Ontem, pela razão de ir a uma farmácia no horário de almoço, pude ver a prova do merecimento do nome dessa cidade em que estou vivendo por esses dias: da avenida Raja Gabaglia tive uma vista linda da cidade de Belo Horizonte, e linda por ser ao mesmo tempo melancólica, lívida e quieta, tudo o que a cidade parece não ser nas ruas, apesar de ser mesmo linda de fato.
Toda essa confusão de noções sobre belo, triste e belo de novo é um pouco da natureza da capital mineira: a um desavisado forasteiro sua feição de metrópole oprime e assusta, mas por trás dessa impressão surge outra mais verdadeira e menos agressiva: a da grande reunião de mineiros.
A infinidade dos bares que não se fecham às 2 da manhã (mas sempre às 3 ou 4 horas) cheios de gente rindo ou brincando uns com os outros, festejando algo que nem eles mesmos se lembram quando voltam para casa.
Outra curiosidade são as palavras mais pronunciadas nos seus bares: "galo", "cruzeiro" e vez ou outra "coelho" saem sempre com emoção, umas vezes como diminutivos, com depreciação e algum rancor tolo dos mais radicais: "o galinho perdeu a briga, levou uma esporada na fronte", ou então a batida "está aberta a temporada de caça à raposa", e tradicionalmente apelam para a gastronomia, numa metáfora cheia desses simbolismos do futebol mineiro: "frango assado" ou "coelho ao molho pardo", ou também apelo para a moda "essa raposa já apanhou tanto que nem casaco de pele se pode fazer com ela"; outras vem como aumentativos, as defesas apaixonadas, os elogios "galo forte vingador!" como diz o hino do Clube Atlético Mineiro, ou então "a estratégia, qualidade maior das raposas, garantiu-lhe a vitória sobre seus caçadores". Os bares fervilham com essas brincadeiras, que nos estádios atingem seu ponto alto, sim, os templos do esporte mineiro: Mineirão, Independência e Mineirinho, como são chamados os seus estádios.
A região em que ficam alguns desses templos é também um marco de Belo Horizonte, principalmente pelo cheiro de praia que normalmente vem da lagoa da Pampulha, lugar em que normalmente os do bairro usam para suas caminhadas pelas largas calçadas, cheias de bancos com namoradinhos, numa margem a igreja de São Francisco, ou igrejinha da Pampulha, marco do modernismo, arte aliada de Niemayer e Portinari que engrandece a lembrança montanhosa de Minas Gerais. Em frente à lagoa monumentos, gramados e um parque de diversões lá instalado há mais de 50 anos convidam para não deixar de acreditar nesse espírito de lazer e descontração da Pampulha.
Tanto assim que nos dias de clássico do futebol mineiro, a avenida que dá acesso à Pampulha fica engarrafada no sentido de vinda de veículos e quem vai no sentido contrário pode ver uma fila quase interminável de carros com bandeiras alvinegras, azuis, verdes e gente sentada na porta do carro, com metade do corpo dentro do carro e a outra metade a gritar numa empolgação cheia de paixão e de algum álcool. O melhor, entretanto, é que no fim do jogo, a cidade, metrópole nacional que é, toma ares de interior, fica tomada de torcedores do time vencedor a passear pelas ruas com o som do carro no maior volume possível, numa clara vingança ao perdedor por uma antiga derrota imposta, derrota que todos podem ter esquecido, mas que ele guardou para desforrar naquele dia, e é sempre assim, num ritual que não se cansam de repetir e de que não se dão conta. Está aí outro ponto curioso da capital mineira: o seu jeito interiorano, já que é gigantesca mas tem um jeito singelo.
Uma cidade mesmo feminina, tem mulheres atormentadas entre a feminilidade e a dureza de parecer firmes e decididas profissionalmente, fato comum a toda sociedade moderna, mas que em Belo Horizonte parece diferente: a ternura subentendida das mulheres. O mineiro da capital às vezes é desatento à ternura paralisante que guardam as suas filhas, namoradas, esposas e amigas: são naturalmente doces, mas as angústias caladas e o frêmito de competição, que brigam sem parar e não desistem de confundi-las quando se perguntam o que é preciso para ser feliz, transtornam essa natureza.
Suas mulheres são receosas de que eles não percebam o que elas não podem dizer com palavras, que guardam um amor quente e imerso em fantasias, magia, encantamentos pueris e suavidades, algo que compete a esses machos da capital verem e trazerem ao mundo, a fim de substituir o trato grosseiro que a pressa de suas vidas insiste em reprimir e ocultar e que reprimem e ocultam mais terrivelmente nas moças e só dos seus olhos é que não somem, provavelmente por quererem muitíssimo que as descubram e esse desejo é a constante de seu pensamento.
De todos os dramas velados, entretanto, transparece no povo o drama de suportar as durezas da vida profissional com dignidade: o desemprego, o destempero dos chefes, a jornada longa e insalubre dos serviços mais perigosos, isso sem contar as filas nos órgãos públicos, na lotação dos circulares, no trânsito difícil, ingratidões e vacilos, mas não reparei em reclamações substituindo sua ação e em geral sua paciência em contornar esses problemas.
Na minha parca experiência de poucas semanas é que me dei conta, com a vista da cidade a partir da avenida Raja Gabaglia, o quão cheia de detalhes e condições é essa capital, mundo dentro do mundo que se acha que vê, cheia de melancolia velada, mas também cheia de esperança e beleza nas longas avenidas com seus canteiros de árvores. O seu caráter é o seu nome.
terça-feira, maio 24, 2005
terça-feira, maio 17, 2005
Marcha do tempo
Talvez por saber o ritmo que o tempo tem, decidi imprimir-lhe a marcha que eu desejo, afim de prolongar (tanto quanto possível à minha habilidade) as horas de alegria, ou ao menos de paz, e fazer correr mais ligeiro as de tédio, maquinez no agir, discussões vazias e as dedicadas à pura burocracia e atividades correlatas que não representam em absoluto algo que interesse muito a alguém.
Assim, consegui afinal não fazer novos aborrecimentos das longas esperas, quando a ansiedade costuma agir de maneira traiçoeira, criando sonhos inverossímeis e tolos, ou angustiando e provocando idéias toscas de julgamentos apressados, as famosas "tragédias anunciadas" para quem acompanha de fora com a cabeça fria. Percebo a inutilidade de isso tudo e detenho-me em deixar passar o tempo agindo maquinalmente e não empenhando em nenhuma ação qualquer sentimento, qualquer cortesia além do que exige o trato social, qualquer esperança ou consideração verdadeira, apenas abro mão de mim mesmo, de quem sou e assumo a beca de quem deve cumprir um objetivo visando um fim maior, como a águia que empurra o filhote do ninho, não para derrubá-lo no chão, mas para que vença o medo e voe, também assim, suportar os dias vazios e sem sentido é um sacrifício que se justifica pela esperança de enfim salvar alguém no futuro, quem sabe alguém que poderá finalmente não ter que apertar botões simplesmente, girar maçanetas e gritar o nome da secretária, mas alguém que não se sinta culpado de fazer tudo isso, pois faz com um propósito que não é mesquinho.
Da mesma maneira, deixo-me entreter com as coisas lúdicas, e desligo a minha perspicácia analítica de tudo e de todos para simplesmente deixar os cheiros, toques, gostos, sons e paisagens tomarem o formato que a realidade lhes deu, o formato puro que a nossa civilização não tocou e transformou num objeto de valor menor que esse absoluto e puro valor que tem por natureza. Nesses momentos, inclusive, sinto os ombros leves e leves as mãos que não se ocupam de outras coisas, a não ser de ficarem quietas num afago, de escrevem se o coração pedir clementemente que escrevam, de se meter por longos momentos debaixo dos braços em algo que lembra um auto-abraço, e ali são mesmo mãos e não um instrumento vulgar para essas ações do dia-a-dia.
Fato é que o tempo maquinal, como chamo esse tempo sem sentido que se dedica às coisas que não se acredita, tem passado rápido, com um ou outro revés. Precisamente irrita imenso a maçada de ouvir as bobagens que se diz gratuitamente, a prepotência e a arrogância de quem se aliena num mundo de regras frágeis e combinadas, a injustiça e a soberba levantando-se agressivamente contra tudo de sincero que lhe dê algum espaço. As horas de alegria, entretanto, tenho bem guardadas na memória e me alegro e existo quando me lembro delas, como se fizesse dois dias virarem dez quando houve algo realmente bom a ser lembrado. Como se abrisse bem as narinas depois de vários minutos prendendo a respiração, encho realmente o coração nesses momentos depois de grandes jejuns, daí sinto pena dos pobres, lembro da família, sinto culpa, raiva, carinho, lembro-me de mim mesmo e até escrevo crônicas. Às vezes é tão bom, que sinto vontade de voltar para a medida do tempo maquinal, só para não fazer dessa alegria uma coisa vulgar ou ordinária. No fim das contas é realmente assim, há sempre duas vidas separadas e não há como uni-las completamente sem prejudicar uma ou ambas.
O segredo é fazer o tempo passar de acordo com os pedidos de clemência do coração para escrever essas idéias ou então embrutecer por dentro, mas apenas o necessário e sempre provisoriamente, essa é a marcha do meu caminho.
Assim, consegui afinal não fazer novos aborrecimentos das longas esperas, quando a ansiedade costuma agir de maneira traiçoeira, criando sonhos inverossímeis e tolos, ou angustiando e provocando idéias toscas de julgamentos apressados, as famosas "tragédias anunciadas" para quem acompanha de fora com a cabeça fria. Percebo a inutilidade de isso tudo e detenho-me em deixar passar o tempo agindo maquinalmente e não empenhando em nenhuma ação qualquer sentimento, qualquer cortesia além do que exige o trato social, qualquer esperança ou consideração verdadeira, apenas abro mão de mim mesmo, de quem sou e assumo a beca de quem deve cumprir um objetivo visando um fim maior, como a águia que empurra o filhote do ninho, não para derrubá-lo no chão, mas para que vença o medo e voe, também assim, suportar os dias vazios e sem sentido é um sacrifício que se justifica pela esperança de enfim salvar alguém no futuro, quem sabe alguém que poderá finalmente não ter que apertar botões simplesmente, girar maçanetas e gritar o nome da secretária, mas alguém que não se sinta culpado de fazer tudo isso, pois faz com um propósito que não é mesquinho.
Da mesma maneira, deixo-me entreter com as coisas lúdicas, e desligo a minha perspicácia analítica de tudo e de todos para simplesmente deixar os cheiros, toques, gostos, sons e paisagens tomarem o formato que a realidade lhes deu, o formato puro que a nossa civilização não tocou e transformou num objeto de valor menor que esse absoluto e puro valor que tem por natureza. Nesses momentos, inclusive, sinto os ombros leves e leves as mãos que não se ocupam de outras coisas, a não ser de ficarem quietas num afago, de escrevem se o coração pedir clementemente que escrevam, de se meter por longos momentos debaixo dos braços em algo que lembra um auto-abraço, e ali são mesmo mãos e não um instrumento vulgar para essas ações do dia-a-dia.
Fato é que o tempo maquinal, como chamo esse tempo sem sentido que se dedica às coisas que não se acredita, tem passado rápido, com um ou outro revés. Precisamente irrita imenso a maçada de ouvir as bobagens que se diz gratuitamente, a prepotência e a arrogância de quem se aliena num mundo de regras frágeis e combinadas, a injustiça e a soberba levantando-se agressivamente contra tudo de sincero que lhe dê algum espaço. As horas de alegria, entretanto, tenho bem guardadas na memória e me alegro e existo quando me lembro delas, como se fizesse dois dias virarem dez quando houve algo realmente bom a ser lembrado. Como se abrisse bem as narinas depois de vários minutos prendendo a respiração, encho realmente o coração nesses momentos depois de grandes jejuns, daí sinto pena dos pobres, lembro da família, sinto culpa, raiva, carinho, lembro-me de mim mesmo e até escrevo crônicas. Às vezes é tão bom, que sinto vontade de voltar para a medida do tempo maquinal, só para não fazer dessa alegria uma coisa vulgar ou ordinária. No fim das contas é realmente assim, há sempre duas vidas separadas e não há como uni-las completamente sem prejudicar uma ou ambas.
O segredo é fazer o tempo passar de acordo com os pedidos de clemência do coração para escrever essas idéias ou então embrutecer por dentro, mas apenas o necessário e sempre provisoriamente, essa é a marcha do meu caminho.
segunda-feira, maio 09, 2005
Espólio de Guerra
A minha edição da "Antologia Poética" de Vinicius de Moraes é de 1980, o mesmo ano de sua morte. Não por acaso, os direitos autorais do livro estavam direcionados ao espólio de Vinicius de Moraes, ou seja, ou ente passivo de figurar em juízo que representava os bens que seriam divididos na sua herança. O propósito dessa introdução, entretanto, não é ensinar direito de família à ninguém, mas o de lembrar o conceito de uma palavra que não é muito usada, mas que remete ao que quero discutir. Vamos além: espoliar é mesmo tirar o que havia sobrado, quase que liquidar, por isso espólio significa esse resto que sobrou depois de um grande desastre, o "repasto das feras", conforme Charles Baudelaire referia-se ao seu próprio coração.
As guerras, assim como os defuntos e os frustados sentimentalmente, também deixam o seu espólio. O espólio de guerra é precisamente das entidades mais curiosas que podem existir, todos lutam por ele destruindo-o. Uns acham que talvez não seja preciso preocupar-se mais com essa questão metafísica dos espólios de guerra, já que os conflitos são em menor escala do que no passado, mas o exemplo material do espólio de guerra serve para remissões.
Não seria uma espécie de espólio de guerra, se visto como o espólio de um esforço, o que sobra de uma amizade depois de uma discussão, ou de um amor depois de uma desilusão? Esse ranço terrível, uma espécie de gosto ruim que não sai da boca, a um apressado poeta novo talvez o gosto de um interior apodrecido, serve para atestar que houve bom sentimento, se é que ainda não há e está apenas machucado, mas é culpa na mesma e escraviza sem remorso. Talvez seja ainda mais triste sentir esse gosto porque diante dos olhos há esse monumento a lembrar ao culpado o seu crime: o espólio da sua guerra particular, não propriamente, portanto, com a outra pessoa, mas consigo mesmo.
Encará-lo todos os dias, dizer "bom dia, resto do que fui" comparar o que sobrou da vida com o que foi antes, imaginar o quotidiano da ex-namorada, se ainda chora, se o que ficou foi uma boa lembrança, os amigos se angustiam-se, se sentem medo nas madrugadas de assombro em que o orgulho ferido impede-lhes de ligar e dizer ao telefone: "o conhaque não me foi suficiente, preciso de suas idéias reacionárias pra rir um pouco, abra sua garrafa". Nostalgias cheias de tristeza tomam conta dessas conversas com amigos antigos que não mais convivem, confesso aqui que tenho pavor dessas conversas porque resta delas uma melancolia pesada, que não convém nada a quem procura os amigos para alegrar-se ou para tratar com eles. Atinge-me, exatamente, a visão do espólio de guerra, como que grandes montes de entulho do que foi o prédio em que juntos estudamos, rimos e sinceramente fomos amigos verdadeiros, a praça linda com sua tarde de inverno seca e luminosa em que a cabeça da namorada junto ao peito fez o mundo inteiro ganhar novo sentido, a lágrima de despedida que enternece com um vigor inacreditável nas assombrosas estações ferroviárias, rodoviárias, aeroviárias e portuárias se é que existem, em qualquer desses escabrosos lugares em que se abraça e beija por último aqueles que partem e são amados.
Espólios na memória, espólios da guerra particular que se trava... Talvez todo esse meu esforço em descrever esse sentimento de perda seja também um espólio na medida em que fique evidente o quanto me custa manter a coerência dessa idéia e dessa metáfora e no fim reste ao leitor que tudo isso é uma sobra impotente e não um esforço digno de ser considerado...
Mas de todos os espólios, mesmo que seguidos do ranço da perda, mesmo símbolos de uma derrota, dentro de cada um há um símbolo que eu prezo, essecial à liberdade e que redime minha tristeza melhor que o bom humor dos meus amigos: a coragem de ter tentado, a honra de não ter traído, a paz de saber que não sairá ninguém dos escombros de guerra.
As guerras, assim como os defuntos e os frustados sentimentalmente, também deixam o seu espólio. O espólio de guerra é precisamente das entidades mais curiosas que podem existir, todos lutam por ele destruindo-o. Uns acham que talvez não seja preciso preocupar-se mais com essa questão metafísica dos espólios de guerra, já que os conflitos são em menor escala do que no passado, mas o exemplo material do espólio de guerra serve para remissões.
