quarta-feira, março 16, 2005

Doce por dentro

Na perspectiva de não sofrer as saudades de férias longe dos amiguinhos, meu priminho Mateus fez bonecos de massa de modelar dos que gosta.
Contornava com cuidado a cabeça de cada qual, como se afagasse a cabeça verdadeira e contornava os traços com um palito de dentes.
Os olhos fixos pareciam alegrar-se imensamente quando trazia da massa inanimada a feição parecida com a original e ele sorria generosamente sua ingenuidade e amor infantis.
"Mas Mateus, os bonecos não falam, não andam, não são nada além de bonecos de massa!", tentava provocá-lo para ver sua argumentação e ele "pois é", concordando sem muita insatisfação com a provocativa. "Pois então de que serve fazê-los?", continuei e ele "ora, serve para eu não esquecer que gosto deles" e disse muito bem o pequenino.
Continuava lá entretido a comparar as fotos da estante com os bonequinhos que ia fazendo e a alegrar-se com qualquer progresso.
Enquanto meu priminho alegrava-se com a grande idéia, eu escutava "metamorfose ambulante" e imaginava se as imagens cofirmariam para mim o amor que representam.
Talvez eu pudesse mesmo fazer bonecos dos amigos que não vejo há muito tempo e olhar para eles para lembrar-me o quanto foi boa nossa convivência, o quanto fomos felizes e o quanto gosto deles. Mas por outro lado, daí já aprofundo mais que meu primo, fossem o símbolo da falta de atenção com a nossa amizade, do desleixo em ligar, em marcar encontros, em dar continuidade aos projetos, daí seria o símbolo de um deboche.
Vem a próxima música do Raul: "quem não tem colírio..." e eu penso se me faltou colírio para deixar de receber as ligações dos meus amigos, ou se da parte deles sobraram óculos escuros para não se importar também e não ver que cada pequena ausência fazia essa maior e tão ameaçadoramente definitiva.
Em seguida começou a "tente outra vez"! Sim, "a água viva ainda tá na fonte" e esse determinismo todo começa engalfinhar e tornar turva a bela imagem poética de esperança que o Mateus tão gentilmente criou para si e me deixou tão impressionado.
Eu não vou usar de massa de modelar, uso das minhas lembranças para não esquecer-me dos amigos. Vem cá dentro aquela vez que fizemos issos e aquilos, conversamos, rimos e nos importamos com as mesmas coisas, das músicas que dançamos juntos e das nossas idiotices que foram suportadas sem muito escárnio.
Os bonecos da imaginação são mais interativos, mas tenho pena que encenem sempre as mesmas situações. O bom seria ter lembranças novas e mais que isso, conseguir confirmar se eles também tem um boneco meu, se também se importam e sofrem como eu essa nossa ausência.
O fato que não deve ser ignorado é que nem todos lidam com isso da mesma forma, e deixam mesmo morrer até as memórias que tivessem sobrevivido à amizade o que aborrece muito. Mas eu não me dou o luxo de esquecer, apesar de ser o pouco que restou, é meu, sim, meus bonecos dos meus amigos. :D