sexta-feira, fevereiro 04, 2005

Amanhã tudo volta ao normal

"Quanto riso! Oh, quanta alegria! Mais de mil palhaços no salão. O arlequim está chorando pelo amor da colombina no meio da multidão. 'Foi bom te ver outra vez, tá fazendo um ano, foi no carnaval que passou. Eu sou aquele Pierrot que te abraçou e te beijou, meu amor. A mesma máscara negra que esconde o teu rosto eu quero matar as saudades: vou beijar-te agora, não me leve a mal, hoje é carnaval!" Máscara Negra
Se o Carnaval é mesmo a festa popular em que se celebra a alegria e onde tudo o que é proibido fica por aqueles dias permitido eu vou me permitir a desconsiderar essa regra, sem bancar o casmurro. Sou livre inclusive para não me divertir, já que o carnaval guarda na sua alma esse apelo de frustração.
Não acho que seja o carnaval um produto, uma mentira, uma fraude ou qualquer coisa do gênero. Como eu considerei nas linhas acima, ele é uma festa, não é certo e nem justo querer demonizar os costumes populares, como fazem com o natal ou o dia das mães: em tudo isso há sentimento humano de muitos inocentes, o que merece algum respeito.
Muito da própria imagem que o brasileiro tem de si, além da imagem que o mundo tem dos brasileiros, vem dessa festa popular: um povo alegre. O Rio de Janeiro movimenta seu bilhão de dólares nesses dias de carnaval e todos ficam felizes. A alegria e a felicidade é a constante do carnaval. Não raro acha-se quem propõe ampliar a festa, transformando a quarta-feira de cinzas em quinta-feira de cinzas, mas não é propositado nem seria fiel ao espírito de felicidade momentânea que o carnval propõe, além disso, por esses entusiasmados foliões, viveríamos o mês de fevereiro todo em carnaval.
Poucos dias já bastam para extravazar tudo que tem acumulado nas horas de trabalho sem gosto, nas semanas a fio de murrinhas a aborrecimentos, nas limitações da vida, sempre tão dura e injusta. Daí o povo quer mesmo é ir pra rua, beber bastante, cantar, sair vestido de mulher, zuar com os que estão sérios, afinal, no carnaval tudo pode.
De toda maneira, lembro desde sempre desse drama do Pierrot, desse impulso de alegria interrompido por uma dor funda que ninguém vê, todos tontos de alegria. Como que uma brincadeira de mal gosto dos que dão alguma alegria para retirar em seguida, na grande imitação do que seria legítimo a partir insitação dos sonhos e vontades. Um jogo bruto.
Máscaras mais pesadas para os foliões, máscaras que não vão deixar ver dentro dos olhos os reais propósitos deles, capazes de transfigurar seus sentimentos e gestos com a mesma eficiência com que ele transfigura as palavras do pensamento para as palavras ditas, enquanto as serpentinas mais cumpridas vão cortando o salão de baile, num espetáculo estimulante para o olhar, como tiros que deixam cauda, são lançados e relançados e unem todo o corpo dançante de passistas e percusionistas a tremer juntos a batida do samba ou da marchinha.
Pois é no carnaval que me lembro de tudo isso dessa maneira deslavadamente sem esperança, esvazio o peito com um suspiro e aperto todos os músculos do corpo, dizendo pra mim mesmo: 'não vou aborrecer ninguém com isso', e é o que eu mais quero.
Que todos sejam muito felizes nesse carnaval e, cada qual a sua maneira, permitam-se ser felizes e tentem disseminar aquela sensação de não estar sendo visto por ninguém, daí já serão fiéis ao verdadeiro propósito do carnaval.