Um homem que não permite que outros façam suas escolhas todo o tempo é confrontado com um momento de encontro, já que vai compreender se agiu mal em ser tão franco consigo e com os outros, ou se deveria deixar que outro escolhesse para que depois, no caso de não dar certo, poder culpá-lo.
É preciso ter no peito, antes de um crucifixo de ouro para encorajar, um coração suficientemente forte para agüentar as fortes ondas de expansão vindas daquele encontro, flexões que estendem-se sempre, muito ou pouco para além do seu epicentro, mas sempre expandem-se. Como que numa arrebentação de maré, é preciso dar o corpo à sua agressividade e deixá-la atravessá-lo, rezando para que não morra afogado pela força bruta.
Pode-se também tentar ignorar as conseqüências de um encontro, como que furando a onda, se voltarmos à nossa metáfora, e é uma opção bem prática, já que não há mesmo risco de afogamento, ou qualquer trauma e quando emerge-se do mergulho, olhar para trás e ver a onda indo morrer.
Não vale querer compreender as conseqüências se elas não existirem, já que se sobre se é apenas uma conjunção de historiadores bêbados. Melhor é compreender esse não saber do encontro, essa sensação tão boa de estar prestes a experimentar algo tão novo e tão original que tudo o que veio antes poderá ser diferente, estar diante de um desafio de vida ou morte e sentir o coração feliz por estar na arena e orgulhar-se dessa coragem.
É bem assim quando se recebe uma notícia esperada, ou também quando decide-se o destino numa sentença incerta, ou também, e aqui de uma maneira muito mais bonita e mais profunda, quando encontra-se alguém que desperta sentimentos grandes.
Em mim os encontros são sempre marcantes demais e tenho de todos os meus a certeza de que minha vida provou a integridade de suspirar. O corpo também responde a esse momento e pode ser percebido pela teimosia das pálpebras em não piscar, ficar abertas é sua momentânea obceção, como se os olhos estivessem memorizando aquele instante, compõe a feição a irresistível vontade de sorrir, como se fosse mesmo uma obrigação dizer a todos "vejam como eu estou feliz!" e enquanto essa cara de bobo transparece para quem olhar, as palavras do possível discurso tão pensado simplesmente são deixadas por um emaranhado de expressões e suspiros presos e além, a grande vontade de não estar ali acaba sendo esquecida completamente por uma satisfação em ter terminado a expectativa e uma alegria em compreender a vida tão simples quanto esse encontro.
No reencontro acontece o mesmo, mas de uma maneira um pouco diferente, não há mais a expectativa de saber como será ou o que vai acontecer, há a curiosidade de saber se mudou, se na cabeça tem-se ainda a imagem do que é ou se as mirabolantes constatações sobre ser e não ser, sobre querer e poder romperam a barreira da estratosfera e estão num plano do imaginário tão absurto que é vizinho da crença de que o coelhinho da Páscoa existe. Mas de todo jeito é maravilhoso estar com alguém que se ama, e o reencontro supera toda insegurança para existir como um marco fundamental naquela relação humana.
Nesse turbilhão de idéias e expectativas há ainda uma boa dose de desprezo pelo que pode ser na medida de abstrair-se à tensão de uma inversão de polaridade nas prerrogativas e interesses, na revolução sangrenta que nasce desses instantes tão inocentes e sem muito alarde.
De tanta emoção, de tanto êxtase, se ainda houver dúvidas sobre o provável destino disso tudo, o melhor é um bom banho quente seguido da apreciação de um tango de Carlos Gardel, sim o grande mestre uruguaio. Depois de mergulhar na voz que lamenta e implora, até o gato Felix concluiria que seu pêlo vale menos que encontrar a razão de tantas encrencas e o arriscaria sem pestanejar.