Não seria uma espécie de espólio de guerra, se visto como o espólio de um esforço, o que sobra de uma amizade depois de uma discussão, ou de um amor depois de uma desilusão? Esse ranço terrível, uma espécie de gosto ruim que não sai da boca, a um apressado poeta novo talvez o gosto de um interior apodrecido, serve para atestar que houve bom sentimento, se é que ainda não há e está apenas machucado, mas é culpa na mesma e escraviza sem remorso. Talvez seja ainda mais triste sentir esse gosto porque diante dos olhos há esse monumento a lembrar ao culpado o seu crime: o espólio da sua guerra particular, não propriamente, portanto, com a outra pessoa, mas consigo mesmo.
Encará-lo todos os dias, dizer "bom dia, resto do que fui" comparar o que sobrou da vida com o que foi antes, imaginar o quotidiano da ex-namorada, se ainda chora, se o que ficou foi uma boa lembrança, os amigos se angustiam-se, se sentem medo nas madrugadas de assombro em que o orgulho ferido impede-lhes de ligar e dizer ao telefone: "o conhaque não me foi suficiente, preciso de suas idéias reacionárias pra rir um pouco, abra sua garrafa". Nostalgias cheias de tristeza tomam conta dessas conversas com amigos antigos que não mais convivem, confesso aqui que tenho pavor dessas conversas porque resta delas uma melancolia pesada, que não convém nada a quem procura os amigos para alegrar-se ou para tratar com eles. Atinge-me, exatamente, a visão do espólio de guerra, como que grandes montes de entulho do que foi o prédio em que juntos estudamos, rimos e sinceramente fomos amigos verdadeiros, a praça linda com sua tarde de inverno seca e luminosa em que a cabeça da namorada junto ao peito fez o mundo inteiro ganhar novo sentido, a lágrima de despedida que enternece com um vigor inacreditável nas assombrosas estações ferroviárias, rodoviárias, aeroviárias e portuárias se é que existem, em qualquer desses escabrosos lugares em que se abraça e beija por último aqueles que partem e são amados.
Espólios na memória, espólios da guerra particular que se trava... Talvez todo esse meu esforço em descrever esse sentimento de perda seja também um espólio na medida em que fique evidente o quanto me custa manter a coerência dessa idéia e dessa metáfora e no fim reste ao leitor que tudo isso é uma sobra impotente e não um esforço digno de ser considerado...
Mas de todos os espólios, mesmo que seguidos do ranço da perda, mesmo símbolos de uma derrota, dentro de cada um há um símbolo que eu prezo, essecial à liberdade e que redime minha tristeza melhor que o bom humor dos meus amigos: a coragem de ter tentado, a honra de não ter traído, a paz de saber que não sairá ninguém dos escombros de guerra.
sexta-feira, abril 29, 2005
Mar imaginário
Não sei como é classificado esse tipo de pensamento, não acho que seja um momento a acontecer, até porque é fantástico demais, nem acho que seja um sonho, já que tou acordado... mas a imagem de um grande e aberto mar, que se comunica comigo, à altura da minha cintura, aparece de vez em quando se me distraio um pouco.
Lembro-me vagamente de um sonho que tinha seguidas noites na adolescência que lembra muito esse pensamento inusitado sobre um mar que fala comigo em pensamento, como que em telepatia, mas era mais engraçado do que agora, esse mar antigo perguntava se as ondas ou sua temperatura estavam do meu gosto, ou se a cor da água era a que eu gostava, subserviente demais para ser um bom mar. Agora o mar faz outras perguntas, apesar de ter a mesma aparência do velho sonho.
Como que se chegasse à beira da janela do meu quarto para falar com um vizinho, ao pensamento surge um mar aberto a falar com o barulho das ondas. Conta dos navios que o atravessam, diz dos que engoliu no passado durante as tempestades, fala dos náufragos, que sempre que pode tenta constuiur correntes que os levem àlguma ilha, comenta sem sobressaltos que a tecnologia diminuiu o número embarcações de passageiros, que serve de rota para grandes cargeiros, navios de pesca, vez por outra um de turistas, um transatlântico colossal, ou no entanto um humilde aventureiro barco de pesca, procurando cardumes afastados da costa. Depois de um tempo, quando esgota as formalidades sobre a vida de ser mar, fala do abismo que guarda dentro de si, do grande e imenso volume de si mesmo que se rebate entre os pólos da terra sem razão sem proveito de nada, como se ser mar e correntes e rota de navios não fosse ser alguma coisa! Mas esse mar reclama de um sentido para trazer entre as suas ondas e seu chão escuro da profundeza abissal. Eu o consolo um pouco, convido pra entrar, tomar conhaque, ouvir um samba antigo, comento as notícias aqui da terra firme, mas ele anda sempre tão triste e cabisbaixo que só as ressacas do início do outono para agitar um pouco o tédio e a angústia dos seus conflitos.
Disse uma vez que se fosse mar, iria me divertir com a gravidade da lua em relação à terra, que ser puxado por um astro celeste para sumir um pouco numa costa e transbordar noutra seria algo muito interessante, basta pensar nas milhares e milhares, milhões de toneladas de água transportadas de um lado a outro, beijando uma terra, recolhendo-se, beijando outra, voltando, um mar sempre sociável, sempre presente, sempre imenso e sempre útil para servir de símbolo de bom horizonte, de sonho a alcançar, que ser mar é justamente ser algo a se perseguir, ser algo a se alcançar, e se era esse o seu destino, que o fizesse valer de uma vez por todas, que ser mar era muito bom e se faltava algo no imenso e triste vazio do seus sentimentos, era talvez a consciência de ser mar.
Eu me dou conta do absurdo desse diálogo às vezes, na verdade estende-se sempre e apenas até os lamentos marítimos, os meus consolos e idéias dele não partilho nunca, ou partilho envergonhado, sem muita satisfação de convencê-lo de nada...
Aprecio o cheiro e a luz das águas tristes, tristes de não se conformar, de esperar alguma surpresa pra convencê-lo que dentro de si há correntes animadas, cheias de uma alma de motivos e aventuras, que o grande destino de receber os rios da terra e renovar-se e tornar-se maior, como que com essa porção de água doce um pouco de nós que vivemos na terra, e se um dia será mesmo um crime submergir Veneza pela elevação do seu nível, tanto melhor é para o mar, que se acha vazio, mas recebe na sua imensidão os nossos pensamentos, esperanças e motivos secretos.
Lembro-me vagamente de um sonho que tinha seguidas noites na adolescência que lembra muito esse pensamento inusitado sobre um mar que fala comigo em pensamento, como que em telepatia, mas era mais engraçado do que agora, esse mar antigo perguntava se as ondas ou sua temperatura estavam do meu gosto, ou se a cor da água era a que eu gostava, subserviente demais para ser um bom mar. Agora o mar faz outras perguntas, apesar de ter a mesma aparência do velho sonho.
Como que se chegasse à beira da janela do meu quarto para falar com um vizinho, ao pensamento surge um mar aberto a falar com o barulho das ondas. Conta dos navios que o atravessam, diz dos que engoliu no passado durante as tempestades, fala dos náufragos, que sempre que pode tenta constuiur correntes que os levem àlguma ilha, comenta sem sobressaltos que a tecnologia diminuiu o número embarcações de passageiros, que serve de rota para grandes cargeiros, navios de pesca, vez por outra um de turistas, um transatlântico colossal, ou no entanto um humilde aventureiro barco de pesca, procurando cardumes afastados da costa. Depois de um tempo, quando esgota as formalidades sobre a vida de ser mar, fala do abismo que guarda dentro de si, do grande e imenso volume de si mesmo que se rebate entre os pólos da terra sem razão sem proveito de nada, como se ser mar e correntes e rota de navios não fosse ser alguma coisa! Mas esse mar reclama de um sentido para trazer entre as suas ondas e seu chão escuro da profundeza abissal. Eu o consolo um pouco, convido pra entrar, tomar conhaque, ouvir um samba antigo, comento as notícias aqui da terra firme, mas ele anda sempre tão triste e cabisbaixo que só as ressacas do início do outono para agitar um pouco o tédio e a angústia dos seus conflitos.
Disse uma vez que se fosse mar, iria me divertir com a gravidade da lua em relação à terra, que ser puxado por um astro celeste para sumir um pouco numa costa e transbordar noutra seria algo muito interessante, basta pensar nas milhares e milhares, milhões de toneladas de água transportadas de um lado a outro, beijando uma terra, recolhendo-se, beijando outra, voltando, um mar sempre sociável, sempre presente, sempre imenso e sempre útil para servir de símbolo de bom horizonte, de sonho a alcançar, que ser mar é justamente ser algo a se perseguir, ser algo a se alcançar, e se era esse o seu destino, que o fizesse valer de uma vez por todas, que ser mar era muito bom e se faltava algo no imenso e triste vazio do seus sentimentos, era talvez a consciência de ser mar.
Eu me dou conta do absurdo desse diálogo às vezes, na verdade estende-se sempre e apenas até os lamentos marítimos, os meus consolos e idéias dele não partilho nunca, ou partilho envergonhado, sem muita satisfação de convencê-lo de nada...
Aprecio o cheiro e a luz das águas tristes, tristes de não se conformar, de esperar alguma surpresa pra convencê-lo que dentro de si há correntes animadas, cheias de uma alma de motivos e aventuras, que o grande destino de receber os rios da terra e renovar-se e tornar-se maior, como que com essa porção de água doce um pouco de nós que vivemos na terra, e se um dia será mesmo um crime submergir Veneza pela elevação do seu nível, tanto melhor é para o mar, que se acha vazio, mas recebe na sua imensidão os nossos pensamentos, esperanças e motivos secretos.
terça-feira, abril 26, 2005
O coração em segredo
Minha prima Lívia me lembrou que não quer ter ainda um namorado, que não vai em festas à procura de um e que não acha que seja a hora. Ela tem 15 anos. Se a vida pode ser realmente algo a se lamentar, algo que me aborrece, ela o é quando me dou conta do quanto estou longe das pessoas que estimo: dor negra e inexprimível, mas deixemos essa mágoa um pouco de lado.
Acontece que sugeri que ela se apaixonasse por rapazes que têm o coração em segredo, expliquei que esses rapazes, se não tiverem um bom amor nessa idade, tornam-se muito covardes e vingativos do gênero feminino, justamente porque estão dispostos a amar muito e sinceramente, mas quase nunca tem sucesso, na verdade não são entendidos. Crescem com uma mágoa grande e na sua vida desgraçada só encontram prazer se puderem magoar, como se achassem que distribuindo mal ficariam com menos para si do que receberam, mas não é assim.
Como adolescente que é, descobridora do mal de ver tudo de um só jeito, tendo descoberto as mentiras da infância, diz que não, que nem sempre é assim e emenda sua boa de que 'toda generelização é um erro', doce priminha. Disse que generalizar é útil para evitar discussões cheias de evasivas tolas, mas o melhor mesmo foi ter argumentado que 'corações em segredo estão dispostos a se expor, mas somente uma vez na vida' e assim consegui sua atenção.
Chega a ser curioso como isso de conseguir a atenção dos outros é questão de manejar as palavras, não que me traga satisfação manipular minha prima, mas é precisamente o fato de que alguns argumentos são mais aprasíveis que outros, enfim, é a grande dialética dos adolescentes que se tem de driblar às vezes!
Falei das boas horas em que esses rapazes passam na mais absoluta solidão querendo para si um amor que valha a sua imaginação, tanto mais folclórico e cheio de fantasia quanto a cabeça de um rapaz de 15 anos que realmente queira um, assim mesmo um amor bem perto do impossível, mas talvez por conhecer muito bem minha prima, sabia com alguam tranqüilidade que ela poderia dar um amor folclórico e cheio de fantasia e talvez ao menos um rapaz fosse salvo da sina da adolescência de decepções e provas de masculinidade à custa do sangue de outras moças.
Com grande doçura e suavidade, expliquei o processo que conhecia sobre amar uma menina, falei até do que senti da primeira vez e fui tão sincero e tão preciso que impressionei a minha prima, mas ela não ficou mais impressionada que eu mesmo com aquela inscursão à intimidade do envolvimento amoroso, com descrições engraçadas de beijos, flertes e encontros marcados com amigos e a tal pessoa.
Acho que podemos chegar ao concenso de que, quando chegar a hora, Lívia terá um namorado com o coração em segredo para ela, acho mesmo que ela não se apaixonaria por outro tipo de rapaz. Só mesmo a surpresa de descubrir-se apaixonado fascina uma mocinha tão cheia de romantismo justificado como ela, só mesmo a vergonha de amar de repente e não ter medo poderia levantar-lhe além do chão para a camada atmosférica onde os olhos brilham mais e as razões ganham nova projeção, seja lá de que forem.
Que o felizardo tenha paciência, minha prima tem só 15 anos e acha que ainda não é hora de namorar.
Acontece que sugeri que ela se apaixonasse por rapazes que têm o coração em segredo, expliquei que esses rapazes, se não tiverem um bom amor nessa idade, tornam-se muito covardes e vingativos do gênero feminino, justamente porque estão dispostos a amar muito e sinceramente, mas quase nunca tem sucesso, na verdade não são entendidos. Crescem com uma mágoa grande e na sua vida desgraçada só encontram prazer se puderem magoar, como se achassem que distribuindo mal ficariam com menos para si do que receberam, mas não é assim.
Como adolescente que é, descobridora do mal de ver tudo de um só jeito, tendo descoberto as mentiras da infância, diz que não, que nem sempre é assim e emenda sua boa de que 'toda generelização é um erro', doce priminha. Disse que generalizar é útil para evitar discussões cheias de evasivas tolas, mas o melhor mesmo foi ter argumentado que 'corações em segredo estão dispostos a se expor, mas somente uma vez na vida' e assim consegui sua atenção.
Chega a ser curioso como isso de conseguir a atenção dos outros é questão de manejar as palavras, não que me traga satisfação manipular minha prima, mas é precisamente o fato de que alguns argumentos são mais aprasíveis que outros, enfim, é a grande dialética dos adolescentes que se tem de driblar às vezes!
Falei das boas horas em que esses rapazes passam na mais absoluta solidão querendo para si um amor que valha a sua imaginação, tanto mais folclórico e cheio de fantasia quanto a cabeça de um rapaz de 15 anos que realmente queira um, assim mesmo um amor bem perto do impossível, mas talvez por conhecer muito bem minha prima, sabia com alguam tranqüilidade que ela poderia dar um amor folclórico e cheio de fantasia e talvez ao menos um rapaz fosse salvo da sina da adolescência de decepções e provas de masculinidade à custa do sangue de outras moças.
Com grande doçura e suavidade, expliquei o processo que conhecia sobre amar uma menina, falei até do que senti da primeira vez e fui tão sincero e tão preciso que impressionei a minha prima, mas ela não ficou mais impressionada que eu mesmo com aquela inscursão à intimidade do envolvimento amoroso, com descrições engraçadas de beijos, flertes e encontros marcados com amigos e a tal pessoa.
Acho que podemos chegar ao concenso de que, quando chegar a hora, Lívia terá um namorado com o coração em segredo para ela, acho mesmo que ela não se apaixonaria por outro tipo de rapaz. Só mesmo a surpresa de descubrir-se apaixonado fascina uma mocinha tão cheia de romantismo justificado como ela, só mesmo a vergonha de amar de repente e não ter medo poderia levantar-lhe além do chão para a camada atmosférica onde os olhos brilham mais e as razões ganham nova projeção, seja lá de que forem.
Que o felizardo tenha paciência, minha prima tem só 15 anos e acha que ainda não é hora de namorar.
segunda-feira, abril 25, 2005
Vida submarina
Os peixes tem uma vida breve e arriscada em geral. Vê bem como um peixinho tem chances de morrer comido por outro maior, por uma baleia ou qualquer bicho dos mares que precisa comer dezenas de quilos de peixes por dia! Imagina então se não viver no litoral do Brasil (que é mais que sub-aproveitado para pesca) e der o azar de nascer no do Japão ou do Chile: vai parar num restaurante sem nem mesmo ter crescido o suficiente... Mas em compensação à essa vida de ser caça dos pequenos peixes do oceano, há duas compensações que penso serem sublimes: a liberdade de nadar pra outros rumos quando a temperatura muda e a grande paz de silêncios que há no mundo submarino.
