Quando eu estava saindo da casa de minha amiga Anna no sábado tocava na casa de algum vizinho uma triste canção em italiano. Num grave que na hora pareceu-me interminável entrevi uma dose boa de tristeza para poder-se cantar daquela maneira.
Aos meus pensamentos mesclou-se também uma trilha sonora só de música italiana e fiquei desde aquele dia pensando nos meus cantores preferidos: Rita Pavone, Bobby Solo, Claudio Baglioni... que músicas mais melodiosas!
Em casa fiquei ouvindo 'non é facile avere 18 ani' na voz da Rita Pavone, tão aguda e tão suave, que combinação maravilhosa, e tão forte também que ficava até divertido quando ela levantava a voz e mesmo quase gritava, lindo.
A alma por trás da voz, algo que hoje não se faz da mesma maneira na música popular. Os italianos não em nenhuma vergonha em levantar bem alto o timbre da voz e por que tanto receio afinal? Talvez seja falta de confiança ou abdução cultural, já que os americanos não fazem isso, é algo mais latino mesmo. É nessas horas que tem de se considerar que nada no mundo dá mais prazer que beber nas águas da nossa tradição e dos nossos costumes: nenhuma água é mais fresca, nem mata a sede com mais eficiência.
Os italianos carregam essas tradições sem nenhuma obrigação, é por natureza e muito decidida, diga-se para reafirmar. Talvez seja o idioma deles. Já fiquei reparando nas vogais mais alongadas, no tom musical. Qualquer um que assistir ao 'cine paradiso' vai perceber como o personagem Alfredo tem um tom musical na voz, eu acho que o ator não bolou aquilo para a atuação (sem desmerecer seu excelente trabalho nesse filme), é de fato o jeito de falar.
Ocorreu-me agora aliar as duas artes em que os italianos se destacam: o cinema e a música, ou seja, as trilhas sonoras dos filmes italianos. São sempre sutis, ao contrário do que alguém mais apressado poderia pensar por serem italianos. Daí entrevê-se sua natureza: uma grande sensibilidade para fazer algo realmente belo, não precisa ser sempre efusivamente emotivo e exagerado, basta que seja tocante, puro, verdadeiro, profundo. Acho que a música italiana é exatamente assim. Tranqüilamente escuto as canções sobre incêndios, montanhas e pássaros e imagino que não haveria outro jeito de se fazer música popular. Afinal, a cultura popular através da música tem esse brilho notável, que na música popular da Itália fica muito claro.
Ao instalar-se nos meus pensamentos naquele sábado minha vida tornou-se uma música italiana por esses dias e tenho na imaginação dançado comigo mesmo como um bobo pela rua, ou mesmo pelo meu quarto, imaginando essa canção sem parar dentro de mim, claramente contaminado por aquela paixão e jogado dentro das minhas. Na canção há um coro bem discreto para fazer maior o ápice do timbre do cantor e violinos também ao fundo para que tudo fique bem dramático, mas nunca chega a ser tolo, vai-se ao extremo de carinho, tragédia, ternura, fatalismo, tudo com muita paixão.
Fico aqui então, queridos amigos, admirando a sonoridade ímpar do idioma italiano, formalmente cantado, nessas melodias cheias de idéias singelas e simples. Quem sabe agora uma outra canção menos exageradamente exaustiva, mas igualmente italiana?