sexta-feira, junho 10, 2005

Mérito Profissional

Prazos, cobranças, retornos, impressões, recados, indiretas, impaciência, resultados: tantos e tão variados são os termos que nos ligam à profissão que é difícil compreender sua importância para além do salário depositado na conta até o quinto dia útil do mês.
Eu mesmo tive no colégio ataques sérios de anarquismo ideológico, quando achava que toda forma de opressão é uma forma de domesticar a natureza do homem... achismos típicos de quem não conhece como funciona o sentimento humano, pois mais que tudo o homem aprecia ser considerado útil e produtivo, não lhe oprime nada que o exercício da função para que tem sido pago dê a outro um proveito ainda maior, ele vê isso como o sistema em que vive, vê-se como peça de uma engrenagem que antes de usá-lo sustenta todo um sistema produtivo integrado e instigante do mérito e da excelência.
O trabalho instiga no homem seus melhores instintos de superação, lealdade, excelência, disciplina, boa-vontade, companheirismo e sobretudo fé. Fé no bom propósito que se persegue com as iniciativas, fé em recuperar a força após a mãe de todos os baques, lembrando-se que o sol brilha para todos e um novo dia vai nascer apesar de tudo.
Episódios de prova dessa virtude profissional, infelizmente, não são costumeiros, quer pelas tarefas rotineiras não apresentarem desafios, quer porque não estamos atentos ao que os outros fazem, mas de repente pode aparecer um herói a demonstrar esses valores de uma maneira mais visível.
O senhor Carlos, padeiro na praia do canto, em Vitória, é meu vizinho e demonstrou todos esses valores na última semana. Recebendo a ligação de uma encomenda de última hora, (sempre um mal gosto de alguns clientes) teve de adiar compromissos pessoais assumidos e pessoalmente comandou a preparação de 20 tortas e bolos para uma empresa de recepções que lhe é grata freguesa já há bastante tempo.
Chegando em casa a altas horas, todos os moradores puderam ouvir a mulher ralhando por minutos seguidos até que finalmente o bom padeiro falou, rebatendo que não sacrificava a família por ganância, nem mesmo para sustentar o próprio nome apenas, o maior motivo do padeiro era que ele amava sua padaria, para isso é que ela existia e ele também. A mulher estava muito irritada para raciocinar sobre qualquer coisa e foi dormir ainda reclamando, mas todos os que ouviram a explicação se deram por satisfeitos com o senhor Carlos, dormindo com ainda mais admiração desse padeiro apaixonado pela mística e deliciosa arte da panificação, com talento também para a confeitaria, arrematando com o título que todos lhe conferiram secretamente em seus leitos naquela noite: detentor de todo mérito profissional.