Se algum estrangeiro pedisse pela expressão mais autêntica da brasilidade (talvez só o corte do pau-brasil pelo aspecto histórico) não caberia nada mais fiel que o samba.
"Fazer samba não é contar piada e quem faz samba assim não é de nada, o bom samba é uma forma de oração, porque o samba é a tristeza que balança e a tristeza tem sempre uma esperança, a tristeza tem sempre uma esperança de um dia não ser mais triste não." A letra do samba da bênção, de Baden Powell e Vinicius de Moraes é bem clara a esse aspecto sério do samba. Uma seriedade feita de descontração, um bom humor que pode ser triste e melancólico sem deixar ninguém triste ou chateado, uma profundidade despretensiosa, uma humildade santa, uma brasilidade genuina.
Ontem fui a uma roda de samba da Sociedade Livre do Samba de Vitória e que boa surpresa ouvir bons sambas tocados por gente de todas as classes com instrumentos de corda e percussão tocando o melhor da produção nacional nos últimos 80 anos, de Noel Rosa aos Demônios da Garoa, culminando atrevidamente em Zeca Pagodinho, enfim, não foi tão mau quanto um radical poderia achar.
O ambiente de uma roda de samba é uma coisa lúdica, uma coisa doce e impura, um lugar onde há uma sensação constante de que tudo está muito perfeito e azeitado, de que as pessoas esperaram mesmo a semana inteira para estarem ali e na expressão de todos era exatamente isso. Uma boa prova é que os músicos não recebiam couvert nem qualquer remuneração por tocarem lá (e nem aceitariam, a maioria ganha muito bem, obrigado) e apesar de terem tido a jornada de 8 horas de trabalho, estavam muito felizes e talvez tenha sido justamente isso que me aminou e me deixou contente: estar junto de gente que não parecia fingir estar alegre.
Claro que o ponto alto foi quando tocaram a Regra Três e Samba em Prelúdio, sinceramente eu mesmo me perguntava se não freqüentava aquela roda de samba desde tempos imemoriais!
A sociedade de samba funcionou com três longos períodos tocando, de aproximadamente 1 hora, com pausas de meia hora. Foi bom para ir ao banheiro nas pausas, infelizmente meia hora não era o bastante porque todos iam urinar ao mesmo tempo, já que ninguém queria perder nem um pouco do samba! No fim do terceiro ato, os músicos cansados, mas igualmente felizes e realizados pediram a última cerveja e tocaram um samba de despedida imortalizado pelos Demônios da Garoa que eu transcrevo aqui sentindo o que sentia naquela hora: "Não posso ficar nem mais um segundo sem você!/sinto muito amor, mas não pode ser/ moro em Jaçanã/ se eu perder esse trem/que parte agora às 11 horas/ só amanhã de manhã/ e além disso, mulher/ tem outra coisa/ minha mãe não dorme enquanto eu não chegar!/ sou filho único/ tenho minha casa pra morar!"
Convido a todos a conhecer esse gênero que tem tanto de nós mesmos, embora só uns poucos o conheçam verdadeiramente. Viva o samba.