Sem dúvida adoraria ir para o norte quando chega o inverno aqui. Todos os dias terríveis de secura e frio passo imaginando o maravilhoso verão que os do norte aproveitam! Em compensação, no nosso verão, desejava ir mais para o sul, para aproveitar a amenidade do verão às altas latitudes do hemisfério sul. Mas das duas vantagens, essa primeira pode ser contornada se houver férias de 3 meses e algum dinheiro para pagar a mordomia, a segunda vantagem é que me seduz, sem dúvida alguma, a paz silenciosa do fundo do mar.
Envolve-me nos momentos de atordoamento sonoro o desejo absurdo daquela imensidade de água sem som, da grandissíssima paz que reina entre os cardumes a vagar com as correntes adoráveis, em meio à luz que vem de cima e dá cores ao mundo silencioso. Desejo imenso o que tenho de ser peixe nessa hora! Sem mais buzinas, nem vozes estúpidas, nem reclamações, nem fofocas, nem mesquinharias, nem promiscuidade sonora aos indefesos ouvidos de quem não pode escolher não ouvir (aqui talvez a única vantagem dos surdos que escutam com aparelhos auditivos: a glória de poder desligá-los). O bom peixinho cumpre sua parte no cardume que vaga pelas correntes marinhas, indo e vindo atrás de alimento, fugindo de algum predador eventual, colorindo com suas escamas multicor o cenário para poucos e bons e tudo isso sem escutar quase nada!
Tenho que confessar que não sei da audição dos peixes, mas deve haver alguma. Sei também que vibrações sonoras viajam bem em meio aquoso e com velocidade superior à propagação no ar! Imaginem as comunicações entre as baleias, ou entre golfinhos ou focas! Tomara que os peixes sejam mesmo um pouco surdos! Ainda sim tem o consolo de não identificar o significado dessas ondas sonoras que vez ou outra lhes perpassam os frágeis corpos ao insabido destino.
Nós entretanto, convivemos com animais menos discretos que as baleias, golfinhos ou focas e o estímulo sonoro é um dos favoritos dos nossos convivas sonoramente indiscretos. Não é preciso lembrar aos leitores sobre os rapazes que instalam amplificadores no porta-malas dos carros para que num raio de 3 quilômetros todos saibam do seu péssimo gosto musical - péssimo sim, porque ninguém que tenha carro com esses equipamentos coloca samba antigo para ser ouvido. Talvez também falte lembrar das empresas que fazem 'homenagens' com declarações no meio da rua, por aniversário ou outra coisa assim, uma grande falta de vergonha na cara isso, já que os transeuntes não conhecem a moça e sinceramente não se importam se é seu aniversário de casamento ou não, querem continuar indo ao trabalho, voltando do almoço, indo ao hospital, voltando da casa da namorada, sempre com pensamentos pessoais e suas vidas a tratar, de modo que esse silêncio nos caminhos entre os lugares é praticamente sagrado! Por fim, falta falar do trânsito, que é o ordinário, mas acho que todos entendem bem sobre isso: sempre os impacientes e mal-educados a afundar os punhos na buzinha para tentar apressar os outros, e o mais curioso é que essa fúria é endêmica - ao ouvir um buzinando, os outros acham que podem, ou são mesmo estimulados, ou ainda ficam chateados com aquilo e resolvem avacalhar a coisa toda...
Sorte tem os peixinhos na sua vida submarina, escutando apenas o trânsito das ondas sonoras das baleias, golfinhos e assemelhadas a falar uma língua que não percebem e o suficiente apenas para lembrar-lhes do precioso silêncio de que dispõe quase todo o tempo.
Sem dúvida adoraria ir para o norte quando chega o inverno aqui. Todos os dias terríveis de secura e frio passo imaginando o maravilhoso verão que os do norte aproveitam! Em compensação, no nosso verão, desejava ir mais para o sul, para aproveitar a amenidade do verão às altas latitudes do hemisfério sul. Mas das duas vantagens, essa primeira pode ser contornada se houver férias de 3 meses e algum dinheiro para pagar a mordomia, a segunda vantagem é que me seduz, sem dúvida alguma, a paz silenciosa do fundo do mar.
Envolve-me nos momentos de atordoamento sonoro o desejo absurdo daquela imensidade de água sem som, da grandissíssima paz que reina entre os cardumes a vagar com as correntes adoráveis, em meio à luz que vem de cima e dá cores ao mundo silencioso. Desejo imenso o que tenho de ser peixe nessa hora! Sem mais buzinas, nem vozes estúpidas, nem reclamações, nem fofocas, nem mesquinharias, nem promiscuidade sonora aos indefesos ouvidos de quem não pode escolher não ouvir (aqui talvez a única vantagem dos surdos que escutam com aparelhos auditivos: a glória de poder desligá-los). O bom peixinho cumpre sua parte no cardume que vaga pelas correntes marinhas, indo e vindo atrás de alimento, fugindo de algum predador eventual, colorindo com suas escamas multicor o cenário para poucos e bons e tudo isso sem escutar quase nada!
Tenho que confessar que não sei da audição dos peixes, mas deve haver alguma. Sei também que vibrações sonoras viajam bem em meio aquoso e com velocidade superior à propagação no ar! Imaginem as comunicações entre as baleias, ou entre golfinhos ou focas! Tomara que os peixes sejam mesmo um pouco surdos! Ainda sim tem o consolo de não identificar o significado dessas ondas sonoras que vez ou outra lhes perpassam os frágeis corpos ao insabido destino.
Nós entretanto, convivemos com animais menos discretos que as baleias, golfinhos ou focas e o estímulo sonoro é um dos favoritos dos nossos convivas sonoramente indiscretos. Não é preciso lembrar aos leitores sobre os rapazes que instalam amplificadores no porta-malas dos carros para que num raio de 3 quilômetros todos saibam do seu péssimo gosto musical - péssimo sim, porque ninguém que tenha carro com esses equipamentos coloca samba antigo para ser ouvido. Talvez também falte lembrar das empresas que fazem 'homenagens' com declarações no meio da rua, por aniversário ou outra coisa assim, uma grande falta de vergonha na cara isso, já que os transeuntes não conhecem a moça e sinceramente não se importam se é seu aniversário de casamento ou não, querem continuar indo ao trabalho, voltando do almoço, indo ao hospital, voltando da casa da namorada, sempre com pensamentos pessoais e suas vidas a tratar, de modo que esse silêncio nos caminhos entre os lugares é praticamente sagrado! Por fim, falta falar do trânsito, que é o ordinário, mas acho que todos entendem bem sobre isso: sempre os impacientes e mal-educados a afundar os punhos na buzinha para tentar apressar os outros, e o mais curioso é que essa fúria é endêmica - ao ouvir um buzinando, os outros acham que podem, ou são mesmo estimulados, ou ainda ficam chateados com aquilo e resolvem avacalhar a coisa toda...
Sorte tem os peixinhos na sua vida submarina, escutando apenas o trânsito das ondas sonoras das baleias, golfinhos e assemelhadas a falar uma língua que não percebem e o suficiente apenas para lembrar-lhes do precioso silêncio de que dispõe quase todo o tempo.
segunda-feira, abril 18, 2005
A história dos nossos males
Mais de uma vez procurou-se achar motivo no que leva um homem sensato ao crime. Divagou-se sobre os desejos reprimidos, sobre a grande força do inacessível a atraí-lo ao ambiente do submundo, onde vivem os tipos que se ocupam das práticas maldosas, intuiu-se que sua vida seria monótona e um crime perturbaria seu tédio e poliria seu orgulho, como os engraxates de profissão nas estações polem os sapatos. Mas o fato é que nada disso é fato.
Fato é que nenhum homem é igual ao outro, assim, levantar hipóteses sobre as razões que levam homens de bem ao crime é como procurar semelhança entre iguais, ou seja, não levam muito longe e não são conclusivas de nada porque cada qual tem particularidades que sobrepõe a aparência de uma classificação.
As particularidades são mesmo essenciais à personalidade e, essa sim, é decisiva para o cometimento dos crimes e não a classe social ou a intuição sobre o tédio dos intelectuais abastados.
Mata-se por ódio ou outra paixão num momento de fúria, mata-se por medo quando num assalto o ladrão vê-se ameaçado, por profissão, como os militares numa guerra ou os carrascos dos países onde se aplica a pena de morte, os outros crimes seguem os mesmos pressupostos com algumas variações de acordo com a ilicitude. Rouba-se por ganância, vingança, necessidade... seduz-se por solidão, vergonha da solidão! Por razões que impúdicas. Injuria-se por orgulho ferido, calunia-se por gana de vencer uma disputa... não há crimes sem que hajam sentimentos, e também os homens de bem criminosos cometem os seus com o coração cheio de sentimento, sempre maus, é verdade, mas cheio de sentimento.
O crime suja suas mãos, entretanto, e de mãos sujas dividem-se os homens de bem. Alguns deles sentem a culpa por ter feito o mal, outros vangloriam-se intimamente e festejam com a cara fechada, estes últimos dissimuladores fantásticos, afinal as artes dramáticas perdem sempre grandes talentos!
O remorso pelo crime é o primeiro e mais forte traço de moral cristã, nele está presente a compaixão e ao mesmo tempo a vergonha. Agora temos um homem que consumou uma paixão ou outro sentimento menos forte para consumar um crime e, depois de cometido, arrependeu-se de algum modo, vive portanto um conflito, um sofrimento que a pena do Estado só aumenta. Provavelmente esse remorso será suficente para desencorajar outro crime, mas pode ser também que o tempo o apague, como tenazmente faz com tantos sentimentos brutos: amolece-os e depois os deixa ao vento para desaparecer como se não tivessem nunca havido! Divagações, meus caros, tudo o que quis evitar!
Fato é que há aqueles, portanto, que ao menos secretamente fazem festa de seus crimes! Orgulham-se da ousadia, congratulam-se intimamente pelo sucesso de seu propósito, enchem-se de uma alegria negra ao ver humilhada a vítima e de todo drama que provocam não sobra nenhum remorso! Esses, amigos meus, são muitos e são os mais crueis dos criminosos.
Pois digo, afinal, que essa multidão de dissimulados criminosos, com sua intacta e fresca máscara de homens de bem, homens que apartam as mãos uns dos outros! Esses sim escrevem a grande história dos nossos males. Digo isso porque tenho a duvidosa virtude de reconhecer-lhes pelo sorriso e a grande angústia de não poder desmascará-los! Digo isso porque dos abismos do céu despeja-se sobre a terra um rio caudaloso e contínuo composto pelos gritos de suas vítimas e o relatório de seus crimes encheriam mais que todas as bibliotecas do mundo, mesmo que versassem sobre apenas um dia de sua asquerosa labuta.
Entretanto eles continuam andando entre nós. Não, queridos amigos, eles não tem gorros pretos, roupas puídas, barba por fazer e fala rouca, nem tampouco frequentam o centro da cidade de madrugada ou abordam as mocinhas em esquinas escuras. Eles andam em carros que custam mais caro que a casa da maioria de vocês! Vestem ternos finos, almoçam nos restaurantes mais concorridos, bebem do melhor vinho e tem a cortesia das arrumadeiras de quarto e dos gerentes de hotel!
Esses homens elegantes é que cravam os punhais nos corações, arrebentam os vidros dos carros, gritam, ameaçam e castigam o mundo. É dessa gente má que temos de nos livrar.
Fato é que nenhum homem é igual ao outro, assim, levantar hipóteses sobre as razões que levam homens de bem ao crime é como procurar semelhança entre iguais, ou seja, não levam muito longe e não são conclusivas de nada porque cada qual tem particularidades que sobrepõe a aparência de uma classificação.
As particularidades são mesmo essenciais à personalidade e, essa sim, é decisiva para o cometimento dos crimes e não a classe social ou a intuição sobre o tédio dos intelectuais abastados.
Mata-se por ódio ou outra paixão num momento de fúria, mata-se por medo quando num assalto o ladrão vê-se ameaçado, por profissão, como os militares numa guerra ou os carrascos dos países onde se aplica a pena de morte, os outros crimes seguem os mesmos pressupostos com algumas variações de acordo com a ilicitude. Rouba-se por ganância, vingança, necessidade... seduz-se por solidão, vergonha da solidão! Por razões que impúdicas. Injuria-se por orgulho ferido, calunia-se por gana de vencer uma disputa... não há crimes sem que hajam sentimentos, e também os homens de bem criminosos cometem os seus com o coração cheio de sentimento, sempre maus, é verdade, mas cheio de sentimento.
O crime suja suas mãos, entretanto, e de mãos sujas dividem-se os homens de bem. Alguns deles sentem a culpa por ter feito o mal, outros vangloriam-se intimamente e festejam com a cara fechada, estes últimos dissimuladores fantásticos, afinal as artes dramáticas perdem sempre grandes talentos!
O remorso pelo crime é o primeiro e mais forte traço de moral cristã, nele está presente a compaixão e ao mesmo tempo a vergonha. Agora temos um homem que consumou uma paixão ou outro sentimento menos forte para consumar um crime e, depois de cometido, arrependeu-se de algum modo, vive portanto um conflito, um sofrimento que a pena do Estado só aumenta. Provavelmente esse remorso será suficente para desencorajar outro crime, mas pode ser também que o tempo o apague, como tenazmente faz com tantos sentimentos brutos: amolece-os e depois os deixa ao vento para desaparecer como se não tivessem nunca havido! Divagações, meus caros, tudo o que quis evitar!
Fato é que há aqueles, portanto, que ao menos secretamente fazem festa de seus crimes! Orgulham-se da ousadia, congratulam-se intimamente pelo sucesso de seu propósito, enchem-se de uma alegria negra ao ver humilhada a vítima e de todo drama que provocam não sobra nenhum remorso! Esses, amigos meus, são muitos e são os mais crueis dos criminosos.
Pois digo, afinal, que essa multidão de dissimulados criminosos, com sua intacta e fresca máscara de homens de bem, homens que apartam as mãos uns dos outros! Esses sim escrevem a grande história dos nossos males. Digo isso porque tenho a duvidosa virtude de reconhecer-lhes pelo sorriso e a grande angústia de não poder desmascará-los! Digo isso porque dos abismos do céu despeja-se sobre a terra um rio caudaloso e contínuo composto pelos gritos de suas vítimas e o relatório de seus crimes encheriam mais que todas as bibliotecas do mundo, mesmo que versassem sobre apenas um dia de sua asquerosa labuta.
Entretanto eles continuam andando entre nós. Não, queridos amigos, eles não tem gorros pretos, roupas puídas, barba por fazer e fala rouca, nem tampouco frequentam o centro da cidade de madrugada ou abordam as mocinhas em esquinas escuras. Eles andam em carros que custam mais caro que a casa da maioria de vocês! Vestem ternos finos, almoçam nos restaurantes mais concorridos, bebem do melhor vinho e tem a cortesia das arrumadeiras de quarto e dos gerentes de hotel!
Esses homens elegantes é que cravam os punhais nos corações, arrebentam os vidros dos carros, gritam, ameaçam e castigam o mundo. É dessa gente má que temos de nos livrar.
segunda-feira, abril 11, 2005
Contradizendo-se
Surpreendi meu primo beijando a namorada na sala do seu apartamento. Na hora tinha mesmo que falar com ele, apesar de me recriminar agora por ter feito aquilo. Envolvia o pescoco da moca com o braço direito beijava devagar o canto de sua boca e ela sorria porque a pouca barba de adolescente fazia cócegas no seu rosto leve e fresco. Ria mesmo como criancinha, como se sentisse vergonha e só não o irritava porque ele estava completamente envolvido na mocinha, o cheiro, o tato da pele, o riso pela barba, daí cortei abruptamente o beijo deles - que linda cena! O Fernão tá nos esperando lá em baixo, bora!
A namorada dele me olhou com uma surpresa e depois com um desgosto que só tinha visto naqueles vídeos reais da segunda guerra quando separavam as familias nos campos de concentração!
De todo jeito, fomos jogar bola naquele sábado, para relaxar e brincar um pouco. Todos viam que meu primo estava completamente apaixonado, era flagrante e tão transparente quanto a luz dos seus olhos azuis, motivo pelo qual recebeu uma boa gozação dos primos e amigos. Primeiro quis fingir que não, mostrando um pouco de receio, mas depois, brincando e dizendo a verdade ao mesmo tempo, elogiou o beijo e o sorriso, acrescentando a infalível máxima machista - e é tudo meu! - inseguro para que continuassem a pilhéria.
