terça-feira, outubro 18, 2005

O mar avança contra o continente

No litoral sul do Espírito Santo o mar avança contra o continente: fortes marés, centímetro a centímetro, trazem o mar pra mais perto da terra. As ressacas mais fortes deixam à mostra as raízes dos coqueiros do calçadão, testemunhas fatais dessa "travessura" do mar.
Os meninos que brincam na praia não se importam muito, tudo continua bonito: brilha o sol, a água é quente e limpa, há ondinhas bacanas para brincar e ninguém parece estar sofrendo. Alguns lamentam, claro! Os donos de pousadas à beira mar desconversam: sempre foi assim.
Sempre foi natural ser diferente de antes, talvez nem sempre para as praias e suas faixas de areia, mas sempre para as pessoas.
As raízes dos coqueiros à mostra são mais que uma prova de que elas existem mesmo, de que o mar avança ou do que mais se quiser constatar desse exemplo. Assim parece-me o meu rosto de manhã às vezes, como aquelas raízes: sou diferente do que achava que era, embora fosse presumivel que um dia chegaria a esse estado. Sem complicar muito, ninguém é sempre o mesmo, não é? E conforme se conheça a si próprio, é possível prever onde os caminhos escolhidos hoje vão dar amanhã.
Com o mar avançando, fatalmente iria sobrar para as raízes dos coqueiros e se quisermos ser mais ousados, também vai sobrar para todas as avenidas junto a faixa de areia de agora até uns 50 anos! Claro, antes disso o poder público local deve providenciar um aterro, ou coisa que o valha para conter o atlântico sul.
Fatalmente os que conhecem os amigos de uma maneira, logo adiante espantam-se com as suas atitudes e surpreendem-se com suas posições, maneiras de falar, sua disposição de vida.
Era possível prever que de dentro do coração de lembranças e véus roxos a matiz temerária dos seus assassinatos, a curvatura dos sorrisos que viriam do absurdo que se tornaria a vida, tranformariam todas as certezas em bases para perguntas mais sofisticadas, suposições de suposições emoldurariam os dias seguintes, e um azeite prático substituiria o sangue quente que um dia pulsou por aqueles prados. Nem melhor, e nem pior, apenas diferente do que foi.
É preciso compreender que para deixar à mostra as raízes dos coqueiros primeiro o mar teve que chegar até lá e insistir em ser mar.