Acabou-se o verão, a estação do rubror de um sol violeta que queima as peles, das tardes a transpirar e das manhãs da infância. À essa excitação toda, sucede o profundo e misterioso outono.
Eu nasci no outono e andei pelos caminhos onde estavam caídas as folhas das árvores. Pude já perceber uma coisa ou duas a respeito da nova estação, que para mim chegou um bocadinho mais cedo este ano.
No começo do dia o outono amanhece para o mundo as suas manhãs de beleza discreta e despretensiosa, portadoras de possíveis segredos inocentes que cabe aos olhos encontrar e ao coração descodificar. A tarde é clara e simples, com muita luz e vez ou outra alguma chuva que serve mais ao tom reflexivo da estação do que para convidar para se estar por casa. Em tardes assim, há que se ter um café ao lado e um olhar de generosidade.
Quando o dia vai terminando, o outono mostra-se mais exuberante e toma posse de tudo. No horizonte, vai deixando um rastro de laranjado e rosa e uma paz imensa cai sobre as casas. Mesmo que por todo lado haja barulho de panelas, gatos a miar, gente a cantar, carros a passar e o diabo, no coração fala tão alto essa incorporação da beleza do mundo, que não ouço e nem vejo a mais nada, só a ela.
“Tu és um céu de outono, alegre e cor de rosa!”, diz o primeiro verso das “Intimidades” do nosso estimado Charles-Pierre. Parece-me difícil imaginar outra definição para esse céu já que, em si o verso traz a simples verdade da beleza robusta dele, sua completude discreta e que basta a si mesmo.
Eu leio nas entrelinhas de suas nuvens a mágica sugestão dos sentimentos. Fala-me dos espaços para além das camadas atmosféricas onde (tão alto!) faz habitar a fascinação do seu mistério e dá abrigo à sua própria intimidade.
Lá nas cimeiras do infinito, onde não podem tocar os meus braços e nem podem ver os meus olhos, passeia o meu pensamento reflexivo e apaixonado. Imerso na alegria e na cor rosada desse céu, percebe melhor a si mesmo através dele.
Feliz aniversário, céu de outono!
:)