Talvez, se não fosse preciso ter medo, poderia-se sonhar com planos possíveis para os sentimentos delicados e plenos que nos é permitido sentir.
Acusam a união federal de captar mais de trinta por cento das riquezas que produzimos para impostos, mas talvez mais voraz que o fisco seja o medo. Ao medo pagamos mais da metade do nosso valor e, por tantas vezes quanto é possível sonhar, é capaz que se pague mais!
Se fosse uma relação matemática, seria fácil ver que a vida custa caro demais, já que os momentos realmente plenos e sem privações são muito poucos em relação aos de aperto, tristeza, humilhação e dor e uns sem pudor de desagradar a moral da sociedade, diriam que tirar a própria vida seria mesmo mais prático. Nós, entretanto, somos daqueles bichos que amam o sofrimento, tanto quanto somos capazes de amar ao trabalho e a todos os sacrifícios que somos subordinados: suicídio não fecha bem a história, o melhor é deixar-se abater pela vida. Há ainda outro elemento: o não saber do destino, a esperança de tudo reverter-se. Esses sentimentos, entre tantos outros, são de uma potência incrível e revigoram as energias e estímulos.
O bom seria ir além da condição de gente, como os do oriente acreditam: iluminar-se, chegar junto ao que é divino, saber a verdade das coisas, não saber o que é, mas que é.
Essa serenidade espiritual que afasta os demônios, típica dos santos, costuma ser percebida também nos exércitos em guerra.
Repórteres que acompanham soldados já relataram que em momentos de grande tensão, as personalidades individuais cedem lugar para um estado de atenção e de concentração que foi muito eficiente para que escapassem dos riscos de morrer em batalha, já que, segundo os repórteres "não demonstraram medo, afobamento ou preocupação com a prórpria vida em especial. Não chamaram por seus medos pessoais nem crenças. Permaneceram em alerta, tomando decisões que foram obedecidas sem questionar pelos subordinados, que depois revelaram-se corretas".
Talvez nesses instantes esses homens tenham se iluminado precisamente porque negaram o seu eu para ser um todo uniforme, o que os unia passou a ser mais forte do que o que os diferenciava. Nesse instante o medo perdeu, ali não se pagou esse detestável tributo à personalidade e esses felizes soldados tiveram mais que uma cela digna que chamar de vida, tiveram o presente de alcançar a natureza divina de tudo.
Pois, ao que é divino, não importam as coisas do mundo, não importam as pessoas, não importam as aspirações de grandeza, nem as necessidades, as paixões tornam-se tolas e mesmo os sentimentos resumem-se no sentimento de plenitude da paz, da liberdade, essa humildade própria do que é santo.
Talvez o mais curioso de tudo é que justamente quando alcançaram essa condição provisória de santos, quando finalmente ficou submersa a personalidade, junto das ambições e preocupações ordinárias, justamente ali quando morrer seria heróico, os santos provisórios não morreram, foram santos para salvarem-se e poderem ser abatidos pela vida.