segunda-feira, março 14, 2005

O amor das cobras selvagens

Meus poemas envelheceram de repente quando os reli no sábado. Estavam muito bem medidos os sonetos, os versos livres continuavam bem livres, todos em itálico e com o título todo em maiúsculas, tudo lindo e quase tudo velho e cansado.
Como o passar do tempo em relação aos edifícios de arquitetura neoclássica, a chuva, o vento, o sol violentaram também os meus versos e fizeram crescer ramos de sabambaia, longas línguas pretas pela parede, desbotamento das cores da pintura, enegrescimento das faces das estatuetas que guardavam o portão no alto das colunas.
Andei pelos corredores do meu palácio poético e os fiz ranger as velhas tábuas do piso com os meus passos decididos, e fiquei assustado quando o vento fez bater as portas e janelas, lançando ao chão fragmentos da madeira apodrecida. A casa respondia à minha presença como um velho defende-se da agressão que sabe que sofrerá em seguida, mas pela própria debilidade trazida pelo tempo, sabe que não tem chances de sucesso, sobra a raiva.
Olhei dentro dos quartos e senti um cheiro de outros tempos. Lembrei-me doutros amores e medos, de outros pensamentos noutras avenidas, priorizados então os primeiros sentimentos. Na antiga pretensão, quase infantil, de reduzir tudo a um verso rancoroso e feroz, reluziu para mim meu maroto jeito de esperar o inesperado surgir de repente, trazendo a solução que, à parte da fé que eu tinha, não veio. Num tempo em que eu achava que o amor das cobras selvagens continha alguma paixão, olhava-as com respeito, mas hoje está tudo desmentido!
Analisando cruamente a culpa é toda minha, por óbvio. Isso de colocar a culpa no vento, no sol e na chuva é um argumentozinho metafórico muito besta! Eu fui quebrando secretamente nas madrugadas os pilares desse edifício poético e passei a maldizer as antigas verdades como que tentando saber se sobreviveria com altivez a minha própria renúncia de natureza e embora o processo não esteja ainda totalmente completado, sei que a tampa da banheira foi retirada e a água está indo embora com muito boa vontade, essas leis naturais são mesmo muito prestativas. Versos novos são a nova água para meu banho. Versos mais encorpados de um bom carinho e tempero de inteligência, sim, versos assim merecem o papel. Tenho pensado em poetas inspiradores de tempos mais remotos, como William Blake e mesmo Oscar Wilde que lia muito antes de entrar para a universidade. Esses poetas tem um estilo muito particularmente esculpido nas paixões e pensamentos parametrados em coisas verdadeiras. Blake foi um iconoclasta, Wilde um inovador genial, neles talvez encontre riso e prazer pra pensar em versos meus mais afetos ao meu atual propósito.
Resta uma resposta que deve estar perturbando o autor mais atento: por que abrir aqui as mais secretas opiniões sobre a própria produção poética? Bem, primeiro porque não encontrei razão verdadeira para omitir isso, segundo porque é uma maneira de materializar e destribuir os pensamentos, herança do antigo estilo que ainda não me desfiz completamente já que ainda me conforta muito, terceiro porque é a verdade e a verdade é o melhor dos argumentos.
Agora me dêem licença, por favor. Nesse exato instante imagino um lindo poema! Será inclusive um dos pilares do novo edifício poético: 120 andares, com lojas, estacionamentos, escritórios, academias de musculação, cinemas, restaurante na cobertura com vista panorâmica para toda a cidade e ainda rampa de pulo para paraquedistas! Espero que todos se divirtam tanto quanto eu e apreciem as novas instalações.