"O poeta/Essa criatura escravizada à beleza", escreveu Vinicius de Moraes na sua fase poética de identificação com o absoluto. Depois na sua linda canção "Samba da Bênção" descarrilou com mais maturidade na sua fase de cancioneiro: "Uma mulher quem que ter qualquer coisa além da beleza".
Sim, a beleza. Algo que fascina a todos, a simetria, a virilidade, a suavidade, a composição de cores, enfim, tudo o que compõe o que chamamos de belo. Tudo o que detem essa qualidade é por vezes admirado, mas até onde vai essa admiração pelo que é bonito? Será que é uma finalidade em si mesma?
A beleza é um componente que atrái, é fascinante mesmo ver algo muito bonito e pessoas bonitas também tem mais atenção dos outros, evidentemente. Depois desse primeiro momento será que as coisas tomam o rumo de bastar-se?
Não bastasse o tormento de que a beleza é fugaz, existe a grande verdade de que ela não se sustenta muito bem se vier sozinha. A beleza desamparada de um coração pulsante, de um sonho ardente, de uma ambição e de um orgulho fica estancada na sua pose. Como numa foto mal feita de uma beldade, essa constatação dá a impressão de um engano sobre a beleza, como que descoberta uma mentirinha das pequenas.
Mulheres bonitas, costuma-se dizer, conseguem tudo o que querem, principalmente se forem vazias, mas se conseguem mesmo, sofrem muito para atingir esses objetivos. Delas espera-se que estejam sempre maravilhosas, sempre sorrindo, sempre elegantes, sempre ideais para a idolatração. Mas quanto desespero no olhar delas se não dizemos que são lindas... quanta insegurança no coração! Escravizam-se ao que lhes dizem que tem, uma linda aparência e tantas delas não se preocupam em ser mais que isso, como eu adiantei, conseguem tudo o que querem. Mas chega o dia em que vão querer mais, o tempo é um instituto arrogante e muda tudo todo o tempo e coincidentemente com essa necessidade de ser mais do que parecer vai-se a beleza, e sobram os desenganos.
Sinto uma tristeza por elas, uma agonia e ao mesmo tempo um desprezo por serem tão vazias no mais das vezes, tão ignorantes da realidade desse mundo sem respeito e sem delicadeza. Fico imaginando as desilusões das meninas bonitas, perguntam-se o que houve, quem traiu quem, de quem foi a culpa (como juristas também não são muito boas, diga-se de passagem).
Uma mulher de verdade tem que ter mesmo qualquer coisa além da beleza, ser como o mar em relação a um balde d'água: apresentar algum mistério, algum imprevisto nas suas águas, ter em si a razão do princípio e do fim de cada coisa no poder discreto e latente em suas ondas, insinuado na inabalável certeza em saber-se tão maior que tudo e mesmo assim ser apenas aquela que molha suavemente a praia, na tranqüilidade de aceitar a sua natureza, ter seus momentos de ressaca, sem mesmo precisar de álcool, e na explosão desta fúria, causar a certeza de que é apenas para demonstrar o quão forte é o seu coração e o quão profundos são seus sentimentos, intimidando todos os espertalhões que acham que podem nadar a qualquer hora nesse mar e descansar na previsibilidade de suas águas.
Um mar amplo, ilimitado, com seu horizonte a verter as luzes mais lindas da manhã ou da tarde, dando tudo de si e querendo tudo para si, um mar onde o navegar é uma aventura inebriantemente feliz e que conduz aos destinos, que por vezes ficam ofuscados nesse doce trajeto, tão certos de significado e de sorrisos quanto se pode ter certeza da fatalidade da vida.
Alguns homens conseguem a façanha bizarra de navegar em baldes, outros vêem que os baldes tem muito pouca água e precisam de mares.