam de alguma coisa, mas eles pareciam felizes em contar aquelas coisas, como se a ausência dos freios sociais lhes possibilitassem a relalização do antigo sonho de se gabar do mau que fizeram.
Quando dispertaram do sonho, Eleonora disse-lhes que na manhã seguinte não teriam mais que se preocupar com dívidas, que estaria tudo resolvido em relação àqueles credores.
Na manhã seguinte ambos os distintos senhores amanheceram mortos: o coração de ambos estourou de madrugada.
Disseram-me que dois homens entraram bastante determinados e com um talão de dívidas numa velha casa com fachada do início do século passado, paredes caiadas já de um tom mais acinzentado, cheiro usual de lugar habitado por dezenas de anos seguidos. Procuravam por uma moradora famosa do prédio chamada Eleonora Ricarda. De sua fama, sabe-se que conhece feitiços e domina o míster de fazê-los e disfazê-los através de invervenções bizarras. Para uns, motivo de riso, para outros uma mulher estranhamente convicta de seu trabalho e cuja fama era devida de fato.
Sentaram e esperaram. O mais novo era gerente, tinha 32 anos e era tão magro que a cara suada e puxada para junto dos ossos fazia lembrar o famoso poeta mineiro já na velhice, Carlos Drummond. O outro era mais alto e mais velho, tinha porte de urso e uma calvice declarada mas ainda não vencedora: apenas a frente estava pelada, fazendo-o parecer ter uma grande testa: era o dono da empresa e quem enfim, devia mesmo ter o pescoço junto à faca dos agiotas.
Após vinte minutos, já habituados ao cheiro de insenso e à constante brisa fria que vinha de um pátio interior, surgiu uma mulher madura e com olhar de víbora a mirá-los com a mão na cintura: "Sim, senhores, desejam algo?", ao que coube ao empresário responder "Tenho dívidas e não tenho como pagar, preciso de uma solução". Talvez fosse melhor ter tentado renegociar as dívidas, talvez fosse melhor ter conversado pessoalmente com cada credor, ou ainda ter tentado substituir todas por uma dívida única junto a algum banco, entretanto, pensava o homem grande, era melhor procurar um fim definitivo para seus credores.
A mulher escutou o relato sobre os problemas econômicos, dos juros injustos, das ofensas pessoais. Foi ouvindo e concordando com a cabeça, mas sem evitar que as pontas da boca ensaiassem um sorriso de deboche, nada que os aflitos senhores percebessem.
Fê-los entrar na sua sala de esforços sobrenaturais. Sentaram-se ambos num grande sofá de veludo vermelho, de um tom próximo à cor do vinho.
Caberiam confortavelmente sentados 5 distintos senhores naquele sofá, mas aqueles seus então ocupantes não notaram seu tamanho avantajado, os seus olhares eram da decoração algo exageradamente mística e exotérica, algo estranha aos místeres burgueses. No fim conformaram-se e voltaram a atenção à voz que lhes dirigia Eleonora Ricarda: concluiram que quem procura uma ocultista tem mesmo de se deparar com coisas que se ocultam!
A senhora pediu-lhes que fechassem os olhos e deu-lhes um forte incenso para que cheirassem. Deveriam tomar uma profunda aspiração da fumaça, vezes seguidas e assim, no fim do processo, estavam inebriados, a revirar os olhos e a sorrir compulsivamente, a ser exageradamente francos, muito menos do que gostariam.
Contaram seus pecados, vergonhas, detalharam planos maus de exploração e depravação sexual, debocharam de alguns devotados amigos e reconheceram suas dívidas como justas. Ainda em transe ela perguntou se se arrependiam de alguma coisa, mas eles pareciam felizes em contar aquelas coisas, como se a ausência dos freios sociais lhes possibilitassem a relalização do antigo sonho de se gabar do mau que fizeram.
Quando dispertaram do sonho, Eleonora disse-lhes que na manhã seguinte não teriam mais que se preocupar com dívidas, que estaria tudo resolvido em relação àqueles credores.
Na manhã seguinte ambos os distintos senhores amanheceram mortos: o coração de ambos estourou de madrugada.
terça-feira, dezembro 20, 2005
Símbolos do natal
A praça da liberdade já está bonitamente adornada para o Natal! Cuidou com capricho o governo estadual e a companhia de luz de Minas Gerais de fazer da alameda que corta a praça, ligando em linha reta o fim da rua João Pinheiro e as portas do Palácio da Liberdade, o passeio do amor, visto que há corações luminosos em fila. O restante da praça também está decorada, mas com luzinhas normais, sem atropelos maiores, numa harmonia que é bonita, porque nesses dias de chuva sua luz reflete no parelepídedo molhado, deixando tudo pleno do espírito de esperança que o nascimento do Salvador faz renovar.
