domingo, junho 19, 2005

Escravo da alegria

Rememorando a vida que comungamos em felicidade, imensos olhos da minha amiga, redondos e coloridos, investem contra essa estante de cinzas que é meu peito já há muito tempo. Neles há um pranto e um pedido tímido e grandioso, em choro pede que novas e maiores sutilezas indiquem que o as fronteiras não existem, que nós não obedecemos a limites, mas estamos sujeitos às mesmas leis físicas e civis que todas as gentes. Talvez, no seu íntimo, argumentasse que não é justo, já que podemos ver além dessa massada toda que é a realidade bruta e arrogante, mas a sensibilidade não é tão valorizada assim, talvez noutros tempos, em outras escalas.
Frente ao grande precipício da separação e da angústia, é preciso, novamente e sempre com o mesmo manto de morte e desapego, sentar no trono da contemplação das estrelas vivas, das que por algum propósito divino brilham para nós e brilharão para os nossos descendentes como da primeira vez que um homem as achou bonitas no céu e se deram conta de que eram estrelas. Somente as estrelas, empenhadas no céu a nos observar, saberão as respostas pra tantas dúvidas, pra perguntas que eu não sei e nem ouso responder, nem tanto por medo, muito mais por respeito ao grande mistério que é o futuro.
Entristece ver no céu, na tardina, as nuvens que vão impedir de ver as estrelas à noite, sempre chamo de ladras essas nuvens, ladras da minha comunhão com os astros distantes, amigos dessa sabedoria das tragédias e dos mistérios e também verdadeiros, apesar de inalcançáveis, só ao alcance dos olhos e do pensamento. Também os olhos da minha amiga são assim, são minhas estrelas prediletas, as únicas que queimam no espaço de uma menininha movida pelo impulso do amor, um astro da maior das grandezas, visto a milhões de anos luz pelos meus olhos, pedintes e humildes frente a sua luminosidade.
Eu, criatura expatriada dos disses e das primeiras ilusões, fiquei órfão muito cedo das minhas maiores esperanças de queimar para iluminar o mundo inteiro, sobraram verdades que não levam nomes de mulher, sobrou uma ordem rude de alcançar um fim preciso, intimidade que é minha própria natureza e que não me causa nenhum medo.
Pesa sobre a cabeça a grande culpa de tudo sacrificar, entretanto. Tenho na boca um gosto amargo e persistente que não me abandona, como uma goma mascada dia a dia por meses sem parar, a loucura que desapaixona e humilha, que a solidão faz lembrar com mais força e que eu venço com tanta dificuldade, mas sempre com confiança de que o meu caminho não deixou uma trilha de sangue, mentiras ou fraudes, mas foi uma rota de companheirismo e aprendizagem, da expressão dos melhores sentimentos, do encontro com os melhores amigos.
As estrelinhas são minhas amigas, das melhores.