Há uma valsa que Jean-Jacques Rousseau compôs no século XVIII que foi motivo de grande chacota por parte da intelectualidade francesa da época. A valsa Allons Danser, da ópera Le devin du village, podia mesmo não ser tão melodiosa quanto um ouvido exigente gostaria, ou mesmo representar uma aventura tosca pela música de um filósofo iluminista, mas sua virtude, como em todas as obras do genebrino Rousseau, era a sutileza de suas idéias:
“Vamos dançar, por entre as flores, com alegria,
Oh! meninas, vamos dançar, por entre as flores,
Com alegria, ao som dos flautins.
Cantando belas canções de amor
Pra ter sempre alegre o coração,
Dançando na roda dos enamorados
Bem distantes da solidão.
Se na cidade não mora a paz,
Se brincadeiras alegres não há,
Que é da alegria? Que é da canção?
Onde a beleza, sem disfarce?
Suas orquestras não têm nossas gaitas.”
Oh! meninas, vamos dançar, por entre as flores,
Com alegria, ao som dos flautins.
Cantando belas canções de amor
Pra ter sempre alegre o coração,
Dançando na roda dos enamorados
Bem distantes da solidão.
Se na cidade não mora a paz,
Se brincadeiras alegres não há,
Que é da alegria? Que é da canção?
Onde a beleza, sem disfarce?
Suas orquestras não têm nossas gaitas.”
Decobri a letra dessa ópera por acaso, lendo sobre a interessantíssima vida de Rousseau e nela também verifiquei a força de suas idéias aliada à suavidade do convite que ele propõe: vamos dançar!
Sempre imaginei as pessoas dançando despreocupadamente nas festas antigas, não como nos salões tradiconais, onde as regras e as aparências tiravam todo gosto, mas nas vilas de camponeses, nos bairros operários, lá sim, havia gaitas, digamos assim.
Seduz imensamente a idéia da alegria popular, talvez mais legítima e sincera, mas sempre ficou para mim o pressentimento de que apesar de querer festejar essa alegria, Rousseau lamentava, parece haver um ranço de revanchismo, de tristeza por ser menosprezado, como que se "fóssemos dançar" para provar alguma coisa e não simplesmente para ir dançar, como se a alegria fosse uma obrigação ligada a uma questão política de provar a legitimidade do que é popular, democrático, feito pelo povo. Aí é que a coisa fica mais aparente, já que Rousseau foi um dos maiores críticos do absolutismo e um dos seus maiores iconoclastas, assim como da própria monarquia.
Pois é aqui que digo que também os libertadores escravizam, pois se é doce dançar ao som de valsas ao invés de ser esnobado por uma elite preguiçosa e arrogante, tanto pior é ser obrigado a ser feliz simplesmente por esnobar de volta essa elite, por viver à margem do mundo que o inimigo quer que seja real.
Não vamos entrar em discussões muito profundas... O bom é que essa ópera seja lida por todos quanto gostem e admirem o nosso Jean-Jacques, gênio do seu tempo, para verificar nele, filósofo e amante da cultura e da arte, essa vertente de angústia e revanchismo, voltando à alegria o que foi produzido em seu coração pela tristeza e pelo rancor.
É assim que me parece essa triste ópera, na mesma medida da expressão dessa moça do quadro "Danse à Bougival", de Renoir: obrigada a dançar por um sujeito bizarro com chapéu amarelo, flagrantemente envergonhada e fingindo "dançar", como o povo, a saída é desviar o olhar e cair na dança sem pensar muito.