Estávamos os três a brincar no rio que corta as terras do nosso pai. Eu devia ter uns 12 anos, o Fernão 9 e a pequenita uns 7, acho eu. Havia ali uma alegria e uma camaradagem como poucas vezes desfrutei na vida e como todo sonho que se faz lembrar, havia uma irresistível sensação de realidade.
Quando era miúdo costumava pedir insistentemente à minha mãe para ter uma irmãzinha. Aquilo de sermos só eu e meu irmão não tinha muita piada e eu sabia que uma menina traria mais leveza e suavidade à nossa casa dominada por homens. A mãe, entretanto, nunca me fez a vontade que no sonho realizou-se.
Chamava-se Lúcia, ao menos assim a tratou meu irmão e a mim pareceu natural e doce a existência dela. Tinha o mesmo sorriso da tia Joana e os lindos olhos da minha mãe. Notava-se calma nos seus gestos e candura nos seus pedidos de desculpas pelas brincadeiras... Tomava conta deles naquele dia de calor, atento aos mergulhos do Fernão e às brincadeiras da menina junto à margem.
Eis que de repente, entretanto, quando estava a lhe ensinar a nadar o meu irmão, a menina foi apanhada por uma correnteza. Atrás foi o Fernão e eu também, muito concentrado, meti-me n'água atrás deles.
Procurei-os nas profundezas. Meus dedos tocavam as folhas apodrecidas no fundo do rio e à minha alma comunicava aquele lôdo amargo e frio.
Voltei à tona, pensei em pedir ajuda. Era já tarde... haviam se afogado os dois.
As órbitas dos meus olhos voltaram-se para o céu, o meu corpo molhado tremia enrijecido. O sentimento do luto, real e devastador, fez-me a mais miserável das criaturas e a idéia de tê-los perdido foi tão esmagadora que o meu coração morreu um pouco, como da vez que perdemos o tio Roberto...
Aquela linda menina tão genuinamente da nossa raça, tão inocente nos meus braços, fruto do meu desejo de afecto... Meu irmão, meu querido e doce irmão que eu amo tanto e por quem arrisquei a vida para proteger sem nunca medir as consequências... Foi este um pensamento de percepção fácil quanto ao seu viez de nunca mais e por isso mesmo impossível de suportar.
Como nunca me tinha acontecido na vida, rompi em pranto ainda a dormir e acordei muito perturbado, sem compreender que aquilo não era real e ainda chorei um pouco.
Rezei pela alma do meu tio que já se foi e a quem eu devo tanto... Rezei pelo bem estar do meu mano. Mas ninguém lá em casa vai saber desse sonho. Nunca souberam de nenhuma vez que eu chorei.