Ser homem é parecer forte! Pois que idéia estúpida! Como se desprezo e arrogância fossem força... mas não sou o juiz da conduta de ninguém além da minha própria e por isso sosseguei, mas que bobagem se deixar intimidar quanto ao que sente porque meia dúzia de priminhos zombeteiros estão por perto! Vai saber... uns dizem que é da idade, mas covardia não tem idade, mas não sei por que não conheço velhos covardes, todos que conheço gostam de cantar alguma vantagem e não se importam nem um pouco com que os outro dizem deles ou com o que vão pensar. Claro, é preciso haver um pouco de noção sobre a origem e a finalidade de tudo, afinal, expor os próprios sentimentos é matéria delicadíssima e quando brinca-se com os sentimentos de alguém, brinca-se com uma coisa que tem valor e muito! Mas é justamente por ser difícil e delicado, que nessa hora o rapaz tem que assumir mesmo se é romântico ao invez de vestir a confortável carapuça de cafajeste e dizer o que é seu ou o que não é.
Voltamos para casa e meu primo ansioso, sem confessar essa condição, para resolver o problema com a namorada, afinal não tinha avisado do jogo e a deixou com cara fechada. Um cheiro inebriante de milho cozido na cozinha da casa de nossa avó e o rapaz suado indo ao telefone de casa e disparando que tinha se esquecido do jogo, mas que não podia deixar de ir, que era circunstancial, que issos, que aquilos, que agora se sentia estúpido... cansado de ouvir aquilo fui pra minha casa tomar banho e depois saí pra rua.
Encontrei os dois de novo, perto do jardim municipal, encostados num banco, ennganchados, meu primo com as costas na parede e as pernas abertas e a namorada agarrando seu pescoço no beijo, tanto mais junto quanto a física permite.
A namorada dele me olhou com uma surpresa e depois com um desgosto que só tinha visto naqueles vídeos reais da segunda guerra quando separavam as familias nos campos de concentração!
De todo jeito, fomos jogar bola naquele sábado, para relaxar e brincar um pouco. Todos viam que meu primo estava completamente apaixonado, era flagrante e tão transparente quanto a luz dos seus olhos azuis, motivo pelo qual recebeu uma boa gozação dos primos e amigos. Primeiro quis fingir que não, mostrando um pouco de receio, mas depois, brincando e dizendo a verdade ao mesmo tempo, elogiou o beijo e o sorriso, acrescentando a infalível máxima machista - e é tudo meu! - inseguro para que continuassem a pilhéria.
Ser homem é parecer forte! Pois que idéia estúpida! Como se desprezo e arrogância fossem força... mas não sou o juiz da conduta de ninguém além da minha própria e por isso sosseguei, mas que bobagem se deixar intimidar quanto ao que sente porque meia dúzia de priminhos zombeteiros estão por perto! Vai saber... uns dizem que é da idade, mas covardia não tem idade, mas não sei por que não conheço velhos covardes, todos que conheço gostam de cantar alguma vantagem e não se importam nem um pouco com que os outro dizem deles ou com o que vão pensar. Claro, é preciso haver um pouco de noção sobre a origem e a finalidade de tudo, afinal, expor os próprios sentimentos é matéria delicadíssima e quando brinca-se com os sentimentos de alguém, brinca-se com uma coisa que tem valor e muito! Mas é justamente por ser difícil e delicado, que nessa hora o rapaz tem que assumir mesmo se é romântico ao invez de vestir a confortável carapuça de cafajeste e dizer o que é seu ou o que não é.
Voltamos para casa e meu primo ansioso, sem confessar essa condição, para resolver o problema com a namorada, afinal não tinha avisado do jogo e a deixou com cara fechada. Um cheiro inebriante de milho cozido na cozinha da casa de nossa avó e o rapaz suado indo ao telefone de casa e disparando que tinha se esquecido do jogo, mas que não podia deixar de ir, que era circunstancial, que issos, que aquilos, que agora se sentia estúpido... cansado de ouvir aquilo fui pra minha casa tomar banho e depois saí pra rua.
Encontrei os dois de novo, perto do jardim municipal, encostados num banco, ennganchados, meu primo com as costas na parede e as pernas abertas e a namorada agarrando seu pescoço no beijo, tanto mais junto quanto a física permite.
terça-feira, abril 05, 2005
Porres e surras bem dadas
Olhares se cruzam num momento, uma se retrái em culpa e medo, outro se agiganta em cólera e desespero. Um toma o suspiro que alimenta o corpo para o ataque, outra franze a testa e encolhe os membros do corpo. Um desfecha a brutalidade de sua covardia, outra recebe no rosto essas toneladas de ciúme numa bofetada. Uma no chão humilhada com os cabelos na cara, outro vociferando sobre a vítima a ressaca de sua onda de músculos.
Todos se aborrecem, alguns seguram o macho escandaloso, outras levantam a fêmea ruborizada. Fim de festa, todos para casa.
Um café para a moça, uma conversa sobre frivolidades... o tal do amor no centro do mundo e das tragédias de novo, a madrugada para silenciar os eventuais deboches dos comerciantes.
No dia seguinte à raiva sucede o remorso, o rapaz pede perdão à moça, a moça perdoa o rapaz depois do seu pedido de perdão, beijam-se, consolam-se.
O mar retoma sua forma, a normalidade acalma-se, assentam os suspiros de receio. Ponho as mãos nos bolsos e violentamente serro os punhos como se segurasse meu corpo sem chão para pisar, como que devolvendo a hostilidade do mundo mas contra mim mesmo e não contra o mundo.
O que pode haver de mais covarde que bater numa mulher? Fico me perguntado às vezes... talvez seja justmente mentir-lhe sorrindo! E talvez o máximo de tudo seja bater-lhe para depois mentir-lhe!
Não vamos colocar aqui todos os fatos como incriminadores de um perverso violentador de moças, nem por isso... Um meninão inseguro de perder seu brinquedo bonito, uma menina romântica precisando de alguém a dizer-lhe que ama.
Os ciúmes tomaram todo seu corpo no exato momento em que a namorada sorria o sorriso que achava só seu para um amigo que bêbado pedia um beijo. O estopim foi que a moça deu o beijo, no rosto, é verdade, mas bastou para a insegurança do amor que ela lhe tinha, mas foi bem aquém do imenso amor, ou vaidade, sabe-se lá, que ele tem pela namorada... Tapas para a moça, gritos, murros bem dados no amigo bêbado. Feita sua justiça, viu que todos lhe viraram as costas em desaprovação, entendeu seu excesso, entrou no seu carro e foi embora. A moça foi erguida, consolada pelos amigos, chingou o namorado, que não queria mais vê-lo, que iria procurar uma delegacia, que não era um animal para ser ofendido e maltratado, mas uma linda mocinha loira de olhos azuis! Também ela, morta de medo e aflição quanto ao fim que aquilo tudo tomaria, tão dependente do seu rapaz impulsivo e estúpido quanto ele da sua fragilidade e carência.
Precisei contar duas vezes, a moça vai precisar viver mais quantas?
Todos se aborrecem, alguns seguram o macho escandaloso, outras levantam a fêmea ruborizada. Fim de festa, todos para casa.
Um café para a moça, uma conversa sobre frivolidades... o tal do amor no centro do mundo e das tragédias de novo, a madrugada para silenciar os eventuais deboches dos comerciantes.
No dia seguinte à raiva sucede o remorso, o rapaz pede perdão à moça, a moça perdoa o rapaz depois do seu pedido de perdão, beijam-se, consolam-se.
O mar retoma sua forma, a normalidade acalma-se, assentam os suspiros de receio. Ponho as mãos nos bolsos e violentamente serro os punhos como se segurasse meu corpo sem chão para pisar, como que devolvendo a hostilidade do mundo mas contra mim mesmo e não contra o mundo.
O que pode haver de mais covarde que bater numa mulher? Fico me perguntado às vezes... talvez seja justmente mentir-lhe sorrindo! E talvez o máximo de tudo seja bater-lhe para depois mentir-lhe!
Não vamos colocar aqui todos os fatos como incriminadores de um perverso violentador de moças, nem por isso... Um meninão inseguro de perder seu brinquedo bonito, uma menina romântica precisando de alguém a dizer-lhe que ama.
Os ciúmes tomaram todo seu corpo no exato momento em que a namorada sorria o sorriso que achava só seu para um amigo que bêbado pedia um beijo. O estopim foi que a moça deu o beijo, no rosto, é verdade, mas bastou para a insegurança do amor que ela lhe tinha, mas foi bem aquém do imenso amor, ou vaidade, sabe-se lá, que ele tem pela namorada... Tapas para a moça, gritos, murros bem dados no amigo bêbado. Feita sua justiça, viu que todos lhe viraram as costas em desaprovação, entendeu seu excesso, entrou no seu carro e foi embora. A moça foi erguida, consolada pelos amigos, chingou o namorado, que não queria mais vê-lo, que iria procurar uma delegacia, que não era um animal para ser ofendido e maltratado, mas uma linda mocinha loira de olhos azuis! Também ela, morta de medo e aflição quanto ao fim que aquilo tudo tomaria, tão dependente do seu rapaz impulsivo e estúpido quanto ele da sua fragilidade e carência.
Precisei contar duas vezes, a moça vai precisar viver mais quantas?
sexta-feira, abril 01, 2005
Amar até o fim
Como que um eco que ecoou em outra sala, soube da morte do marido de minha tia Petinha, uma mulher obesa e extremamente carinhosa que quando eu era criança, em seu colo, declarou que queria morar na covinha que há no meu queixo partido, enquanto acariciava meu rosto de infante.
Da convivência familiar, infelizmente sempre fugaz por ser uma tia distante, (mas nem por isso indiferente) restara essas memórias adocicadas, carinhosas, meigas e ternurentas que motivaram meu telefonema de pêsames, algo que uma obrigação sentimental impunha dolorosamente, mas quem perde quem ama sabe o quão reconfortante é receber as dores de outros, como que numa declaração de que toda aquela angústia justifica-se perfeitamente, morreu alguém que não devia, mas na prática é apenas um cumprimento.
Minha intenção, obviamente, era consolá-la de algum modo e assim disse que lamentava, que não fui ao enterro por morar muito longe deles, que de certo a doença o tinha tomado e enfim descansara com a morte. Minha tia escutava tudo inerte no estado de zumbi que sobra às viúvas e às mães dos que acabaram de morrer. Enfim, agradeceu, perguntou por mim, se estava bem, o trabalho como andava e meu coração encheu-se de um amor tão grande e tão secreto em mim que chorei baixinho sem deixá-la perceber, imaginando a grandiosidade daquele coração que tendo já morto o marido e doente a mãe sobrava abnegação da desgraçada situação pra perguntar por um sobrinho com quem não falava a anos com um tom tão maternal e amigo!
Resovi então não terminar o telefona, contei-lhe da formatura, do meu trabalho, dos meus amigos, falei dos livros, ainda dos sonhos e acho que por um instante ela sorriu do outro lado da linha ao encher bem rápido os pulmões de ar no seu risinho sonoro e discreto, minha tia, minha tia querida... tão amorosa.
Enfim, falou-me dos filhos, do que dá aulas na universidade, do que foi para a Alemanha fazer o curso de doutorado, da que trabalha numa loja de roupas, da que está no meio da faculdade, dos que andam sem rumo pela vida não fosse o amor incondicional daquela matrona a unir toda essa gente numa família. Relembrou então os esforços do marido, enterneceu, ruborizou a voz, que no som eletrificante da chamada soou mais humana que qualquer outra ouvida através de um aparelho telefônico: '... pois meu amor morreu, e estou aqui em casa, querido, a olhar o guarda-roupa com os ternos, as camisas, os sapatos... no banheiro o barbeador... pra quem? pra quem usar? meu Deus... onde foi?' Emocionei-me muito, mas não chorei de novo, é preciso ser forte. Se os homens ficarem choramingando, quem apoiará a tristeza das mulheres? Não, força meu rapaz, console sua tia, foi a ordem que recebi de algum canto do pensamento. 'Olha que tudo passa, minha tia, o fato é que os filhos ainda estão aqui, que linda família vocês formaram! Que lar cheio de alegria! Então foi em vão? Pois nós estamos vivos, e os mortos não sorriem, tanto mais com a nossa tristeza...' E tentando consolar com esses clichês cansados, que ao sair da boca já me irritavam, mas não conseguia ver outro caminho, fui tendo dela algumas reações, suspiros fundos e disse por fim 'Chega de chorar'. Sua mãe também estava doente, e na perspectiva de sua alma generosa e desprendida, não tinha o luxo de ficar sofrendo, alguém que amava precisava dela.
Desejou-me felicidades, agradeceu a ligação e dando "um beijo na minha covinha", sorriu enfim, lembrando-se desse nosso poderoso laço. Eu desejei-lhe paz, tranqüilidade e fé que tudo se acertava, que ela amava muito e sem nenhum interesse e que Deus não ignoraria jamais esse fato. Então ela disse aquelas últimas palavras que desde o preciso instante que entraram pelos meus ouvidos não fazem senão passear por todos os pensamentos: "sim, meu anjo, eu amei muito".
Da convivência familiar, infelizmente sempre fugaz por ser uma tia distante, (mas nem por isso indiferente) restara essas memórias adocicadas, carinhosas, meigas e ternurentas que motivaram meu telefonema de pêsames, algo que uma obrigação sentimental impunha dolorosamente, mas quem perde quem ama sabe o quão reconfortante é receber as dores de outros, como que numa declaração de que toda aquela angústia justifica-se perfeitamente, morreu alguém que não devia, mas na prática é apenas um cumprimento.
Minha intenção, obviamente, era consolá-la de algum modo e assim disse que lamentava, que não fui ao enterro por morar muito longe deles, que de certo a doença o tinha tomado e enfim descansara com a morte. Minha tia escutava tudo inerte no estado de zumbi que sobra às viúvas e às mães dos que acabaram de morrer. Enfim, agradeceu, perguntou por mim, se estava bem, o trabalho como andava e meu coração encheu-se de um amor tão grande e tão secreto em mim que chorei baixinho sem deixá-la perceber, imaginando a grandiosidade daquele coração que tendo já morto o marido e doente a mãe sobrava abnegação da desgraçada situação pra perguntar por um sobrinho com quem não falava a anos com um tom tão maternal e amigo!
Resovi então não terminar o telefona, contei-lhe da formatura, do meu trabalho, dos meus amigos, falei dos livros, ainda dos sonhos e acho que por um instante ela sorriu do outro lado da linha ao encher bem rápido os pulmões de ar no seu risinho sonoro e discreto, minha tia, minha tia querida... tão amorosa.
Enfim, falou-me dos filhos, do que dá aulas na universidade, do que foi para a Alemanha fazer o curso de doutorado, da que trabalha numa loja de roupas, da que está no meio da faculdade, dos que andam sem rumo pela vida não fosse o amor incondicional daquela matrona a unir toda essa gente numa família. Relembrou então os esforços do marido, enterneceu, ruborizou a voz, que no som eletrificante da chamada soou mais humana que qualquer outra ouvida através de um aparelho telefônico: '... pois meu amor morreu, e estou aqui em casa, querido, a olhar o guarda-roupa com os ternos, as camisas, os sapatos... no banheiro o barbeador... pra quem? pra quem usar? meu Deus... onde foi?' Emocionei-me muito, mas não chorei de novo, é preciso ser forte. Se os homens ficarem choramingando, quem apoiará a tristeza das mulheres? Não, força meu rapaz, console sua tia, foi a ordem que recebi de algum canto do pensamento. 'Olha que tudo passa, minha tia, o fato é que os filhos ainda estão aqui, que linda família vocês formaram! Que lar cheio de alegria! Então foi em vão? Pois nós estamos vivos, e os mortos não sorriem, tanto mais com a nossa tristeza...' E tentando consolar com esses clichês cansados, que ao sair da boca já me irritavam, mas não conseguia ver outro caminho, fui tendo dela algumas reações, suspiros fundos e disse por fim 'Chega de chorar'. Sua mãe também estava doente, e na perspectiva de sua alma generosa e desprendida, não tinha o luxo de ficar sofrendo, alguém que amava precisava dela.
Desejou-me felicidades, agradeceu a ligação e dando "um beijo na minha covinha", sorriu enfim, lembrando-se desse nosso poderoso laço. Eu desejei-lhe paz, tranqüilidade e fé que tudo se acertava, que ela amava muito e sem nenhum interesse e que Deus não ignoraria jamais esse fato. Então ela disse aquelas últimas palavras que desde o preciso instante que entraram pelos meus ouvidos não fazem senão passear por todos os pensamentos: "sim, meu anjo, eu amei muito".
quinta-feira, março 31, 2005
O altar aos olhares
"Vida feita de inveja e de medo" foi esse o pensamento mais forte do meu dia! Atingindo-me perto do meio-dia como um raio caído dos abismos do céu diretamente sobre o meu colo, fez parecer que minha camisa pesava mais de 50 quilos e que peixinhos nadavam ao lado dos copos e dos talheres!
