segunda-feira, outubro 17, 2005

Em meio papel

Os títulos de crédito, documentos que garantem direitos creditícios em relação a outrem (na promissória do sacado em relação ao sacador, por exemplo) estão desaparecendo em meio papel, tanto mais no príncipe dos títulos de crédito brasileiros, a duplicata mercantil.
Isso, não em virtude da falta de vigor do instituto, mas em virtude das novas tecnologias que balisam as relações mercantis: tudo é feito em meio magnético, desde a emissão ao protesto, não há necessidade de se colocar no papel esse importantíssimo título.
Nessa tendência, perece um dos requisitos dos títulos de crédito, que é a cartularidade, ou seja, o título material, sua constituição física, palpável.
Apesar de todas as facilidades, muitos ainda guardam ressalvas à descartularização, receosos de que possam ser cometidas fraudes e os mais tradicionalistas, embirram por tradição mesmo.
Talvez na mesma medida possamos tomar a comunicação por cartas e correio eletrônico, ou seja, quem mais escreve cartas estando disponível o meio eletrônico de comunicação?
Ontem, entretanto, recebi uma carta longa do meu querido amigo Roberto, que está morando em Curitiba.
É bem verdade que foi uma carta resposta a uma outra minha, mas enfim, era papel escrito e enviado pelo meu amigo, mais pessoal, trazia sua letra e sua assinatura, enfim, havia naquilo um tanto maior de humanidade, impossível de negar.
Em meio papel, escreveu sobre Curitiba com menos acidez, embora ainda ressabiado pela "soberba" dos curitibanos, a violência dos gatunos e ladrões viciados em drogas e a impertinência dos motociclistas. Toda metrópole guarda elementos maus, Curitiba não é diferente, mas acho que a soberba, os ladrões e motociclistas curitibanos sejam particularmente diferentes na medida de que Curitiba é uma cidade diferente das outras.
Foi esse caráter sui generis daquela capital que motivou a migração de Roberto, entre outras variantes. E corajoso e audacioso, partiu para lá, passando por adversidades e sofrimentos, mas já agora, depois de uns meses, já tem uma certa familiaridade por aquele estado dos pinhais.
Relatou num post scriptum notícias de Juiz de Fora, ao que me fez sorrir um pouco e deixou idéias fortes e senti mesmo sua presença.
Já havíamos trocado impressões por via eletrônica, mas as cartas guardam-se entre as coisas de maior valor, testemunhos de próprio punho de amizade e consideração.
Talvez chegue o dia em que os correios não vão mais aceitar cartas particulares, assim como no direito cambiário é provável que não se mitigue e morra a cartularidade. Mas pelo lado do direito seria questão de praticidade, ninguém se afeiçoa aos títulos de crédito, a não ser os agiotas afixionados, mas quanto às cartas... aboli-las seria mesmo pouco prático para matar as saudades.