Talvez tenha ficado parecido com bandeirolas de festas juninas... enfim, originalidade é, antes de tudo, não ter vergonha de ser como se é, e somos mineiros.
Também na praça Sete de Setembro e na rua Rio de Janeiro há decoração, esta providenciada pelo Município. Muito feinha, infelizmente. Junto à mendicância local e a pressa dos transeuntes, somado a isso, o aspecto de decadência do centro da cidade faz parecer que o adorno é um deboche.
A poucas quadras de distância um lugar do outro: um majestoso e romântico o outro de mal gosto, debochado, ambos remetem a um novo natal e a mais um natal.
Enquanto novo e cheio de esperança, o natal aproxima-se em espectativas boas de seu significado, boa nova, enfim. Já como mais um natal, estima-se o pesar consumista da data, com significados superficiais, marcado por comemorações do comércio que pela data esperava salivando, marcado ainda pelas campanhas filantrópica circunstânciais que nada resolvem em definitivo, assim, é mais um natal.
Lamentem ou não, o povo não pratica religião com tanta devoção como já se fez um dia. Claro que há igrejas cheias e somos em maioria absoluta cristãos, mas aquela devoção natural, aquela fé cheia de amor, isso não vejo, principalmente não vejo a identificação desse amor à Deus e o natal, justamente expressão da verdadeira fé.
Hodiernamente, a cultura de consumo elenca como valores as piadas rápidas e divertidas, mesmo que imorais, e a ostentação. Deus não gera lucros senão para essas pseudo religiões que promovem a chamada "extorsão da fé" com suas absurdas cobranças de dízimos, protegidas pela proteção constitucional à liberdade de culto, mas esses abusos logo serão cerceados. Com exceção, portanto, dos "extorquidores da fé" e talvez das livrarias religiosas, Deus não dá muito lucro. Mitos vindos da religião, entretanto.
Assim se dá com a Páscoa em alguma escala, mas sobretudo com o Natal. Enraizadas no gosto popular justamente pela fé que simbolizam no Novo Testamento, qual seja, a da paixão do Salvador e de seu nascimento, respectivamente, essas datas lembram apenas palidamente esses momentos, sobretudo quando das reportagens sobre presépios feitos de algum material curioso ou da encenação da crucificação por algum filipino radical.
Vivemos o tempo de ser filho do amor e da ira, com a decadência dos seculares conceitos morais para emersão uma ética sem balizas visíveis em que os pobres, também acometidos no íntimo pelo falta de prática da religião, enxergam mais claramente sua situação de submissão e exclusão, talvez aqui a única conseqüência boa do "mais um natal", mas ainda assim é ruim, pois se por um lado não são apaixonados por Deus, por outro são apaixonados por consumir, como toda gente, e daí sua falta de fé só serve para romper as amarras que a piedade coloca à violência.
Gosto dos corações luminosos na praça da Liberdade, não é decoração de centro comercial, é símbolo do amor, mas nem todos vêem assim. Talvez se houvesse lojas na praça parecesse menos estranho a esses mais radicais consumistas de natal.
Nesse novo natal, que todos renovem seus votos de amor ao próximo, de mitigação do egoísmo, de devoção à verdade, ao perdão e à humildade: foi a isso que veio o menino que nasceu no dia 25 e é isso que se deve celebrar.
Talvez tenha ficado parecido com bandeirolas de festas juninas... enfim, originalidade é, antes de tudo, não ter vergonha de ser como se é, e somos mineiros.
Também na praça Sete de Setembro e na rua Rio de Janeiro há decoração, esta providenciada pelo Município. Muito feinha, infelizmente. Junto à mendicância local e a pressa dos transeuntes, somado a isso, o aspecto de decadência do centro da cidade faz parecer que o adorno é um deboche.
A poucas quadras de distância um lugar do outro: um majestoso e romântico o outro de mal gosto, debochado, ambos remetem a um novo natal e a mais um natal.
Enquanto novo e cheio de esperança, o natal aproxima-se em espectativas boas de seu significado, boa nova, enfim. Já como mais um natal, estima-se o pesar consumista da data, com significados superficiais, marcado por comemorações do comércio que pela data esperava salivando, marcado ainda pelas campanhas filantrópica circunstânciais que nada resolvem em definitivo, assim, é mais um natal.
Lamentem ou não, o povo não pratica religião com tanta devoção como já se fez um dia. Claro que há igrejas cheias e somos em maioria absoluta cristãos, mas aquela devoção natural, aquela fé cheia de amor, isso não vejo, principalmente não vejo a identificação desse amor à Deus e o natal, justamente expressão da verdadeira fé.