Não poderia imaginar que um simples almoço no centro da cidade fosse lançar tantas faíscas e eu fui colher no chão aquela centelha que se apagava para aqui expor todo meu drama naquele momento que na verdade não era meu, mas alheio, totalmente alheio, pertencia a um estranho rapaz que ao meu lado almoçava desassossegado. Cabelos louros bem curtos, olhos castanhos, visivelmente fora de forma, com as unhas destroçadas pelos dentes e pela ansiedade, parecia incapaz de continuar sua refeição depois de ter visto sentada de frente para nós, numa outra mesa, uma linda mocinha de não mais de 18 anos, com os cabelos castanhos bem escuros e lisos à altura do pescoço, com grandes olhos verdes bem aproveitados pela sua franja e pelas sombrancelhas bem feitas, medindo não mais que 1,65m nem menos que 1,60m, parecia a criatura mais formosa do mundo aos olhos do rapaz, enfeitiçado por esse cenário completado apenas talvez pelo seu lindo decote, nem um pouco exagerado, mas suficiente para ter os olhares que desejasse e ainda mais.
Reparando que ele babava pateticamente no seu prato, um impulso pela dignidade masculina correu meu corpo de repente e de maneira mesmo forçada, eu diria, bem a contragosto de qualquer tipo de abordagem gentil e natural, perguntei de solapão: "Então não é idêntica à Natalie Portman?" O rapaz tossiu de repente e foi uma tossida tão alta que o garção do outro lado do restaurante virou-se para ver se tinha alguém passando mal. Depois de recuperar-se, olhou para mim e disse, "olha que acho ainda mais linda" e dizendo tinha nos olhos uma cor que olhando para o seu rosto de lado não tinha suspeitado que tinha, ele tinha então olhos de mar, marejados de angústia, como nos quadros que retratam navegantes costumava-se colocar aquele azul lilás símbolo de saudade angustiada e doce. Voltou vagarosamente a adorar aquela moça, como que curvando-se ante um altar.
Numa segunda observação ao rosto da moça, lembrei-me rápido de quem era, afinal conhecia a sósia de Natalie Portman! Seu nome é Fátima, tem 19 anos (percebi mal sua idade pelo olhar), estuda Artes na universidade federal e estudou francês no Departamento de Línguas Estrangeiras Modernas quando eu trabalhava lá como monitor desse mesmo idioma. Tendo conversado com ela apenas uma vez para explicações de última hora para um exame, a impressão que restara era de uma pessoa prática e bastante segura, feliz com o que tinha às mãos e nada curiosa, afinal o tipo de mulher que deve estar apaixonada e não fazer apaixonar, embora essa segunda condição seja enfim mais constante nas suas relações.
O rapaz tinha uma expressão tão serena no fim do almoço que eu quase me esqueci que tinha que ir e acabei por atrasar-me um pouco! Nos olhos aquele lilás imaginário e na compostura de seu corpo a certeza de desejar algo que lhe era distante e inalcansável, algo que os padrões, os temperamentos, as circunstâncias não lhe dariam nunca.
Quando o deixei admirando Fátima limpando a boca com o guardanapo de papel, desisti de continuar analisando aquela maciça exposição da fragilidade masculina, talvez sentindo-me compensado por não ter ídolos daquele tipo, talvez cansado de ter compaixão por quem não tem compaixão com o próprio coração.
Não poderia imaginar que um simples almoço no centro da cidade fosse lançar tantas faíscas e eu fui colher no chão aquela centelha que se apagava para aqui expor todo meu drama naquele momento que na verdade não era meu, mas alheio, totalmente alheio, pertencia a um estranho rapaz que ao meu lado almoçava desassossegado. Cabelos louros bem curtos, olhos castanhos, visivelmente fora de forma, com as unhas destroçadas pelos dentes e pela ansiedade, parecia incapaz de continuar sua refeição depois de ter visto sentada de frente para nós, numa outra mesa, uma linda mocinha de não mais de 18 anos, com os cabelos castanhos bem escuros e lisos à altura do pescoço, com grandes olhos verdes bem aproveitados pela sua franja e pelas sombrancelhas bem feitas, medindo não mais que 1,65m nem menos que 1,60m, parecia a criatura mais formosa do mundo aos olhos do rapaz, enfeitiçado por esse cenário completado apenas talvez pelo seu lindo decote, nem um pouco exagerado, mas suficiente para ter os olhares que desejasse e ainda mais.
Reparando que ele babava pateticamente no seu prato, um impulso pela dignidade masculina correu meu corpo de repente e de maneira mesmo forçada, eu diria, bem a contragosto de qualquer tipo de abordagem gentil e natural, perguntei de solapão: "Então não é idêntica à Natalie Portman?" O rapaz tossiu de repente e foi uma tossida tão alta que o garção do outro lado do restaurante virou-se para ver se tinha alguém passando mal. Depois de recuperar-se, olhou para mim e disse, "olha que acho ainda mais linda" e dizendo tinha nos olhos uma cor que olhando para o seu rosto de lado não tinha suspeitado que tinha, ele tinha então olhos de mar, marejados de angústia, como nos quadros que retratam navegantes costumava-se colocar aquele azul lilás símbolo de saudade angustiada e doce. Voltou vagarosamente a adorar aquela moça, como que curvando-se ante um altar.
Numa segunda observação ao rosto da moça, lembrei-me rápido de quem era, afinal conhecia a sósia de Natalie Portman! Seu nome é Fátima, tem 19 anos (percebi mal sua idade pelo olhar), estuda Artes na universidade federal e estudou francês no Departamento de Línguas Estrangeiras Modernas quando eu trabalhava lá como monitor desse mesmo idioma. Tendo conversado com ela apenas uma vez para explicações de última hora para um exame, a impressão que restara era de uma pessoa prática e bastante segura, feliz com o que tinha às mãos e nada curiosa, afinal o tipo de mulher que deve estar apaixonada e não fazer apaixonar, embora essa segunda condição seja enfim mais constante nas suas relações.
O rapaz tinha uma expressão tão serena no fim do almoço que eu quase me esqueci que tinha que ir e acabei por atrasar-me um pouco! Nos olhos aquele lilás imaginário e na compostura de seu corpo a certeza de desejar algo que lhe era distante e inalcansável, algo que os padrões, os temperamentos, as circunstâncias não lhe dariam nunca.
Quando o deixei admirando Fátima limpando a boca com o guardanapo de papel, desisti de continuar analisando aquela maciça exposição da fragilidade masculina, talvez sentindo-me compensado por não ter ídolos daquele tipo, talvez cansado de ter compaixão por quem não tem compaixão com o próprio coração.
terça-feira, março 22, 2005
Guerra pelo amor
"...
E como o mar dentro da treva
Num constante arremesso largo e aflito
Eu me espedaço em vão contra o infinito."
E como o mar dentro da treva
Num constante arremesso largo e aflito
Eu me espedaço em vão contra o infinito."
IV Soneto de Meditação, Vinicius de Moraes
Eu sou avesso à qualquer tipo de hostilidade. Não me agrada ver gritos, murros cheios de raiva, menos ainda agressividades menos apaixonadas e mais brutais, como a dos criminosos e talvez essa repulsa explique também o meu nojo ao ver sangue.
Agradam-me os esportes porque neles há o sentimento do lúdico e da competição, ambos interessantes de serem curtidos e que confesso que adoro. Neles não há o sentimento de ódio, nem da tara pela morte alheia (ao menos entre competidores normais), de modo que essa agressividade é apenas aparente e serve mais para afirmar a virilidade e masculinidade com algum divertimento do que para humilhar e derrotar propriamente.
Há um outro tipo de competição que consegue não ter hostilidade e nem tampouco ser lúdica por si mesma (embora acabe sendo também lúdica em algum sentido), a competição pelo amor verdadeiro. Chamá-lo de jogo seria diminuir sua importância, seu vulto colossal sobre nossas vidas, diminuir a importância que tem como o caminho que traçamos enquanto achamos infantilmente que um bom emprego e bens de capital nos trarão respeito e paz, deixando um rastro de decisões frias de mãos dadas com muito lamento. Talvez fosse apropriado a pecha de 'guerra', já que é nas guerras que os destinos são decididos e a tragédia coloca pedras nos cruzamentos que não podem nunca ser retiradas e as batalhas tornam-se tão ferozes quanto inesquecíveis e também assim é a luta pelo amor.
Cada romance é uma batalha, cada beijo um tiro, cada olhar uma estratégia, cada abraço uma trégua. Mas nessa guerra os objetivos não são contrários, mas os mesmos, qual seria o famoso amor verdadeiro, aquele conhecido por encher a alma de paz e felicidade. Muito lindo, mas sem muita emoção, de modo que a prática das guerras mostra a faceta maior deste tipo de conflito armado: nem sempre as partes tem esse comum objetivo. Muitas das vezes, há os que querem o amor, simplesmente querem amar e ser amadas, e os que querem livrar-se da solidão, querem outrem pra usar ou pra exibir, os que fazem da guerra um conflito desonesto. Desonesto para a outra parte que guerreia de boa fé e com paixão adentra as linhas inimigas e se deixa adentrar sem medos, mas sobretudo desonesta para esses desafortunados medrosos, pois no fim das contas os grandes amigos que lhe sobram são a solidão e o arrependimento de não ter acreditado e também, se tiverem algum caráter, a angústia de ter magoado.
Batalha após batalha, aprende-se que o amor é uma dura conquista! Quanto tato é preciso para não deixar morrer! Quanta afinidade é necessária para não descubrir-se a luta por uma batalha perdida! Quanta expectativa para sentir um amor a crescer vermelho de vida! E assim seguem-se os amores, como segue sempre a vida impassível. Alguns não suportam as derrotas e desistem da luta, enclausuram-se em verdades que acham absolutas, envolvem-se superficialmente, tornam-se eremitas, matam-se, de todo jeito abdicam do amor de uma maneira muito triste, muito transtornada, numa atitude que merece nossas mais devotadas orações. Mas os mais românticos mantém a chama desta crença, como antigamente se mantinha nas casas a chama dos ancestrais, que não podia se deixar apagar por razão nenhuma nesse mundo! Acreditam no tal do amor, e lutam bravamente, batalha após batalha, carregando humildemente suas cicatrizes e farda surrada com dignidade e sem nenhum constrangimento de ter perdido, isso tudo porque acredita intimamente na vitória que sabe sua.
Na guerra pelo amor há momentos de dúvida, em que cogita-se friamente esquecer tudo isso, e abdicar como tantos fazem da oportunidade de vencer um dia, contentando-se com os restos e sobras que varejam nas esquinas do que é verdadeiramente o amor. Um medo imenso corre a espinha e olha-se nos olhos do futuro "inimigo" como que dizendo: "faça com que eu acredite". Rezando subitamente para que um sinal divino restaure a sua fé e sua vontade de luta, sua gana de vitória, o vigor da artilharia, a frieza apaixonada dos ataques de madrugada, quando o inimigo dorme inocentemente. Reza-se para que essa fé na guerra pelo amor surja de algum canto da alma. E se ela finalmente surge, que bela surpresa! Tanta felicidade, tanto júbilo, tudo por ter recomeçado uma guerra.
Mas para vencer, não basta acreditar e perseverar na luta, é preciso agir! A ação é a própria alma das guerras e com a guerra pelo amor não é nada diferente! Não afastar-se nunca do "inimigo" é um ótimo começo, afinal, só bem de perto para realmente poder feri-lo de morte! O carinho e o afeto são bombas poderosas, a afinidade de gostos é o melhor dos exércitos de ocupação, porque não são agressivos com a população local, muito pelo contrário, são parte dela, embora nunca tenham antes estado ali. Por fim, a conquista do amor exige perseverança na verdade, sim, eis aqui a mãe de todas as bombas que garante a vitória final. A verdade liberta e na guerra pelo amor, como em todas as boas guerras da vida, ela é sempre a melhor arma para vencer, garantindo que entre os mortos e feridos sobre duas almas enlaçadas de um sentimento maior que qualquer outro, enlaçadas no ideal de que todo o sangue não foi em vão.
quinta-feira, março 17, 2005
Brigas e unhas quebradas
Para infelicidade geral da comunidade do meu prédio, terminou ontem um lindo romance entre a senhorita Patrícia e um rapaz mais velho que mora no Alto dos Passos.
Alegria da pracinha do bairro, esse casal parecia ter nascido grudado, como siameses do amor! E então quem dissesse que aquilo acabaria, só faria rir aos outros que admiravam: quanta paixão!
Na mesma medida, que drama imenso infestou aquele prédio! Do lado da minha janela a sala de estar de Patrícia, com seu sofá servindo de colo para seu corpo pulsando lágrima e lamento, eu ouvia sem ter escapatória e ainda preso em casa por achar a menina tão querida e tão decidida em amar daquela maneira, fiquei ainda uns longos minutos escutando as bobagens que ela dizia às almofadas.
De repente um rasgo de tristeza entrou forte entre os sentimentos da relativa paz que eu desfrutava já há uns poucos dias e disse tão asperamente para mim que eu tinha culpa naquilo. Maldita mania que tenho de culpar-me pelas desgraças sentimentais do mundo, como se tivesse cometido mesmo o maior dos crimes sentimentais, minha pena é tomar a culpa de todos os outros e me recriminar pelo sofrimento de quem deixa de achar o amor uma boa idéia!
Mas a dor dela despregou meus medos e os fez suar um pouco junto do meu rosto à janela e chorei um pouco com ela, ambos mudos e irracionais aos fatos, apenas obedecendo ao impulso do instante.
O telefone toca, Patrícia atente, mas não sem antes, tentar secar as narinas e as faces. "Alô, quem é? [...] Sim, só preciso de um banho". Foi ao banheiro, pelo visto apenas lavou o rosto e respirou fundo. Em seguida saiu e bateu à minha porta, o que me fez saltar do sofá num pulo, fui atender, já eram mais de 23hs. "Oi, Patrícia, entre", entrou, e sentou-se no sofá. "Preciso que você vá comigo a um lugar". "Onde?", perguntei surpreso, "No Grama, preciso resolver um problema imediatamente" E olhando os imensos olhos verdes ainda bem vermelhos, olhando a boca cerrada e o cabelo preso como que pronta para atacar o inimigo, ao contrário da suavidade de passear com a juga solta, vi uma Patrícia que não poderia nunca andar sozinha na rua àquelas horas. Fui junto depois de uma dose de conhaque que ela não quis compartilhar comigo.
Chegamos depois de 40 minutos em frente à uma casa, uma velha preta atendeu e chamou Patrícia para perto, fiquei de longe olhando. Ela lhe deu uma sacola com algumas coisas dentro e algum dinheiro, não consegui ver quanto. Falaram pouco, parecia que tudo já havia sido combinado por telefone, não interferi.
Voltou-se para mim já com outro semblante, parecia aliviada. Voltamos com a mesma disposição de conversa da ida, ou seja, nenhuma, mas dessa vez não me contive: "Então está mandando lavar a roupa longe de casa?" E me olhando com algum carinho da nossa amizade tão inconstante, mas de tanta afinidade despejou no meu colo aquela sentença cheia de piedade "Ele vai se apaixonar de novo, é o que eu mais quero, mas eu não."
Não sei porque tenho por amigos gente tão generosa, gente ao mesmo tempo tão desprendida desses vícios urbanos de uso e desuso... Depois de tanto grito, de tanto choro, de tanta briga, sobrou para ela não se apaixonar e apenas isso pedia à feiticeira naquela madrugada. Pediu com toda a força do dinheiro e do desespero que secasse toda a empolgação que irrigou no corpo o êxtase que entregou ao rapaz na forma de amor sem medo e que recebeu dele uma traição continuada e uma explicação esfarrapada.
Ao mesmo tempo, eu senti um medo repentino de estar ali com ela, como que se uma palavra errada me colocasse na lista de magia negra de minha vizinha e arrepiei olhando o seu olhar decidido e já seco.
Entramos no prédio, fomos juntos e calados subindo as escadas. "Obrigado, querido, tava com medo". "Eu também, Patrícia". Ela sorriu, entendendo perfeitamente e disse "amanhã tudo volta ao normal, ao menos o que tiver sobrado". Despedimo-nos e entramos com esse mesmo desejo.
Alegria da pracinha do bairro, esse casal parecia ter nascido grudado, como siameses do amor! E então quem dissesse que aquilo acabaria, só faria rir aos outros que admiravam: quanta paixão!
