Isso de ser esperto deve ser encarado com muito cuidado, com uma atenção imensa. É bem verdade que tenho dado ótimas gargalhadas com as tentativas de alguns de parecerem espertalhões e ligados nas oportunidades, quando, na verdade, figuram na mesma medida que daqueles que desprezam, dos que chamam de bobos por não ter essa malícia fina em perceber uma chance de se dar bem. Pois é, malandragem, no fim das contas isso não é nenhuma vantagem, já que também se paga pela fama, que não é nada barata.
É o mesmo que acontece com o avarento, todos os dias fazendo questão por uns centavos de nada, arregalando os olhos quando vê um gesto de generosidade e se roendo por dentro com a falta de amor ao dinheiro, gesto inclusive que lhe causa imenso asco: o avarento não é parceiro e nem sócio de ninguém que pensa grande, pois não se liberta da visão mesquinha das coisas, corrompida, e assim, fica lá com suas pilhas de moedinhas, ou seja, pagou caro pela fama! O esperto paga caro também, mas não pela mesquinhez, paga caro por ignorar a inocência.
Na gana de descobrir o ponto de vantagem que pode tirar de tudo, não raro atropela-se no seu julgamento e vê mal onde não tem, o que muitas vezes gera não só aquele mal estar terrível, mas o fim de uma amizade, e acho que já mencionei o pior que pode haver! Ele não suspeita que primos que passeiam de mãos dadas não são amantes, mas se adoram como irmãos, nem que o carro importado do vizinho não veio de alguma corruptela, mas de economias de anos a fio, não entende que o primeiro da fila fez o sacrifício de acordar mais cedo e não comprou a vaga de um outro ou tinha um amigo que lhe deu o lugar na frente.
Deste modo, precipitando os julgamentos, os espertinhos se estrepam, fica mal minha gente, querer ser assim tão sagaz, quando no fundo há mesmo essa miséria de humildade e de respeito, é por isso que dou o título de espertos aos gatos, esses sim, genuínos representantes do que é a esperteza.
Ser esperto não é mesmo ter um jeito de levar a vida com classe e sem abatimentos tolos, achando sempre a melhor saída? É só isso que vejo os gatos fazerem, são bichos que sempre caem de pé, só isso já lhes valeria o título, mas também são ótimos caçadores, implacáveis na perseguição de insetos e camundongos, persistentes e atenciosos, tem a sua individualidade como algo sagrado e inviolável: ai de quem quiser domesticar por inteiro um gato, não dará um bom resultado já que seu instinto de fera nunca morre completamente. Por essas e por tantas outras que não cabem numa crônica, os espertos são os gatos, que mesmo sendo interesseiros nunca quiseram parecer outra coisa!
Num chamego quieto parecem dizer com os olhos de mil cores: "conheço-te muito bem, não te faças de imbecil e dá-me logo o meu leite" :D Espertos são os gatos.