Hodiernamente, a cultura de consumo elenca como valores as piadas rápidas e divertidas, mesmo que imorais, e a ostentação. Deus não gera lucros senão para essas pseudo religiões que promovem a chamada "extorsão da fé" com suas absurdas cobranças de dízimos, protegidas pela proteção constitucional à liberdade de culto, mas esses abusos logo serão cerceados. Com exceção, portanto, dos "extorquidores da fé" e talvez das livrarias religiosas, Deus não dá muito lucro. Mitos vindos da religião, entretanto.
Assim se dá com a Páscoa em alguma escala, mas sobretudo com o Natal. Enraizadas no gosto popular justamente pela fé que simbolizam no Novo Testamento, qual seja, a da paixão do Salvador e de seu nascimento, respectivamente, essas datas lembram apenas palidamente esses momentos, sobretudo quando das reportagens sobre presépios feitos de algum material curioso ou da encenação da crucificação por algum filipino radical.
Vivemos o tempo de ser filho do amor e da ira, com a decadência dos seculares conceitos morais para emersão uma ética sem balizas visíveis em que os pobres, também acometidos no íntimo pelo falta de prática da religião, enxergam mais claramente sua situação de submissão e exclusão, talvez aqui a única conseqüência boa do "mais um natal", mas ainda assim é ruim, pois se por um lado não são apaixonados por Deus, por outro são apaixonados por consumir, como toda gente, e daí sua falta de fé só serve para romper as amarras que a piedade coloca à violência.
Gosto dos corações luminosos na praça da Liberdade, não é decoração de centro comercial, é símbolo do amor, mas nem todos vêem assim. Talvez se houvesse lojas na praça parecesse menos estranho a esses mais radicais consumistas de natal.
Nesse novo natal, que todos renovem seus votos de amor ao próximo, de mitigação do egoísmo, de devoção à verdade, ao perdão e à humildade: foi a isso que veio o menino que nasceu no dia 25 e é isso que se deve celebrar.
terça-feira, dezembro 06, 2005
Nostalgia e remelas
Não quero cantar a minha cidade, quero deixá-la em paz. O cimento frio e duro de suas casas, o desenho de suas calçadas portuguesas, o frescor indescritível dos meus sorrisos à avenida Rio Branco... tudo isso continua existindo, mesmo quanto ao frescor dos sorrisos, pois é certo que outros estudantes me sucederam nesse deslumbramento.
Nas fotografias dos meus amigos a moldura dos momentos é essa cidade distante que parece hoje significar ser também uma amiga, já que foi o gigantesco picadeiro desses graciosos números e, certamente porque foi um querido espetáculo viver entre os juizforanos e ser um deles, mas já vinha me esquecendo de grandes virtudes dos daquela cidade, como a hospitalidade e a tradição.
Apanhou-me pela orelha o avô de um colega de estágio que é juizforano e com quem conversei bastante nesse fim de semana durante um almoço em sua casa.
Como eu, foi aluno na Academia de Comércio e em seu escritório de advocacia ninguém menos que meu querido professor de Direito Civil, magistrado aposentado e hoje advogado, Israel Carone, foi seu estagiário!
A essas impressões meu pensamento considerava pesadamente sobre as ausências e da boa nostalgia de recordar invadiu um sentimento de perda que procurei disfarçar com sorrisos numa crescente sensação de sufoco. Salvou-me o tique do velho advogado, ao rir e levantar alto as duas sobrancelhas, algo que eu achei bastante engraçado, num impulso de estupidez, mas enfim serviu para distrair-me.
Conduzi a conversa para o futebol, falamos do Tupi Futebol Clube, tentei ir à literatura, falamos de Murilo Mendes e Pedro Nava, fugi correndo pedir abrigo à contra-cultura e falamos do apresentador Márcio Garcia e sua boate na Cidade Alta juizforana... Quase aceitei o roteiro, conformando-me a ver surgir rotas de lugares, caminhos marginais, a cidade do alto da Garganta do Dilermando a pedir de mim um simples mergulho nas suas entranhas e o eco do "eu não posso te amar" sobrou em mágoa e olheiras, no desespero de paixão assassinada que me deixou com um remorso imenso, tanto que olhei para fora, em direção à linda varanda, como quem ansiasse por ver nesse mesmo horizonte uma forca preparada para dar fim às humilhações. Não havia forca, tratei de perceber isso. Havia um lindo horizonte.