Na mesma medida, que drama imenso infestou aquele prédio! Do lado da minha janela a sala de estar de Patrícia, com seu sofá servindo de colo para seu corpo pulsando lágrima e lamento, eu ouvia sem ter escapatória e ainda preso em casa por achar a menina tão querida e tão decidida em amar daquela maneira, fiquei ainda uns longos minutos escutando as bobagens que ela dizia às almofadas.
De repente um rasgo de tristeza entrou forte entre os sentimentos da relativa paz que eu desfrutava já há uns poucos dias e disse tão asperamente para mim que eu tinha culpa naquilo. Maldita mania que tenho de culpar-me pelas desgraças sentimentais do mundo, como se tivesse cometido mesmo o maior dos crimes sentimentais, minha pena é tomar a culpa de todos os outros e me recriminar pelo sofrimento de quem deixa de achar o amor uma boa idéia!
Mas a dor dela despregou meus medos e os fez suar um pouco junto do meu rosto à janela e chorei um pouco com ela, ambos mudos e irracionais aos fatos, apenas obedecendo ao impulso do instante.
O telefone toca, Patrícia atente, mas não sem antes, tentar secar as narinas e as faces. "Alô, quem é? [...] Sim, só preciso de um banho". Foi ao banheiro, pelo visto apenas lavou o rosto e respirou fundo. Em seguida saiu e bateu à minha porta, o que me fez saltar do sofá num pulo, fui atender, já eram mais de 23hs. "Oi, Patrícia, entre", entrou, e sentou-se no sofá. "Preciso que você vá comigo a um lugar". "Onde?", perguntei surpreso, "No Grama, preciso resolver um problema imediatamente" E olhando os imensos olhos verdes ainda bem vermelhos, olhando a boca cerrada e o cabelo preso como que pronta para atacar o inimigo, ao contrário da suavidade de passear com a juga solta, vi uma Patrícia que não poderia nunca andar sozinha na rua àquelas horas. Fui junto depois de uma dose de conhaque que ela não quis compartilhar comigo.
Chegamos depois de 40 minutos em frente à uma casa, uma velha preta atendeu e chamou Patrícia para perto, fiquei de longe olhando. Ela lhe deu uma sacola com algumas coisas dentro e algum dinheiro, não consegui ver quanto. Falaram pouco, parecia que tudo já havia sido combinado por telefone, não interferi.
Voltou-se para mim já com outro semblante, parecia aliviada. Voltamos com a mesma disposição de conversa da ida, ou seja, nenhuma, mas dessa vez não me contive: "Então está mandando lavar a roupa longe de casa?" E me olhando com algum carinho da nossa amizade tão inconstante, mas de tanta afinidade despejou no meu colo aquela sentença cheia de piedade "Ele vai se apaixonar de novo, é o que eu mais quero, mas eu não."
Não sei porque tenho por amigos gente tão generosa, gente ao mesmo tempo tão desprendida desses vícios urbanos de uso e desuso... Depois de tanto grito, de tanto choro, de tanta briga, sobrou para ela não se apaixonar e apenas isso pedia à feiticeira naquela madrugada. Pediu com toda a força do dinheiro e do desespero que secasse toda a empolgação que irrigou no corpo o êxtase que entregou ao rapaz na forma de amor sem medo e que recebeu dele uma traição continuada e uma explicação esfarrapada.
Ao mesmo tempo, eu senti um medo repentino de estar ali com ela, como que se uma palavra errada me colocasse na lista de magia negra de minha vizinha e arrepiei olhando o seu olhar decidido e já seco.
Entramos no prédio, fomos juntos e calados subindo as escadas. "Obrigado, querido, tava com medo". "Eu também, Patrícia". Ela sorriu, entendendo perfeitamente e disse "amanhã tudo volta ao normal, ao menos o que tiver sobrado". Despedimo-nos e entramos com esse mesmo desejo.
quarta-feira, março 16, 2005
Doce por dentro
Na perspectiva de não sofrer as saudades de férias longe dos amiguinhos, meu priminho Mateus fez bonecos de massa de modelar dos que gosta.
Contornava com cuidado a cabeça de cada qual, como se afagasse a cabeça verdadeira e contornava os traços com um palito de dentes.
Os olhos fixos pareciam alegrar-se imensamente quando trazia da massa inanimada a feição parecida com a original e ele sorria generosamente sua ingenuidade e amor infantis.
"Mas Mateus, os bonecos não falam, não andam, não são nada além de bonecos de massa!", tentava provocá-lo para ver sua argumentação e ele "pois é", concordando sem muita insatisfação com a provocativa. "Pois então de que serve fazê-los?", continuei e ele "ora, serve para eu não esquecer que gosto deles" e disse muito bem o pequenino.
Continuava lá entretido a comparar as fotos da estante com os bonequinhos que ia fazendo e a alegrar-se com qualquer progresso.
Enquanto meu priminho alegrava-se com a grande idéia, eu escutava "metamorfose ambulante" e imaginava se as imagens cofirmariam para mim o amor que representam.
Talvez eu pudesse mesmo fazer bonecos dos amigos que não vejo há muito tempo e olhar para eles para lembrar-me o quanto foi boa nossa convivência, o quanto fomos felizes e o quanto gosto deles. Mas por outro lado, daí já aprofundo mais que meu primo, fossem o símbolo da falta de atenção com a nossa amizade, do desleixo em ligar, em marcar encontros, em dar continuidade aos projetos, daí seria o símbolo de um deboche.
Vem a próxima música do Raul: "quem não tem colírio..." e eu penso se me faltou colírio para deixar de receber as ligações dos meus amigos, ou se da parte deles sobraram óculos escuros para não se importar também e não ver que cada pequena ausência fazia essa maior e tão ameaçadoramente definitiva.
Em seguida começou a "tente outra vez"! Sim, "a água viva ainda tá na fonte" e esse determinismo todo começa engalfinhar e tornar turva a bela imagem poética de esperança que o Mateus tão gentilmente criou para si e me deixou tão impressionado.
Eu não vou usar de massa de modelar, uso das minhas lembranças para não esquecer-me dos amigos. Vem cá dentro aquela vez que fizemos issos e aquilos, conversamos, rimos e nos importamos com as mesmas coisas, das músicas que dançamos juntos e das nossas idiotices que foram suportadas sem muito escárnio.
Os bonecos da imaginação são mais interativos, mas tenho pena que encenem sempre as mesmas situações. O bom seria ter lembranças novas e mais que isso, conseguir confirmar se eles também tem um boneco meu, se também se importam e sofrem como eu essa nossa ausência.
O fato que não deve ser ignorado é que nem todos lidam com isso da mesma forma, e deixam mesmo morrer até as memórias que tivessem sobrevivido à amizade o que aborrece muito. Mas eu não me dou o luxo de esquecer, apesar de ser o pouco que restou, é meu, sim, meus bonecos dos meus amigos. :D
Contornava com cuidado a cabeça de cada qual, como se afagasse a cabeça verdadeira e contornava os traços com um palito de dentes.
Os olhos fixos pareciam alegrar-se imensamente quando trazia da massa inanimada a feição parecida com a original e ele sorria generosamente sua ingenuidade e amor infantis.
"Mas Mateus, os bonecos não falam, não andam, não são nada além de bonecos de massa!", tentava provocá-lo para ver sua argumentação e ele "pois é", concordando sem muita insatisfação com a provocativa. "Pois então de que serve fazê-los?", continuei e ele "ora, serve para eu não esquecer que gosto deles" e disse muito bem o pequenino.
Continuava lá entretido a comparar as fotos da estante com os bonequinhos que ia fazendo e a alegrar-se com qualquer progresso.
Enquanto meu priminho alegrava-se com a grande idéia, eu escutava "metamorfose ambulante" e imaginava se as imagens cofirmariam para mim o amor que representam.
Talvez eu pudesse mesmo fazer bonecos dos amigos que não vejo há muito tempo e olhar para eles para lembrar-me o quanto foi boa nossa convivência, o quanto fomos felizes e o quanto gosto deles. Mas por outro lado, daí já aprofundo mais que meu primo, fossem o símbolo da falta de atenção com a nossa amizade, do desleixo em ligar, em marcar encontros, em dar continuidade aos projetos, daí seria o símbolo de um deboche.
Vem a próxima música do Raul: "quem não tem colírio..." e eu penso se me faltou colírio para deixar de receber as ligações dos meus amigos, ou se da parte deles sobraram óculos escuros para não se importar também e não ver que cada pequena ausência fazia essa maior e tão ameaçadoramente definitiva.
Em seguida começou a "tente outra vez"! Sim, "a água viva ainda tá na fonte" e esse determinismo todo começa engalfinhar e tornar turva a bela imagem poética de esperança que o Mateus tão gentilmente criou para si e me deixou tão impressionado.
Eu não vou usar de massa de modelar, uso das minhas lembranças para não esquecer-me dos amigos. Vem cá dentro aquela vez que fizemos issos e aquilos, conversamos, rimos e nos importamos com as mesmas coisas, das músicas que dançamos juntos e das nossas idiotices que foram suportadas sem muito escárnio.
Os bonecos da imaginação são mais interativos, mas tenho pena que encenem sempre as mesmas situações. O bom seria ter lembranças novas e mais que isso, conseguir confirmar se eles também tem um boneco meu, se também se importam e sofrem como eu essa nossa ausência.
O fato que não deve ser ignorado é que nem todos lidam com isso da mesma forma, e deixam mesmo morrer até as memórias que tivessem sobrevivido à amizade o que aborrece muito. Mas eu não me dou o luxo de esquecer, apesar de ser o pouco que restou, é meu, sim, meus bonecos dos meus amigos. :D
segunda-feira, março 14, 2005
O amor das cobras selvagens
Meus poemas envelheceram de repente quando os reli no sábado. Estavam muito bem medidos os sonetos, os versos livres continuavam bem livres, todos em itálico e com o título todo em maiúsculas, tudo lindo e quase tudo velho e cansado.
Como o passar do tempo em relação aos edifícios de arquitetura neoclássica, a chuva, o vento, o sol violentaram também os meus versos e fizeram crescer ramos de sabambaia, longas línguas pretas pela parede, desbotamento das cores da pintura, enegrescimento das faces das estatuetas que guardavam o portão no alto das colunas.
Andei pelos corredores do meu palácio poético e os fiz ranger as velhas tábuas do piso com os meus passos decididos, e fiquei assustado quando o vento fez bater as portas e janelas, lançando ao chão fragmentos da madeira apodrecida. A casa respondia à minha presença como um velho defende-se da agressão que sabe que sofrerá em seguida, mas pela própria debilidade trazida pelo tempo, sabe que não tem chances de sucesso, sobra a raiva.
Olhei dentro dos quartos e senti um cheiro de outros tempos. Lembrei-me doutros amores e medos, de outros pensamentos noutras avenidas, priorizados então os primeiros sentimentos. Na antiga pretensão, quase infantil, de reduzir tudo a um verso rancoroso e feroz, reluziu para mim meu maroto jeito de esperar o inesperado surgir de repente, trazendo a solução que, à parte da fé que eu tinha, não veio. Num tempo em que eu achava que o amor das cobras selvagens continha alguma paixão, olhava-as com respeito, mas hoje está tudo desmentido!
Analisando cruamente a culpa é toda minha, por óbvio. Isso de colocar a culpa no vento, no sol e na chuva é um argumentozinho metafórico muito besta! Eu fui quebrando secretamente nas madrugadas os pilares desse edifício poético e passei a maldizer as antigas verdades como que tentando saber se sobreviveria com altivez a minha própria renúncia de natureza e embora o processo não esteja ainda totalmente completado, sei que a tampa da banheira foi retirada e a água está indo embora com muito boa vontade, essas leis naturais são mesmo muito prestativas. Versos novos são a nova água para meu banho. Versos mais encorpados de um bom carinho e tempero de inteligência, sim, versos assim merecem o papel. Tenho pensado em poetas inspiradores de tempos mais remotos, como William Blake e mesmo Oscar Wilde que lia muito antes de entrar para a universidade. Esses poetas tem um estilo muito particularmente esculpido nas paixões e pensamentos parametrados em coisas verdadeiras. Blake foi um iconoclasta, Wilde um inovador genial, neles talvez encontre riso e prazer pra pensar em versos meus mais afetos ao meu atual propósito.
Resta uma resposta que deve estar perturbando o autor mais atento: por que abrir aqui as mais secretas opiniões sobre a própria produção poética? Bem, primeiro porque não encontrei razão verdadeira para omitir isso, segundo porque é uma maneira de materializar e destribuir os pensamentos, herança do antigo estilo que ainda não me desfiz completamente já que ainda me conforta muito, terceiro porque é a verdade e a verdade é o melhor dos argumentos.
Agora me dêem licença, por favor. Nesse exato instante imagino um lindo poema! Será inclusive um dos pilares do novo edifício poético: 120 andares, com lojas, estacionamentos, escritórios, academias de musculação, cinemas, restaurante na cobertura com vista panorâmica para toda a cidade e ainda rampa de pulo para paraquedistas! Espero que todos se divirtam tanto quanto eu e apreciem as novas instalações.
Como o passar do tempo em relação aos edifícios de arquitetura neoclássica, a chuva, o vento, o sol violentaram também os meus versos e fizeram crescer ramos de sabambaia, longas línguas pretas pela parede, desbotamento das cores da pintura, enegrescimento das faces das estatuetas que guardavam o portão no alto das colunas.
Andei pelos corredores do meu palácio poético e os fiz ranger as velhas tábuas do piso com os meus passos decididos, e fiquei assustado quando o vento fez bater as portas e janelas, lançando ao chão fragmentos da madeira apodrecida. A casa respondia à minha presença como um velho defende-se da agressão que sabe que sofrerá em seguida, mas pela própria debilidade trazida pelo tempo, sabe que não tem chances de sucesso, sobra a raiva.
Olhei dentro dos quartos e senti um cheiro de outros tempos. Lembrei-me doutros amores e medos, de outros pensamentos noutras avenidas, priorizados então os primeiros sentimentos. Na antiga pretensão, quase infantil, de reduzir tudo a um verso rancoroso e feroz, reluziu para mim meu maroto jeito de esperar o inesperado surgir de repente, trazendo a solução que, à parte da fé que eu tinha, não veio. Num tempo em que eu achava que o amor das cobras selvagens continha alguma paixão, olhava-as com respeito, mas hoje está tudo desmentido!
Analisando cruamente a culpa é toda minha, por óbvio. Isso de colocar a culpa no vento, no sol e na chuva é um argumentozinho metafórico muito besta! Eu fui quebrando secretamente nas madrugadas os pilares desse edifício poético e passei a maldizer as antigas verdades como que tentando saber se sobreviveria com altivez a minha própria renúncia de natureza e embora o processo não esteja ainda totalmente completado, sei que a tampa da banheira foi retirada e a água está indo embora com muito boa vontade, essas leis naturais são mesmo muito prestativas. Versos novos são a nova água para meu banho. Versos mais encorpados de um bom carinho e tempero de inteligência, sim, versos assim merecem o papel. Tenho pensado em poetas inspiradores de tempos mais remotos, como William Blake e mesmo Oscar Wilde que lia muito antes de entrar para a universidade. Esses poetas tem um estilo muito particularmente esculpido nas paixões e pensamentos parametrados em coisas verdadeiras. Blake foi um iconoclasta, Wilde um inovador genial, neles talvez encontre riso e prazer pra pensar em versos meus mais afetos ao meu atual propósito.
Resta uma resposta que deve estar perturbando o autor mais atento: por que abrir aqui as mais secretas opiniões sobre a própria produção poética? Bem, primeiro porque não encontrei razão verdadeira para omitir isso, segundo porque é uma maneira de materializar e destribuir os pensamentos, herança do antigo estilo que ainda não me desfiz completamente já que ainda me conforta muito, terceiro porque é a verdade e a verdade é o melhor dos argumentos.
Agora me dêem licença, por favor. Nesse exato instante imagino um lindo poema! Será inclusive um dos pilares do novo edifício poético: 120 andares, com lojas, estacionamentos, escritórios, academias de musculação, cinemas, restaurante na cobertura com vista panorâmica para toda a cidade e ainda rampa de pulo para paraquedistas! Espero que todos se divirtam tanto quanto eu e apreciem as novas instalações.
quinta-feira, março 10, 2005
Estrela derradeira
Se a nostalgia é um sentimento ligado quase sempre aos que são mais velhos e vivem se queixando das 'modernidades' e elevando os 'bons tempos que não voltam mais', tenho que recusar a partir de agora esse arquétipo.
