Na perspectiva de não sofrer as saudades de férias longe dos amiguinhos, meu priminho Mateus fez bonecos de massa de modelar dos que gosta.
Contornava com cuidado a cabeça de cada qual, como se afagasse a cabeça verdadeira e contornava os traços com um palito de dentes.
Os olhos fixos pareciam alegrar-se imensamente quando trazia da massa inanimada a feição parecida com a original e ele sorria generosamente sua ingenuidade e amor infantis.
"Mas Mateus, os bonecos não falam, não andam, não são nada além de bonecos de massa!", tentava provocá-lo para ver sua argumentação e ele "pois é", concordando sem muita insatisfação com a provocativa. "Pois então de que serve fazê-los?", continuei e ele "ora, serve para eu não esquecer que gosto deles" e disse muito bem o pequenino.
Continuava lá entretido a comparar as fotos da estante com os bonequinhos que ia fazendo e a alegrar-se com qualquer progresso.
Enquanto meu priminho alegrava-se com a grande idéia, eu escutava "metamorfose ambulante" e imaginava se as imagens cofirmariam para mim o amor que representam.
Talvez eu pudesse mesmo fazer bonecos dos amigos que não vejo há muito tempo e olhar para eles para lembrar-me o quanto foi boa nossa convivência, o quanto fomos felizes e o quanto gosto deles. Mas por outro lado, daí já aprofundo mais que meu primo, fossem o símbolo da falta de atenção com a nossa amizade, do desleixo em ligar, em marcar encontros, em dar continuidade aos projetos, daí seria o símbolo de um deboche.
Vem a próxima música do Raul: "quem não tem colírio..." e eu penso se me faltou colírio para deixar de receber as ligações dos meus amigos, ou se da parte deles sobraram óculos escuros para não se importar também e não ver que cada pequena ausência fazia essa maior e tão ameaçadoramente definitiva.
Em seguida começou a "tente outra vez"! Sim, "a água viva ainda tá na fonte" e esse determinismo todo começa engalfinhar e tornar turva a bela imagem poética de esperança que o Mateus tão gentilmente criou para si e me deixou tão impressionado.
Eu não vou usar de massa de modelar, uso das minhas lembranças para não esquecer-me dos amigos. Vem cá dentro aquela vez que fizemos issos e aquilos, conversamos, rimos e nos importamos com as mesmas coisas, das músicas que dançamos juntos e das nossas idiotices que foram suportadas sem muito escárnio.
Os bonecos da imaginação são mais interativos, mas tenho pena que encenem sempre as mesmas situações. O bom seria ter lembranças novas e mais que isso, conseguir confirmar se eles também tem um boneco meu, se também se importam e sofrem como eu essa nossa ausência.
O fato que não deve ser ignorado é que nem todos lidam com isso da mesma forma, e deixam mesmo morrer até as memórias que tivessem sobrevivido à amizade o que aborrece muito. Mas eu não me dou o luxo de esquecer, apesar de ser o pouco que restou, é meu, sim, meus bonecos dos meus amigos. :D