quarta-feira, outubro 05, 2005

À espera da chegada

Voltei mais cedo do almoço ontem e perto do edifício onde fica o escritório notei a mesma moça dos dias anteriores, desta vez à janela de uma casa vizinha, com um lenço azul claro na mão e os cabelos lisos e pretos soltos.
Olhou para mim de um jeito muito aflito e desviou em seguida o olhar, não procurava pelo meu rosto e estava ansiosa para achar o que procurava.
Sem me dar conta do absurdo, parei e encarei sua expressão de estranhamento com um meio sorriso. Bastante mais à vontade do que poderia supor, perguntei se estava bem, ao que ela secamente disse que sim, sem agradecer por alguém se importar. Segui o trajeto ordinário, humildemente.
Hoje no mesmo lugar já não estava, como um sopro tinha ido. Estramente aquela aflição dela tinha se tornado parte do cenário da rua naquela hora, como se fosse impossível compreender a vida ali destituída daquela ansiedade apaixonada na espera de alguém que não vem...
Talvez alguém mais perspicaz que eu a tenha convencido a deixar daquilo e se acalmar, talvez tenham chamado a ambulância do hospício, talvez tenha morrido de agonia por esperar e talvez ainda, consideremos com fé, tenha chegado o rapaz, aí sim, fica bem a coisa toda.
Esperas me causam náuseas. Dificilmente esperei contente por alguma coisa, mesmo boa. Enquanto cresce o risco na medida em que se toma atitudes ativas ao invés das passivas, eu arrisquei a pele umas vezes, digamos, para saber o resultado que haveria de ser.
Há gente que cultua a prudência, entoa o ditado popular de que "o seguro morreu de velho", mas há também risco na espera. O risco das formas cadavéricas apossarem-se do rosto e dos músculos do corpo, transformando uma linda juventude numa velhice de lamento. Tudo bem, exagerei imensamente, mas a mim o radicalismo da imagem passa bem a noção de se por a esperar insanamente: fica-se à mercê de outras pessoas ou condições, à mercê de eventos que não são senão prováveis enquanto não verificáveis de fato.
Desejei do fundo do coração que o rapaz não tivesse chegado nunca, que a moça lhe tivesse odiado imensamente por isso e, mesmo a custa de descompor o cenário não bonito da hora do almoço na sua rua, ido procurar ler algum romance realista ou então tomar uma cerveja, afinal a verdade é uma só: faz calor na primavera e não se deve perder tempo com angústias secas na garganta.