Talvez a nostalgia não surja do fundo abissal do oceano por acaso, talvez surja pela tristeza de não se ter mais, é um sentimento de perda. Com esse caráter a nostalgia e a melancolia dão as mãos para rememorações bem quietas e silenciosas, carregadas de apego e inconformismo com a sugestão do desapego.
A amizade que enfraquece e acaba, o amor que se aflige e se machuca, a boa conversa que não se repete, a felicidade agora impossível de ser como antes tem de mudar o tom. Tem de se colorir com sorrisos novos, tem de levantar alto novos sonhos, tem que se convencer doutras vias para alcançar a paz, porém, a tentação de antes é poderosa e pode-se, ao experimentá-la, ter noção do lamento dos velhinhos.
Como uma escavadeira que remexe entulhos e faz brotar da terra sobreposta cadáveres em decomposição que ainda guardam as expressões humanas, cadáveres vivos para o resto do mundo, mas que morreram para aquele amor que os uniu um dia e dessa morte emparelhada contra a parede da realidade não cabe tentativa de reanimação, não há pára-médico que acuda, nem extrema-unção que liberte do tormento: o zumbi continua nos pensamentos.
Entre essas lembranças, sempre vivas no coração e não mais vivas na realidade, o lado bom e feliz de cada qual contribui na mesma medida para a angústia de ter acabado e vem aqueles suspiros sem muito exagero, sem muito ânimo, mas que denunciam esse toque que não toca mais, esse emaranhado de sentimentos, esse complexo adorno que ficou depois que a banda foi-se e parou de tocar a melodia para a dança, até então, bastante animada.
Como no fim da madrugada eu procurava a última estrela a morrer ante a luz do novo dia. O grande prazer de olhar o céu cinza quase azul e buscar nele aquela estrela mais forte que as outras, a que resistiria mais e mais e brilharia porque queria me entregar alguma fé na vida.
Quando eu a encontrava eu ficava feliz, e tomava um suspiro daquele ar frio da manhã ainda pequena. Pensava que estava tudo bem e de certo estava. Achava que esse sinal iria me privar de duvidar do que eu sentia e pensava, queria muito que fosse assim.
A estrela derradeira também morre conforme cresce a manhã, conforme o sol enche o céu com mais luz e fica sem rival a desfilar por horas seguidas a sua supremacia.
Mas de novo vem a noite, vêm as estrelas, a madrugada das dúvidas e dos ventos, e a manhã da vida traz de volta a estrela derradeira.
Lá no alto, num canto perdido do espaço, ainda brilha, como há tanto tempo atrás também brilhava do mesmo modo. Ela liberta essa grande nostalgia de ser só memória com uma decisão que lembrou num susto a minha própria decisão em seguir os meus caminhos, e nessa empolgação de rir, de falar, de beijar, de ouvir, de sentir, brilhou por um instante como brilhava antes e olhando o céu eu me lembrei, entristeci e depois sorri.
Talvez a nostalgia não surja do fundo abissal do oceano por acaso, talvez surja pela tristeza de não se ter mais, é um sentimento de perda. Com esse caráter a nostalgia e a melancolia dão as mãos para rememorações bem quietas e silenciosas, carregadas de apego e inconformismo com a sugestão do desapego.
A amizade que enfraquece e acaba, o amor que se aflige e se machuca, a boa conversa que não se repete, a felicidade agora impossível de ser como antes tem de mudar o tom. Tem de se colorir com sorrisos novos, tem de levantar alto novos sonhos, tem que se convencer doutras vias para alcançar a paz, porém, a tentação de antes é poderosa e pode-se, ao experimentá-la, ter noção do lamento dos velhinhos.
Como uma escavadeira que remexe entulhos e faz brotar da terra sobreposta cadáveres em decomposição que ainda guardam as expressões humanas, cadáveres vivos para o resto do mundo, mas que morreram para aquele amor que os uniu um dia e dessa morte emparelhada contra a parede da realidade não cabe tentativa de reanimação, não há pára-médico que acuda, nem extrema-unção que liberte do tormento: o zumbi continua nos pensamentos.
Entre essas lembranças, sempre vivas no coração e não mais vivas na realidade, o lado bom e feliz de cada qual contribui na mesma medida para a angústia de ter acabado e vem aqueles suspiros sem muito exagero, sem muito ânimo, mas que denunciam esse toque que não toca mais, esse emaranhado de sentimentos, esse complexo adorno que ficou depois que a banda foi-se e parou de tocar a melodia para a dança, até então, bastante animada.
Como no fim da madrugada eu procurava a última estrela a morrer ante a luz do novo dia. O grande prazer de olhar o céu cinza quase azul e buscar nele aquela estrela mais forte que as outras, a que resistiria mais e mais e brilharia porque queria me entregar alguma fé na vida.
Quando eu a encontrava eu ficava feliz, e tomava um suspiro daquele ar frio da manhã ainda pequena. Pensava que estava tudo bem e de certo estava. Achava que esse sinal iria me privar de duvidar do que eu sentia e pensava, queria muito que fosse assim.
A estrela derradeira também morre conforme cresce a manhã, conforme o sol enche o céu com mais luz e fica sem rival a desfilar por horas seguidas a sua supremacia.
Mas de novo vem a noite, vêm as estrelas, a madrugada das dúvidas e dos ventos, e a manhã da vida traz de volta a estrela derradeira.
Lá no alto, num canto perdido do espaço, ainda brilha, como há tanto tempo atrás também brilhava do mesmo modo. Ela liberta essa grande nostalgia de ser só memória com uma decisão que lembrou num susto a minha própria decisão em seguir os meus caminhos, e nessa empolgação de rir, de falar, de beijar, de ouvir, de sentir, brilhou por um instante como brilhava antes e olhando o céu eu me lembrei, entristeci e depois sorri.
quarta-feira, março 09, 2005
Turmalinas
Depois de passar por mais de duas centenas de vezes pela frente de um edifício próximo à minha casa, percebi que seu nome é "Turmalinas", fato que ocupou meus pensamentos, sempre a fazer conexões e a buscar sentidos em todas as coisas.
Imaginei que deveria ter sido idéia da construtora ao lançar os apartamentos à venda dar aquele nome, talvez tivesse pensado em batizar o prédio desta maneira para demonstrar alguma coisa. Se fosse para demonstrar o significado de turmalina, o prédio remeteria à ser a falsa jóia, ou melhor, a jóia de menor valor. Ainda tratando-se de alguém que conhece a poesia da história de Minas Gerais, essa pedra está envolvida na história das bandeiras do século XVII, expedições formadas sobretudo por paulistas que empenhavam-se em concontrar pedras e metais preciosos no Brasil, sobretudo nas latitudes correspondentes à exploração da prata em Potosi, na Bolívia, onde os espanhóis haviam tido êxito nesse propósito.
Estimulado pelas promessas de prêmios e de honrarias(títulos de nobreza), o bandeirante Fernão Dias, famoso apresador de índios, partiu de São Paulo, em 1674, à procura de prata e esmeraldas. Durante sete anos, sua bandeira percorreu os sertões mineiros, partindo de São Paulo à cabeceira do Rio das Velhas até a região do Serro Frio.
Conhecido como o "caçador de esmeraldas", Dias foi responsavel pelo estabelecimento de vários arraiais, desbravando verdadeiramente regiões que não eram conhecidas por europeus.
Sua bandeira, entretanto, não viveu momentos sempre gloriosos. Composta por seu filho Garcia Rodrigues Pais, Matias Cardoso de Almeida, seu genro, Manuel Borba Gato e seu filho bastardo, José Dias Pais, padeceu de um incidente de insurreição levantado por esse último, que acusado de traição, foi condenado à morte e enforcado por seus companheiros.
Imaginando ter encontrado esmeraldas, a bandeira regressa e antes dela chega a notícia do seu êxito. Fernão Dias morre mesmo acreditando ter encontrado esmeraldas, mas na verdade tratava-se de turmalinas, gemas que quase não tem valor.
A saga deste célebre bandeirante paulista talvez tenha sido o motivo do batismo desse edifício como "Turmalinas", remetendo ao fato de ser uma jóia, sim, mas uma jóia de valor menor, que não merece tanto apego quanto parece à primeira vista.
Se a idéia foi essa, não deixa de soar estranho morar num lugar que tenha esse espírito. Como se respondesse à alguém que pergunta: "moro nas 'Turmalinas', aquele edifício que parece uma esmeralda, mas é só uma gema de menor valor". Acho quase impossível alguém responder isso, na verdade, mas se eu morasse lá e alguém me perguntasse, eu iria sempre pensar nessa resposta e seria dificílimo responder: "moro nas "Turmalinas", aquele edifício em frente à praça de São Mateus".
Mas o que parece no fim das contas é que estou abstraindo demais, talvez porque seja um entusiasta da saga de Fernão Dias, talvez por sempre procurar sentido nos nomes das coisas, o mais razoável é pensar que a idéia desse nome ao edifício foi quase ao acaso, o batizador, por misteriosas e pessoais razões, gosta desse nome, quando muito de turmalinas, e achou que seria bastante e suficiente esse nome e essa é a melhor das apostas.
Da minha parte, entretanto, nunca moraria nesse prédio.
Imaginei que deveria ter sido idéia da construtora ao lançar os apartamentos à venda dar aquele nome, talvez tivesse pensado em batizar o prédio desta maneira para demonstrar alguma coisa. Se fosse para demonstrar o significado de turmalina, o prédio remeteria à ser a falsa jóia, ou melhor, a jóia de menor valor. Ainda tratando-se de alguém que conhece a poesia da história de Minas Gerais, essa pedra está envolvida na história das bandeiras do século XVII, expedições formadas sobretudo por paulistas que empenhavam-se em concontrar pedras e metais preciosos no Brasil, sobretudo nas latitudes correspondentes à exploração da prata em Potosi, na Bolívia, onde os espanhóis haviam tido êxito nesse propósito.
Estimulado pelas promessas de prêmios e de honrarias(títulos de nobreza), o bandeirante Fernão Dias, famoso apresador de índios, partiu de São Paulo, em 1674, à procura de prata e esmeraldas. Durante sete anos, sua bandeira percorreu os sertões mineiros, partindo de São Paulo à cabeceira do Rio das Velhas até a região do Serro Frio.
Conhecido como o "caçador de esmeraldas", Dias foi responsavel pelo estabelecimento de vários arraiais, desbravando verdadeiramente regiões que não eram conhecidas por europeus.
Sua bandeira, entretanto, não viveu momentos sempre gloriosos. Composta por seu filho Garcia Rodrigues Pais, Matias Cardoso de Almeida, seu genro, Manuel Borba Gato e seu filho bastardo, José Dias Pais, padeceu de um incidente de insurreição levantado por esse último, que acusado de traição, foi condenado à morte e enforcado por seus companheiros.
Imaginando ter encontrado esmeraldas, a bandeira regressa e antes dela chega a notícia do seu êxito. Fernão Dias morre mesmo acreditando ter encontrado esmeraldas, mas na verdade tratava-se de turmalinas, gemas que quase não tem valor.
A saga deste célebre bandeirante paulista talvez tenha sido o motivo do batismo desse edifício como "Turmalinas", remetendo ao fato de ser uma jóia, sim, mas uma jóia de valor menor, que não merece tanto apego quanto parece à primeira vista.
Se a idéia foi essa, não deixa de soar estranho morar num lugar que tenha esse espírito. Como se respondesse à alguém que pergunta: "moro nas 'Turmalinas', aquele edifício que parece uma esmeralda, mas é só uma gema de menor valor". Acho quase impossível alguém responder isso, na verdade, mas se eu morasse lá e alguém me perguntasse, eu iria sempre pensar nessa resposta e seria dificílimo responder: "moro nas "Turmalinas", aquele edifício em frente à praça de São Mateus".
Mas o que parece no fim das contas é que estou abstraindo demais, talvez porque seja um entusiasta da saga de Fernão Dias, talvez por sempre procurar sentido nos nomes das coisas, o mais razoável é pensar que a idéia desse nome ao edifício foi quase ao acaso, o batizador, por misteriosas e pessoais razões, gosta desse nome, quando muito de turmalinas, e achou que seria bastante e suficiente esse nome e essa é a melhor das apostas.
Da minha parte, entretanto, nunca moraria nesse prédio.
segunda-feira, março 07, 2005
Política, poder e alienação da natureza
Na cidade antiga todas as famílias eram de descendentes de fundadores da cidade, o contato com o estrangeiro era uma praga que se evitava a todo custo e o emaranhado das leis que serviam para guiar o comportamento de todos era sagrado, não sendo conhecido senão pelos sacerdotes.
Como toda instituição humana, entretanto, esse modelo de sociedade envelheceu e a própria ordem de brutalidade e violência entre as cidades fez surgir escravos e plebeus no seu meio - pessoas que não pertenciam à cidade, não eram membros de nenhuma família e lá não tinham seus manes, ou seja, seus ancestrais a quem deviam culto sob a condição de ser por eles perseguidos no caso de omissão desse dever.
A cidade de Roma, entretanto, algo como que um século após o fim da monarquia, viu-se na hipóstese de não ter mais plebeus, já que despojados do direito da cidade, absolutamente sem garantias e sendo hostilizados por todas as formas imagináveis, decidiram todos partir para fora dos muros da cidade, indo estabelecer-se no monte sagrado.
Os patrícios celebraram de início a pureza reconquistada da gente romana, formada exclusivamente pelas famílias dos fundadores da cidade e seus clientes (espécie de servos ligados pela religião à família). Entretanto, logo começaram a surgir rumores de que a saída da plebe seria ruim aos propósitos de ambição romana: "como defender-se dos etruscos, dos sabinos, dos outros latinos? Apenas os patrícios não bastariam para tanto e Roma fatalmente seria destruída." Trata-se de um argumento inflamado se considerar-se que Roma era bastante forte para manter-se sozinha, mas sem a plebe não avançaria mais e aqui está o ponto decisivo de toda a questão: a ambição por dominar, subjugar e expandir-se.
A plebe, doutra maneira, não tinha leis, religião, organização de classes e assim, vivia a esmo no monte sagrado, como um bando de cabras inconseqüentes sobre um pasto que não será suficiente para elas por muito tempo, mas que não parecem se importar com isso enquanto pastam. A plebe precisava de Roma, da sua organização social, da religião (mesmo que de modo grosseiro, visto que não poderiam ter deuses lares, já que não descendiam de ninguém).
Assim, o senado romano decidiu chamar de volta a plebe e fez de seus componentes cidadãos romanos.
Pedra no cruzamento da vida, o senado romano tinha tomado sua decisão mais importante em séculos inteiros, uma decisão que asseguraria o constante crescimento do maior império que existiu sobre a terra e ao mesmo tempo o germe maligno que destruiria implacavelmente, ano após ano, a pureza da origem da civilização ocidental, desfazendo a crença no culto dos ancestrais, dos deuses lares, na sacralidade das leis, substituindo o personagem social da família da pátria ou gens (família de origem do fundador da cidade) para a qual toda a vida social voltava-se, para o indivíduo, transmutando da propriedade seu valor sagrado ligado à gens, ou seja, ligado às origens da famílias, a propriedade e o solo eram o símbolo do sangue que se ergue da terra, daí em diante a propriedade adquire pela primeira vez seu valor individual e ordinário que transmuta de mão em mão sem nenhum tipo de formalidade ou significado maior que facilitar trocas e aprofundar diferenças entre classes. Pela primeira vez no ocidente o homem passou a valer pelo que tinha e não pelo que era.
Em troca dessa decisão, Roma ganhou o mundo inteiro nos séculos seguintes, mas perdeu para sempre sua alma, razão inclusive de sua decadência, já que o romano em origem era um fiel seguidor da fé dos seus deuses lares, vivia obedecendo à religião e padeceu pela crise moral e pela falta de crença em si mesma, agonizava sobre os palácios de mármore de Carrara como um sopro sujo de sua alma gloriosa, guerreira, plena de fé e da pretensa verdade de ser a mãe e o centro do mundo todo.
Como toda instituição humana, entretanto, esse modelo de sociedade envelheceu e a própria ordem de brutalidade e violência entre as cidades fez surgir escravos e plebeus no seu meio - pessoas que não pertenciam à cidade, não eram membros de nenhuma família e lá não tinham seus manes, ou seja, seus ancestrais a quem deviam culto sob a condição de ser por eles perseguidos no caso de omissão desse dever.
A cidade de Roma, entretanto, algo como que um século após o fim da monarquia, viu-se na hipóstese de não ter mais plebeus, já que despojados do direito da cidade, absolutamente sem garantias e sendo hostilizados por todas as formas imagináveis, decidiram todos partir para fora dos muros da cidade, indo estabelecer-se no monte sagrado.
