Penso nas ambições guardadas dentro do peito. Em segredo imagino que elas conversam entre si. Discutem sobre seus pais: as paixões de que nasceram; elogiam-se mutuamente, guardando uma inveja secreta; riem todas juntas quando aquele que as hospeda no nicho mais sagrado da sua alma resolve alimentar a qualquer delas; choram todas juntas quando esse anfitrião expulsa alguma do coração, deixando-o mais leve, e talvez mais perdido também.
Ambicionar fortuna, reconhecimento, beleza, felicidade... ambicionar ou simplesmente viver, opções igualmente perigosas e igualmente tentadoras. Como seria confortável não desejar nada além de repouso, alimento e sexo: as três necessidades essenciais de um ser humano. De outro lado, as paixões que temos fazem as ambições nossas senhoras e obedecemos cegamente, porque de alguma maneira é prazeroso satisfazer às paixões e ver-nos maiores ou melhores que os outros.
E por ver tanta radicalidade nas coisas do mundo, tanta opressão sem poesia e sem fé, há momentos que sinto toda essa tristeza em mim. Penso na pobreza, na exclusão social, na ignorância, na luxúria, no orgulho, na malícia... um rio imenso, de perder de vista a outra margem, seguindo rumo a um mar não alcança, segue sempre cheio de sujeira, sempre poluído, sempre carregado de determinismo e lágrimas de chumbo.
Suspiro, relaxo, vejo alguma beleza e tento levantar os olhos, e então lembro da minha menina que é sempre tão doce comigo, tão sincera, tão querida. Talvez a rapidez dessa alegria fosse capaz de me tirar da grande cilada da autocompaixão, mas eu morro de medo de trazê-la para dentro desta espiral assassina que gira sem parar dentro da minha cabeça. Incluir seus doces sonhos nas estantes onde repousam as cinzas do que um dia foram os meus, e dar aos seus olhos a visão generosa de não ter medo de nada, ah! visão que eu persigo com tanta sanha! Paixão de ter paz.
Fica bem quietinha cá comigo, entretanto. Fica comigo que através dos olhos dela busco a alavanca que faça parar essa espiral de medo, busco essa resposta para o meu desassossego de não saber, mergulho sem dizer uma palavra na generosidade do seu coração e lá do fundo escuto ecos amorosos que aquecem o frio impertinente da madrugada da minha vida e repetem docemente aquelas suas palavras: "não se preocupe."
A paixão, desta segurança de sentir o amor, desperta a ambição de alimentá-la com todos os esforços, nutri-la de cuidados, cercá-la de zelo e de atenção, submetê-la à fabrica de sonhos da cabeça e fazer surgir dela um lindo adereço para minha vida que traga o nome do meu amor gravado com bastante destaque para que sempre que eu olhe para ele saiba que não preciso mais ter medo de andar pelos becos escuros sem ter a quem perguntar: "o que faço com a minha vida?"
Eu sei, sabendo isso com grande felicidade, que ela diria "vive, simplesmente vive", daí, mais leve por abandonar outra ambição má enquanto abraçava essa nova não menos perigosa, eu viveria além do Bojador e talvez além da dor de sentir.
Hoje, num espetáculo quase demente, minhas ambições choram e riem ao mesmo tempo.