sexta-feira, fevereiro 18, 2005

Notas de cem reais

Constantemente sinto que o seu corpo carrega as marcas da longuíssima viagem feita até esse dia de alegria quando compreendi que os rasgos na pele foram pela ventura em tentar.
Como se tivesse cavalgado por uma semana inteira sem parar, seu corpo parece o de alguém que misturou-se ao que te trouxe até aqui e nas entrelinhas da sua gentileza em negar cuidados eu delicadamente abro os curativos apressados que você fez só para constar e sem a intenção de ver-se curado de alguma coisa.
Digo que preparo uma boa dose de whisky para essa noite. Sim, que tal um pouco de conhaque? Apetece imenso esse cheiro primitivo e quase ausente de gengibre. Quero ver seus olhos brilhando como antes e confirmar o que o meu coração me diz quanto ao fato de você manter no peito a esperança de amar o mundo inteiro e fazer meus sorrisos tão leves quanto os meus antigos de criancinha orgulhosa.
Preferia não gostar tanto da agressividade das guitarras para compensar a tristeza de tanta repressão no meu peito e no grito do vocalista, na rebeldia do punkrocker, sentir que a piada acabou e posso agora berrar essa contenção absurda. Mas você gosta de poesia sobre a natureza e fala que a suavidade tem sua força quando eu fico assim desconcertado com a sua nobreza ao repelir os ataques, na força dos seus argumentos nas discussões e como na arena das vaidades o seu discernimento corta brilhante.
Pois, meu bom amigo, são largos os horizontes dessa vida em que temos fixado os olhos em busca de algo que anuncie o nosso salvador, alguém por quem lutar, mas só vemos essa gente louca para brigar. Tenho na bainha uma espada enferrujada e minha farda surrada não pode mais ser lavada e os cadarços do meu cuturno puído não podem ser distinguidos do couro. Leio na parte de dentro do cinto a inscrição: "Deus está do nosso lado" e vejo você do meu lado, com sua fisionomia leve, mas não vamos lutar com eles, mas por alguém dentre eles que precise proteger seu puro coração.
Uma vida lutando para que ninguém tenha mais que lutar. Temos pretensões muito altas e do alto da nossa ambição mergulha, como um cachorro de circo para uma bacia de água, nossa cólera contra a materialização do mundo. Disseram-me que o amor não vive mais nos pensamentos e que os atestados atestam o sentimentos. Pois também soube que as notas de cem reais não são mais falsificadas porque todos suspeitam de antemão... o curioso fato desmaterialização que contradiz essa impressão, já que notas de cem reais existem mas ninguém sabe onde estão, vivem no imaginário! Talvez tenha sobrado pra nós sermos notas de cem reais. Tenho a impressão de que apesar de podermos pagar por uma diária num hotel 3 estrelas, ninguém nos aceitaria por lá, parece que não somos o que somos... mas nós somos e eu já não vou duvidar disso.
Eu sei bem que a nossa partida será, quando amanhecer o dia, outro até breve e que os espinhos do caminho cederão espaço para sonhos apaixonados e que encontraremos rápido o nosso lugar nesse mundo, afinal, notas de cem não foram feitas para circular.