Os patrícios celebraram de início a pureza reconquistada da gente romana, formada exclusivamente pelas famílias dos fundadores da cidade e seus clientes (espécie de servos ligados pela religião à família). Entretanto, logo começaram a surgir rumores de que a saída da plebe seria ruim aos propósitos de ambição romana: "como defender-se dos etruscos, dos sabinos, dos outros latinos? Apenas os patrícios não bastariam para tanto e Roma fatalmente seria destruída." Trata-se de um argumento inflamado se considerar-se que Roma era bastante forte para manter-se sozinha, mas sem a plebe não avançaria mais e aqui está o ponto decisivo de toda a questão: a ambição por dominar, subjugar e expandir-se.
A plebe, doutra maneira, não tinha leis, religião, organização de classes e assim, vivia a esmo no monte sagrado, como um bando de cabras inconseqüentes sobre um pasto que não será suficiente para elas por muito tempo, mas que não parecem se importar com isso enquanto pastam. A plebe precisava de Roma, da sua organização social, da religião (mesmo que de modo grosseiro, visto que não poderiam ter deuses lares, já que não descendiam de ninguém).
Assim, o senado romano decidiu chamar de volta a plebe e fez de seus componentes cidadãos romanos.
Pedra no cruzamento da vida, o senado romano tinha tomado sua decisão mais importante em séculos inteiros, uma decisão que asseguraria o constante crescimento do maior império que existiu sobre a terra e ao mesmo tempo o germe maligno que destruiria implacavelmente, ano após ano, a pureza da origem da civilização ocidental, desfazendo a crença no culto dos ancestrais, dos deuses lares, na sacralidade das leis, substituindo o personagem social da família da pátria ou gens (família de origem do fundador da cidade) para a qual toda a vida social voltava-se, para o indivíduo, transmutando da propriedade seu valor sagrado ligado à gens, ou seja, ligado às origens da famílias, a propriedade e o solo eram o símbolo do sangue que se ergue da terra, daí em diante a propriedade adquire pela primeira vez seu valor individual e ordinário que transmuta de mão em mão sem nenhum tipo de formalidade ou significado maior que facilitar trocas e aprofundar diferenças entre classes. Pela primeira vez no ocidente o homem passou a valer pelo que tinha e não pelo que era.
Em troca dessa decisão, Roma ganhou o mundo inteiro nos séculos seguintes, mas perdeu para sempre sua alma, razão inclusive de sua decadência, já que o romano em origem era um fiel seguidor da fé dos seus deuses lares, vivia obedecendo à religião e padeceu pela crise moral e pela falta de crença em si mesma, agonizava sobre os palácios de mármore de Carrara como um sopro sujo de sua alma gloriosa, guerreira, plena de fé e da pretensa verdade de ser a mãe e o centro do mundo todo.
sexta-feira, março 04, 2005
Franja desaparecida
Andava de volta para casa ontem, chovia a continuada chuva de fim de verão, quando revi de relance uma conhecida da faculdade que adorava discutir comigo sobre o valor da vida e sua questão utilitária ante aos valores da democracia e da maioria, na célebre máxima de que "a maioria pode muito, mas não pode tudo", trata-se de ninguém menos que a senhorita Janaína Brulheres.
Com os cabelos presos num longo rabo de cavalo, não tinha mais franja nem optava então pela saia laranja e grená que ficava a meio palmo do joelho, também não tinha camiseta estampada... séria e apressada descendo a avenida dos Andradas, vestia cinza no tailer, com uma camisa feminina num azul bem claro, sapatos pretos de salto médio. Pareceu de relance a metamorfose em transe daquela moça recém-saída da adolescência que eu conheci - nem tão seca e sem vida e nem tão molhada e alegre.
Lembrei-me das suas reclamações comigo na cantina quando suas notas caiam na medida que os seus namorados (no meu último ano de faculdade 2 se alternaram, sempre espaçando o tempo de um mês entre o fim com um e o recomeço com o outro) brigavam entre si e com ela também. Um, chamado André, engenheiro com pai dono de empreiteira e sem talento para engenharia, adorava a maneira como Janaína o desprezava antes de beijá-lo, nas palavras dela "aninha a cabeça no colo e parece não entender que eu não o amo, como se perguntasse para si mesmo 'como ela pode não me amar?' achando-se o melhor produto da prateleira", eu mesmo não gostava quando ela usava esse palavreado de chamar esse rapaz de "produto", mas não interrompia por medo de ceifar aquele momento de frustração e paixão não admitida dela. O outro era quase meu amigo, tinha mesmo boa simpatia por ele, o bom e sincero João Guilherme, freqüentador das boates de má fama nas noites de tristeza, melancólico leitor de Fernando Pessoa, graduando de odontologia que abria as bocas dos pacientes pensando sempre numa mesma boca, na da sua amada Janaína e essa moça, pensando nele, aduzia aos bons lábios para os beijos, ao olhar de incendiar o quarteirão na fúria de frustração, na paciência para falar, na grandissíssima habilidade, invejada por todos os lados no campus universitário, em não demonstrar nunca ciúmes, conversando comigo ele dizia: "há que endurecer, mas sem demonstrar ciúmes jamais!", sofria, é claro, como todo namorado de moça bonita e interessante, mas guardava para si, como tantas outras coisas.
A Janaína olhava para mim e falava que não tinha mais para onde ir nesse mundo, que queria viver com os dois, dar felicidade a ambos, queria que fossem amigos e pensou num plano mirabolante de pedir ao André que conseguisse com o pai dele um apartamento bem grande para os três viverem juntos! Como se estar juntos fosse o bastante para resolver aquele nó górgio que estava dentro do coração dela. Eles a queriam só pra si mesmos, separadamente! Que fique claro! E se tinha que ser assim, se essa paixão de onde e de quando e de como era tão complicada que não tinha saída, Janaína cortou tudo com a espada e deixou cair no chão: nem André, nem João Guilherme, só Janaína, Janaína só.
Da última vez que falamos, poucas semanas antes da minha formatura, ela ainda parecia tão vivaz, tão cheia das bocas e caras que sempre me deixaram tão à vontade de estar com ela, mas também confusa e abatida entre um assunto e outro, enquanto que cada sugestão parecia deixá-la imensamente cansada. Claro, desta última vez estava bem grande a franja.
Quando eu a vi na rua, de repente, a franja já tinha desaparecido. Compondo sua face engajada no mundo de escritórios onde saias laranja e grená são absurdas, Janaína Brulhures estava vestida de mulher para ser levada a sério, pois é sério o fato de no seu coração não haver mais amor nenhum, estava num luto, portanto, e foi assim que sua imagem me pareceu no fim de dia chuvoso e frio do fim do verão. E como o verão, que acaba sem se importar com os órfãos, aquela abundância de amor e desejo de tudo foi embora sem se importar com o sofrimento que sobraria e das marcas de ausência que deixaria na pele dela para provar a audácia de querer toda a felicidade e além.
Com os cabelos presos num longo rabo de cavalo, não tinha mais franja nem optava então pela saia laranja e grená que ficava a meio palmo do joelho, também não tinha camiseta estampada... séria e apressada descendo a avenida dos Andradas, vestia cinza no tailer, com uma camisa feminina num azul bem claro, sapatos pretos de salto médio. Pareceu de relance a metamorfose em transe daquela moça recém-saída da adolescência que eu conheci - nem tão seca e sem vida e nem tão molhada e alegre.
Lembrei-me das suas reclamações comigo na cantina quando suas notas caiam na medida que os seus namorados (no meu último ano de faculdade 2 se alternaram, sempre espaçando o tempo de um mês entre o fim com um e o recomeço com o outro) brigavam entre si e com ela também. Um, chamado André, engenheiro com pai dono de empreiteira e sem talento para engenharia, adorava a maneira como Janaína o desprezava antes de beijá-lo, nas palavras dela "aninha a cabeça no colo e parece não entender que eu não o amo, como se perguntasse para si mesmo 'como ela pode não me amar?' achando-se o melhor produto da prateleira", eu mesmo não gostava quando ela usava esse palavreado de chamar esse rapaz de "produto", mas não interrompia por medo de ceifar aquele momento de frustração e paixão não admitida dela. O outro era quase meu amigo, tinha mesmo boa simpatia por ele, o bom e sincero João Guilherme, freqüentador das boates de má fama nas noites de tristeza, melancólico leitor de Fernando Pessoa, graduando de odontologia que abria as bocas dos pacientes pensando sempre numa mesma boca, na da sua amada Janaína e essa moça, pensando nele, aduzia aos bons lábios para os beijos, ao olhar de incendiar o quarteirão na fúria de frustração, na paciência para falar, na grandissíssima habilidade, invejada por todos os lados no campus universitário, em não demonstrar nunca ciúmes, conversando comigo ele dizia: "há que endurecer, mas sem demonstrar ciúmes jamais!", sofria, é claro, como todo namorado de moça bonita e interessante, mas guardava para si, como tantas outras coisas.
A Janaína olhava para mim e falava que não tinha mais para onde ir nesse mundo, que queria viver com os dois, dar felicidade a ambos, queria que fossem amigos e pensou num plano mirabolante de pedir ao André que conseguisse com o pai dele um apartamento bem grande para os três viverem juntos! Como se estar juntos fosse o bastante para resolver aquele nó górgio que estava dentro do coração dela. Eles a queriam só pra si mesmos, separadamente! Que fique claro! E se tinha que ser assim, se essa paixão de onde e de quando e de como era tão complicada que não tinha saída, Janaína cortou tudo com a espada e deixou cair no chão: nem André, nem João Guilherme, só Janaína, Janaína só.
Da última vez que falamos, poucas semanas antes da minha formatura, ela ainda parecia tão vivaz, tão cheia das bocas e caras que sempre me deixaram tão à vontade de estar com ela, mas também confusa e abatida entre um assunto e outro, enquanto que cada sugestão parecia deixá-la imensamente cansada. Claro, desta última vez estava bem grande a franja.
Quando eu a vi na rua, de repente, a franja já tinha desaparecido. Compondo sua face engajada no mundo de escritórios onde saias laranja e grená são absurdas, Janaína Brulhures estava vestida de mulher para ser levada a sério, pois é sério o fato de no seu coração não haver mais amor nenhum, estava num luto, portanto, e foi assim que sua imagem me pareceu no fim de dia chuvoso e frio do fim do verão. E como o verão, que acaba sem se importar com os órfãos, aquela abundância de amor e desejo de tudo foi embora sem se importar com o sofrimento que sobraria e das marcas de ausência que deixaria na pele dela para provar a audácia de querer toda a felicidade e além.
terça-feira, março 01, 2005
Além do Bojador
Penso nas ambições guardadas dentro do peito. Em segredo imagino que elas conversam entre si. Discutem sobre seus pais: as paixões de que nasceram; elogiam-se mutuamente, guardando uma inveja secreta; riem todas juntas quando aquele que as hospeda no nicho mais sagrado da sua alma resolve alimentar a qualquer delas; choram todas juntas quando esse anfitrião expulsa alguma do coração, deixando-o mais leve, e talvez mais perdido também.
Ambicionar fortuna, reconhecimento, beleza, felicidade... ambicionar ou simplesmente viver, opções igualmente perigosas e igualmente tentadoras. Como seria confortável não desejar nada além de repouso, alimento e sexo: as três necessidades essenciais de um ser humano. De outro lado, as paixões que temos fazem as ambições nossas senhoras e obedecemos cegamente, porque de alguma maneira é prazeroso satisfazer às paixões e ver-nos maiores ou melhores que os outros.
E por ver tanta radicalidade nas coisas do mundo, tanta opressão sem poesia e sem fé, há momentos que sinto toda essa tristeza em mim. Penso na pobreza, na exclusão social, na ignorância, na luxúria, no orgulho, na malícia... um rio imenso, de perder de vista a outra margem, seguindo rumo a um mar não alcança, segue sempre cheio de sujeira, sempre poluído, sempre carregado de determinismo e lágrimas de chumbo.
Suspiro, relaxo, vejo alguma beleza e tento levantar os olhos, e então lembro da minha menina que é sempre tão doce comigo, tão sincera, tão querida. Talvez a rapidez dessa alegria fosse capaz de me tirar da grande cilada da autocompaixão, mas eu morro de medo de trazê-la para dentro desta espiral assassina que gira sem parar dentro da minha cabeça. Incluir seus doces sonhos nas estantes onde repousam as cinzas do que um dia foram os meus, e dar aos seus olhos a visão generosa de não ter medo de nada, ah! visão que eu persigo com tanta sanha! Paixão de ter paz.
Fica bem quietinha cá comigo, entretanto. Fica comigo que através dos olhos dela busco a alavanca que faça parar essa espiral de medo, busco essa resposta para o meu desassossego de não saber, mergulho sem dizer uma palavra na generosidade do seu coração e lá do fundo escuto ecos amorosos que aquecem o frio impertinente da madrugada da minha vida e repetem docemente aquelas suas palavras: "não se preocupe."
A paixão, desta segurança de sentir o amor, desperta a ambição de alimentá-la com todos os esforços, nutri-la de cuidados, cercá-la de zelo e de atenção, submetê-la à fabrica de sonhos da cabeça e fazer surgir dela um lindo adereço para minha vida que traga o nome do meu amor gravado com bastante destaque para que sempre que eu olhe para ele saiba que não preciso mais ter medo de andar pelos becos escuros sem ter a quem perguntar: "o que faço com a minha vida?"
Eu sei, sabendo isso com grande felicidade, que ela diria "vive, simplesmente vive", daí, mais leve por abandonar outra ambição má enquanto abraçava essa nova não menos perigosa, eu viveria além do Bojador e talvez além da dor de sentir.
Hoje, num espetáculo quase demente, minhas ambições choram e riem ao mesmo tempo.
Ambicionar fortuna, reconhecimento, beleza, felicidade... ambicionar ou simplesmente viver, opções igualmente perigosas e igualmente tentadoras. Como seria confortável não desejar nada além de repouso, alimento e sexo: as três necessidades essenciais de um ser humano. De outro lado, as paixões que temos fazem as ambições nossas senhoras e obedecemos cegamente, porque de alguma maneira é prazeroso satisfazer às paixões e ver-nos maiores ou melhores que os outros.
E por ver tanta radicalidade nas coisas do mundo, tanta opressão sem poesia e sem fé, há momentos que sinto toda essa tristeza em mim. Penso na pobreza, na exclusão social, na ignorância, na luxúria, no orgulho, na malícia... um rio imenso, de perder de vista a outra margem, seguindo rumo a um mar não alcança, segue sempre cheio de sujeira, sempre poluído, sempre carregado de determinismo e lágrimas de chumbo.
Suspiro, relaxo, vejo alguma beleza e tento levantar os olhos, e então lembro da minha menina que é sempre tão doce comigo, tão sincera, tão querida. Talvez a rapidez dessa alegria fosse capaz de me tirar da grande cilada da autocompaixão, mas eu morro de medo de trazê-la para dentro desta espiral assassina que gira sem parar dentro da minha cabeça. Incluir seus doces sonhos nas estantes onde repousam as cinzas do que um dia foram os meus, e dar aos seus olhos a visão generosa de não ter medo de nada, ah! visão que eu persigo com tanta sanha! Paixão de ter paz.
Fica bem quietinha cá comigo, entretanto. Fica comigo que através dos olhos dela busco a alavanca que faça parar essa espiral de medo, busco essa resposta para o meu desassossego de não saber, mergulho sem dizer uma palavra na generosidade do seu coração e lá do fundo escuto ecos amorosos que aquecem o frio impertinente da madrugada da minha vida e repetem docemente aquelas suas palavras: "não se preocupe."
A paixão, desta segurança de sentir o amor, desperta a ambição de alimentá-la com todos os esforços, nutri-la de cuidados, cercá-la de zelo e de atenção, submetê-la à fabrica de sonhos da cabeça e fazer surgir dela um lindo adereço para minha vida que traga o nome do meu amor gravado com bastante destaque para que sempre que eu olhe para ele saiba que não preciso mais ter medo de andar pelos becos escuros sem ter a quem perguntar: "o que faço com a minha vida?"
Eu sei, sabendo isso com grande felicidade, que ela diria "vive, simplesmente vive", daí, mais leve por abandonar outra ambição má enquanto abraçava essa nova não menos perigosa, eu viveria além do Bojador e talvez além da dor de sentir.
Hoje, num espetáculo quase demente, minhas ambições choram e riem ao mesmo tempo.
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