Hoje ouvi de novo a querida Rita Pavone, conhecida no Brasil por ter gravado originalmente a "dameti un martelo" e olhe lá, mas sua voz que dá a impressão de ser muito aguda, só que não é, é linda, de fato linda justamente por isso.
Imaginei, pensando nela e na injustiça de não ser reconhecida, que eu tenho na cabeça uma imagem sua jovem, mas Rita hoje não é mais jovem, deve já ser uma senhora de 50 e alguns anos. Em seguida, veio à mente essa foto acima de Cartier-Bresson: "les vielles femmes" ou "as velhas senhoras" e também o seu truncado olhar de reprovação a tudo que não lhe agrada, sentença que dói só de imaginar.
É engraçado a contradição aparente que as senhoras lançam aos olhos atentos a esses símbolos, como se não fossem mulheres aptas ao amor, à aventura, ao riso e à desventura: as velhas senhoras parecem matronas perpetuamente ligadas a censurar e a reprimir, sem fertilidade, sem riso, sem saúde. Não são poucas as censoras idosas que na minha infância ralhavam comigo por qualquer bobagem, como da vez que tive uma dúvida de interpretação da bíblia no velho testamento. Perguntei à professora de catecismo se, já que Deus tinha ordenado à Noé e sua família para crescer e se multiplicar, tinha mandado que todos fizessem muito sexo, já que só assim é que os bebês vêm ao mundo e que, logo, o sexo não seria assim tão mal, já que estaríamos obedecendo diretamente ao Altíssimo, mas a minha professora, uma senhora que quase setenta anos, disse que eu estava subvertendo tudo e, na minha inocência, não compreendia o mal que havia no sexo feito de maneira lasciva. A pobrezinha não percebeu que não disse nunca que seria por diversão, mas justamente para reprodução, de todo jeito ficou muito sem jeito e brava, indo conversar com mamãe na outra vez que me levou à aula. Sou forçado a reconhecer, em outra medida, que mesmo as mais severas e tristes velhas senhoras guardam um jeito mais inocente, essa professora quando ruborizou com a minha observação prova essa delicadeza, em casa, por exemplo, muitas foram as vezes que vi minhas avós aprontarem-se para casamentos e festas com essa alegria inocente e pura, cheias de carinho ao distribuírem seus sorrisos formidáveis.
Hoje, porém, concluí que esse modelo está totalmente falido, a geração de coroas a que pertence Rita Pavone desbancou para sempre o mito da "velha senhora", já que as novas velhas são mesmo como as mulheres novas de agora, viveram a liberação sexual, a revolução feminina, não praticam a religião como suas mães e avós, enfim, são tão jovens no comportamento como qualquer mocinha de vinte anos, com a vantagem de saber que os sonhos são mais saborosos se forem mais práticos e que os homens se apaixonam pelo que não podem ter.
Não se vêem pelas ruas senhoras de xales pretos às costas e óculos fundos com touquinhas e sorrisos de gentileza, as senhoras modernas não são assim tão clássicas, vestem outras roupas, têm o próprio carro, não são feitas de tolas nos contratos com a mesma facilidade e talvez seja verdade que o nosso Cartier-Bresson tenha capturado um olhar extinto nos dias de hoje, talvez não exista no mundo mais essa matrona má e cheia de rancor, pronta a censurar com apóio de sua irretocada contuda moral e religiosa, não foi-se esse tempo e esse comportamento.
Imaginei agora a senhora Rita Pavone com seu martini na mãozinha direita, junto ao parapeito de algum transatlântico comentando com uma amiga que lindos jovens estavam na disco noite passada: assim são nossas novas velhas senhoras.