E como o mar dentro da treva
Num constante arremesso largo e aflito
Eu me espedaço em vão contra o infinito."
IV Soneto de Meditação, Vinicius de Moraes
Eu sou avesso à qualquer tipo de hostilidade. Não me agrada ver gritos, murros cheios de raiva, menos ainda agressividades menos apaixonadas e mais brutais, como a dos criminosos e talvez essa repulsa explique também o meu nojo ao ver sangue.
Agradam-me os esportes porque neles há o sentimento do lúdico e da competição, ambos interessantes de serem curtidos e que confesso que adoro. Neles não há o sentimento de ódio, nem da tara pela morte alheia (ao menos entre competidores normais), de modo que essa agressividade é apenas aparente e serve mais para afirmar a virilidade e masculinidade com algum divertimento do que para humilhar e derrotar propriamente.
Há um outro tipo de competição que consegue não ter hostilidade e nem tampouco ser lúdica por si mesma (embora acabe sendo também lúdica em algum sentido), a competição pelo amor verdadeiro. Chamá-lo de jogo seria diminuir sua importância, seu vulto colossal sobre nossas vidas, diminuir a importância que tem como o caminho que traçamos enquanto achamos infantilmente que um bom emprego e bens de capital nos trarão respeito e paz, deixando um rastro de decisões frias de mãos dadas com muito lamento. Talvez fosse apropriado a pecha de 'guerra', já que é nas guerras que os destinos são decididos e a tragédia coloca pedras nos cruzamentos que não podem nunca ser retiradas e as batalhas tornam-se tão ferozes quanto inesquecíveis e também assim é a luta pelo amor.
Cada romance é uma batalha, cada beijo um tiro, cada olhar uma estratégia, cada abraço uma trégua. Mas nessa guerra os objetivos não são contrários, mas os mesmos, qual seria o famoso amor verdadeiro, aquele conhecido por encher a alma de paz e felicidade. Muito lindo, mas sem muita emoção, de modo que a prática das guerras mostra a faceta maior deste tipo de conflito armado: nem sempre as partes tem esse comum objetivo. Muitas das vezes, há os que querem o amor, simplesmente querem amar e ser amadas, e os que querem livrar-se da solidão, querem outrem pra usar ou pra exibir, os que fazem da guerra um conflito desonesto. Desonesto para a outra parte que guerreia de boa fé e com paixão adentra as linhas inimigas e se deixa adentrar sem medos, mas sobretudo desonesta para esses desafortunados medrosos, pois no fim das contas os grandes amigos que lhe sobram são a solidão e o arrependimento de não ter acreditado e também, se tiverem algum caráter, a angústia de ter magoado.
Batalha após batalha, aprende-se que o amor é uma dura conquista! Quanto tato é preciso para não deixar morrer! Quanta afinidade é necessária para não descubrir-se a luta por uma batalha perdida! Quanta expectativa para sentir um amor a crescer vermelho de vida! E assim seguem-se os amores, como segue sempre a vida impassível. Alguns não suportam as derrotas e desistem da luta, enclausuram-se em verdades que acham absolutas, envolvem-se superficialmente, tornam-se eremitas, matam-se, de todo jeito abdicam do amor de uma maneira muito triste, muito transtornada, numa atitude que merece nossas mais devotadas orações. Mas os mais românticos mantém a chama desta crença, como antigamente se mantinha nas casas a chama dos ancestrais, que não podia se deixar apagar por razão nenhuma nesse mundo! Acreditam no tal do amor, e lutam bravamente, batalha após batalha, carregando humildemente suas cicatrizes e farda surrada com dignidade e sem nenhum constrangimento de ter perdido, isso tudo porque acredita intimamente na vitória que sabe sua.
Na guerra pelo amor há momentos de dúvida, em que cogita-se friamente esquecer tudo isso, e abdicar como tantos fazem da oportunidade de vencer um dia, contentando-se com os restos e sobras que varejam nas esquinas do que é verdadeiramente o amor. Um medo imenso corre a espinha e olha-se nos olhos do futuro "inimigo" como que dizendo: "faça com que eu acredite". Rezando subitamente para que um sinal divino restaure a sua fé e sua vontade de luta, sua gana de vitória, o vigor da artilharia, a frieza apaixonada dos ataques de madrugada, quando o inimigo dorme inocentemente. Reza-se para que essa fé na guerra pelo amor surja de algum canto da alma. E se ela finalmente surge, que bela surpresa! Tanta felicidade, tanto júbilo, tudo por ter recomeçado uma guerra.
Mas para vencer, não basta acreditar e perseverar na luta, é preciso agir! A ação é a própria alma das guerras e com a guerra pelo amor não é nada diferente! Não afastar-se nunca do "inimigo" é um ótimo começo, afinal, só bem de perto para realmente poder feri-lo de morte! O carinho e o afeto são bombas poderosas, a afinidade de gostos é o melhor dos exércitos de ocupação, porque não são agressivos com a população local, muito pelo contrário, são parte dela, embora nunca tenham antes estado ali. Por fim, a conquista do amor exige perseverança na verdade, sim, eis aqui a mãe de todas as bombas que garante a vitória final. A verdade liberta e na guerra pelo amor, como em todas as boas guerras da vida, ela é sempre a melhor arma para vencer, garantindo que entre os mortos e feridos sobre duas almas enlaçadas de um sentimento maior que qualquer outro, enlaçadas no ideal de que todo o sangue não foi em vão.