segunda-feira, outubro 10, 2005

Sólida solidão

Dialética

É claro que a vida é boa
E a alegria, a única indizível emoção
É claro que te acho linda
Em ti bendigo o amor das coisas simples
É claro que te amo
E tenho tudo para ser feliz

Mas acontece que eu sou triste...


Montevidéu, 1960
in Para viver um grande amor (crônicas e poemas)
in Poesia completa e prosa: "Poesia varia"

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Esse sentimento, tão cruel e tão comum, habitualmente é tema evitado em todas as conversas: é anti-social falar de solidão, apesar dessa característica típica de ser sentida por todos, mesmo que eventualmente não. É estranho que esse aspecto deprimente só fica mesmo visível se quem é só tenta arranjar gente que lhe console por isso, para lamentar-se por não ter com quem partilhar seus pensamentos e idéias ou mesmo para contar uma piada. Mas também, no outro lado da moeda, há quem não se importa, por vezes gosta e até acha vantagem passar muito tempo sozinho: é bonito fazer tipo, mas às estátuas sobram as fezes dos pombos. A auto-piedade contra os lamentos de solidão também não é boa, o orgulho costuma reclamar dela, mas no fim das contas é triste sentir-se sozinho, não vamos apelar dessa verdade.
Para esclarecer tantos paradoxos, acho boa a noção do que significa solidão, o sentimento na sua inteireza: é o sentir-se sozinho, mesmo tendo companhia. Diria até que não ser entendido e não ter quem entenda é a grande solidão. Como se diz popularmente "sozinho na multidão". Apavora a impressão de que não há quem nos entenda, que ninguém se importa, que não há intimidade possível para falar os mais profundos assuntos.
Comunicar ao mundo que tão breve é a vida para esvair-se em comodismos, em ver a tarde ir embora, ou a matar-se num serviço técnico (embora útil à sociedade), pode não ser possível, as pessoas não entendem bem essa pressa. Tampouco tentar explicar o remorso por partir deixando atrás de si gente que ama sinceramente, ou ter que submeter-se às ordens de gente menos capaz, ou tentar amar e não conseguir: há uma absoluta solidão nesses picos de paixão, ninguém pode completamente livrar-nos de enfrentar conosco mesmo as reflexões dessas condições.
Há coisas que são mais anti-sociais que outras de serem admitidas. Como a dificuldade em ver o belo na vida ou reconhecer nela um sentido puro. É normal o sofrimento e a adversidade desbotarem juntos a beleza de tudo, deixando do que era tristes esqueletos, armações de ferros retorcidos do que foi o símbolo da beleza, do afeto, do motivo essencial: mais um símbolo de um deboche do que o que fora, do que um símbolo do que é belo e significativo, do que faz a vida significativa.
Há então essa grande angústia em comunicar que vive-se por teimosia, ou que vive-se porque abdicar da vida é anti-social demais: é o cúmulo da anti-socialidade! Mas há milhões e milhões (não vou me arriscar nos bilhões, mas é bom lembrar que são feitos de mil milhões cada) de pessoas que vivem por teimosia, a contemplar o horizonte de suas vidas numa esperança verdadeiramente santa de que virá algo bonito a fazer nascer seu sorriso, alguém que lhes reconheça a angústia e ao mesmo tempo seja capaz de calá-la, alguém para fazer-lhes, verdadeiramente, companhia e contar algumas piadas engraçadas.