Não quero cantar a minha cidade, quero deixá-la em paz. O cimento frio e duro de suas casas, o desenho de suas calçadas portuguesas, o frescor indescritível dos meus sorrisos à avenida Rio Branco... tudo isso continua existindo, mesmo quanto ao frescor dos sorrisos, pois é certo que outros estudantes me sucederam nesse deslumbramento.
Nas fotografias dos meus amigos a moldura dos momentos é essa cidade distante que parece hoje significar ser também uma amiga, já que foi o gigantesco picadeiro desses graciosos números e, certamente porque foi um querido espetáculo viver entre os juizforanos e ser um deles, mas já vinha me esquecendo de grandes virtudes dos daquela cidade, como a hospitalidade e a tradição.
Apanhou-me pela orelha o avô de um colega de estágio que é juizforano e com quem conversei bastante nesse fim de semana durante um almoço em sua casa.
Como eu, foi aluno na Academia de Comércio e em seu escritório de advocacia ninguém menos que meu querido professor de Direito Civil, magistrado aposentado e hoje advogado, Israel Carone, foi seu estagiário!
A essas impressões meu pensamento considerava pesadamente sobre as ausências e da boa nostalgia de recordar invadiu um sentimento de perda que procurei disfarçar com sorrisos numa crescente sensação de sufoco. Salvou-me o tique do velho advogado, ao rir e levantar alto as duas sobrancelhas, algo que eu achei bastante engraçado, num impulso de estupidez, mas enfim serviu para distrair-me.
Conduzi a conversa para o futebol, falamos do Tupi Futebol Clube, tentei ir à literatura, falamos de Murilo Mendes e Pedro Nava, fugi correndo pedir abrigo à contra-cultura e falamos do apresentador Márcio Garcia e sua boate na Cidade Alta juizforana... Quase aceitei o roteiro, conformando-me a ver surgir rotas de lugares, caminhos marginais, a cidade do alto da Garganta do Dilermando a pedir de mim um simples mergulho nas suas entranhas e o eco do "eu não posso te amar" sobrou em mágoa e olheiras, no desespero de paixão assassinada que me deixou com um remorso imenso, tanto que olhei para fora, em direção à linda varanda, como quem ansiasse por ver nesse mesmo horizonte uma forca preparada para dar fim às humilhações. Não havia forca, tratei de perceber isso. Havia um lindo horizonte.
Percebi que causei algum espanto na gentil senhora, avó de meu amigo, quando esvaziei em menos de um minuto a tacinha de sorvete: aquela sobremesa separava-me da porta. Correr, correr para fora, era tudo que ordenavam meus pensamentos, mas há que se ter etiqueta à mesa. Pela precipitação ao tomar o sorvete, preferi aceitar outra taça a ter que explicar porque devorei com tanto desespero a primeira: sem dúvida era porque estava divino.
Aproveitei os instantes finais, o delicioso café passado na hora, para esquecer de boa vontade dessa ânsia em não perder, em acumular lembranças desmedidamente. Embora custem caro as mudanças e não haja na vida nada mais desconfortável, também não há nada que seja mais constante.
Em casa meditei profundamente sobre aquela querida cidade em que vivi. Lembrei-me de cada rua, praça, avenida, lembrei-me das casas onde vivi, dos familiares que deixei e das casas dos meus amigos, lembrei-me vivamente do meu colégio e da minha universidade, e depois de recordar-me vivamente dos sorrisos, percebi que era tolice lamentar que não os tinha, já que os tenho no coração e qualquer tristeza ou nostalgia os desmereceria.
À melancolia cheia de paixão da saudade, perpassam mais e mais os ventos de manhãs novas em ruas e pessoas que para mim são novas, nessa sempre nova capital mineira.