Percebi que causei algum espanto na gentil senhora, avó de meu amigo, quando esvaziei em menos de um minuto a tacinha de sorvete: aquela sobremesa separava-me da porta. Correr, correr para fora, era tudo que ordenavam meus pensamentos, mas há que se ter etiqueta à mesa. Pela precipitação ao tomar o sorvete, preferi aceitar outra taça a ter que explicar porque devorei com tanto desespero a primeira: sem dúvida era porque estava divino.
Aproveitei os instantes finais, o delicioso café passado na hora, para esquecer de boa vontade dessa ânsia em não perder, em acumular lembranças desmedidamente. Embora custem caro as mudanças e não haja na vida nada mais desconfortável, também não há nada que seja mais constante.
Em casa meditei profundamente sobre aquela querida cidade em que vivi. Lembrei-me de cada rua, praça, avenida, lembrei-me das casas onde vivi, dos familiares que deixei e das casas dos meus amigos, lembrei-me vivamente do meu colégio e da minha universidade, e depois de recordar-me vivamente dos sorrisos, percebi que era tolice lamentar que não os tinha, já que os tenho no coração e qualquer tristeza ou nostalgia os desmereceria.
À melancolia cheia de paixão da saudade, perpassam mais e mais os ventos de manhãs novas em ruas e pessoas que para mim são novas, nessa sempre nova capital mineira.
Nas fotografias dos meus amigos a moldura dos momentos é essa cidade distante que parece hoje significar ser também uma amiga, já que foi o gigantesco picadeiro desses graciosos números e, certamente porque foi um querido espetáculo viver entre os juizforanos e ser um deles, mas já vinha me esquecendo de grandes virtudes dos daquela cidade, como a hospitalidade e a tradição.
Apanhou-me pela orelha o avô de um colega de estágio que é juizforano e com quem conversei bastante nesse fim de semana durante um almoço em sua casa.
Como eu, foi aluno na Academia de Comércio e em seu escritório de advocacia ninguém menos que meu querido professor de Direito Civil, magistrado aposentado e hoje advogado, Israel Carone, foi seu estagiário!
A essas impressões meu pensamento considerava pesadamente sobre as ausências e da boa nostalgia de recordar invadiu um sentimento de perda que procurei disfarçar com sorrisos numa crescente sensação de sufoco. Salvou-me o tique do velho advogado, ao rir e levantar alto as duas sobrancelhas, algo que eu achei bastante engraçado, num impulso de estupidez, mas enfim serviu para distrair-me.
Conduzi a conversa para o futebol, falamos do Tupi Futebol Clube, tentei ir à literatura, falamos de Murilo Mendes e Pedro Nava, fugi correndo pedir abrigo à contra-cultura e falamos do apresentador Márcio Garcia e sua boate na Cidade Alta juizforana... Quase aceitei o roteiro, conformando-me a ver surgir rotas de lugares, caminhos marginais, a cidade do alto da Garganta do Dilermando a pedir de mim um simples mergulho nas suas entranhas e o eco do "eu não posso te amar" sobrou em mágoa e olheiras, no desespero de paixão assassinada que me deixou com um remorso imenso, tanto que olhei para fora, em direção à linda varanda, como quem ansiasse por ver nesse mesmo horizonte uma forca preparada para dar fim às humilhações. Não havia forca, tratei de perceber isso. Havia um lindo horizonte.
Percebi que causei algum espanto na gentil senhora, avó de meu amigo, quando esvaziei em menos de um minuto a tacinha de sorvete: aquela sobremesa separava-me da porta. Correr, correr para fora, era tudo que ordenavam meus pensamentos, mas há que se ter etiqueta à mesa. Pela precipitação ao tomar o sorvete, preferi aceitar outra taça a ter que explicar porque devorei com tanto desespero a primeira: sem dúvida era porque estava divino.
Aproveitei os instantes finais, o delicioso café passado na hora, para esquecer de boa vontade dessa ânsia em não perder, em acumular lembranças desmedidamente. Embora custem caro as mudanças e não haja na vida nada mais desconfortável, também não há nada que seja mais constante.
Em casa meditei profundamente sobre aquela querida cidade em que vivi. Lembrei-me de cada rua, praça, avenida, lembrei-me das casas onde vivi, dos familiares que deixei e das casas dos meus amigos, lembrei-me vivamente do meu colégio e da minha universidade, e depois de recordar-me vivamente dos sorrisos, percebi que era tolice lamentar que não os tinha, já que os tenho no coração e qualquer tristeza ou nostalgia os desmereceria.
À melancolia cheia de paixão da saudade, perpassam mais e mais os ventos de manhãs novas em ruas e pessoas que para mim são novas, nessa sempre nova capital mineira.
Subscrever:
Mensagens (Atom)