Fui a Conselheiro Lafaeite por razões profissionais na semana passada. Ao clamor de um prezado nosso cliente de que o inventário de partilha de sua mulher estava a arrastar-se demais, resolvemos que era preciso falar diretamente com o senhor juiz da 4ª Vara Cível daquela comarca.
Ao providenciar o recolhimento das custas para expedição do formal de partilha, providência da prache processual para o caso de terminar um processo de inventário, onde reparte-se uma herança.
O belo fórum da cidade, já agora envelhecido e prestes a ser substituído por uma sede mais moderna, foi palco de um inesperado reencontro. Ninguém mais que um velho colega de Juiz de Fora, e com qual surpresa não reconheci aquela sua figura no corredor do velho edifício! Márcio Motta, a quem Roberto certa vez deu um apelido um tanto quanto engraçado, mas que vou omitir, por respeito.
Tinha então terminado a faculdade de direito e, não optando por uma carteira, fazia uso dos conhecimentos que encerravam o título seu de bacharel em direito, como funcionário da 3ª Vara Cível daquela comarca.
Cumprimentei e convidei para ir aos copos depois do trabalho, mas lembrei que teria de voltar a Belo Horizonte. Ficamos a falar no corredor por algo como 20 minutos. Falei do início da vida profissional, já o meu antigo colega falou da sua nova cidade, do incerto futuro profissional, visto que as medidas do Conselho Nacional de Justiça já entrariam logo em vigor e os funcionários do Tribunal de Justiça que não fossem concursados seriam todos exonerados, o que seria provavelmente o seu caso. Nessa hora fiquei mesmo algo preocupado por ele, tinha a testa plena de tensão, como ele mesmo ao demonstrar pena de si mesmo com o gesto. Sua vaidade era quase divertida.
Enfim falamos de nossa vida em Juiz de Fora: nossos amigos comuns e nossas competições. Mesmo após 5 anos, ele guardou intactas sua inveja e o seu rancor e logo a felicidade de rever um rosto conhecido de Juiz de Fora foi substituída pela decepção e pelo desprezo por ele.
Logo procurei me culpar por julgá-lo... mas independente de como os outros agem, já não suporto inveja ou rancor, que se querem ter algum vício, que procurem um menos destrutivo.
Todo o resto do dia andei advogando pela causa de encerrar o processo de inventário, no que tive sucesso e retornei a Belo Horizonte com o formal de partilha e minha sentença contra o velho colega. A minha moral pede sempre originalidade.
domingo, janeiro 29, 2006
quarta-feira, dezembro 28, 2005
Um sorriso amigo
De longe, do outro lado da rua, vi uma moça a sorrir para mim e assim, como que intrigado com aquilo sorri de volta esperando perceber o que se tratava e reconheci imediatamente que tratava-se de uma amiga querido, que já há algum tempo não via.
Ela seguiu seu percurso, também eu segui o meu, mas acho que ambos, após aqueles acenos, seguimos diferentes.
Como as marcas dos pés pelo caminho maleável, também caminhou por cima de mim aquela presença, de corpo pesado, de simbologia rica e marcados traços inesquecíveis, traços de quem sabe amar à absurda potência de não mais medir, de quem soube arranhar e depois encobrir delicados palmos de coração puro.
Conseguiu finalmente sair da casa dos pais, sonho antigo que já nutria, para hoje ir viver em Ouro Preto, onde estuda história, querendo, entretanto, ser psicóloga, paradoxos sem nexo, tão típicos que quase dão tédio, não fosse a constante do seu encanto mágico e o despudor da sua coragem, generosa areia de colorir nas cenas bem compostas em que despreza os que se aproximam demais.
Imagino a composição delicada da sua presença em Ouro Preto, sua vida em Mariana... seu respeito pelo órgão que a matriz guarda, preciosidade da primeira cidade de Minas, assim como seu bem estar na praça próxima ao bispado, suas reflexões a caminho e junto da igreja do Rosário, tão simples e tão feia... Em Vila Rica imagino-a a se misturar com a beleza da cidade, com a desenvolutra das ruas, a certeza dos cheiros, a boa ostentação de não ser rei mas ainda ter toda a majestade. Eu, que tantas vezes contei pra ela da mística dessa cidade, fico agora imaginando-a nos caminhos que emoldurarm meus sonhos mais felizes.
Meu encontro, a fazer mais fundo esse e tantos desencontros, foi da mais genuina nostalgia que se pode imaginar. Foi bom ver marte a olho nu no horto florestal e conversar sobre julgar os outros. Curtia imenso as formas da sua mão, aturava seus discos baratos tentando doutriná-la a ser menos agressiva, andávamos então compassados, como um buquê bem costurado, fazia boa figura ver-nos juntos.
Na rua, assim separados, pessoas já tão diferentes, talvez teria sido melhor chorar, pois não havia mais graça em nós, havia esta forma de aparência, que traz consigo um memória, este algo que com mais certeza pode-se considerar o que fui e o que minha amiga foi.
Imaginando o contrangimento que seria chorar em público, ela, muito coerentemente, preferiu sorrir, forçando talvez alegria, e eu, bem mais de surpresa do que pela reação adequada, sorri de volta, mais comedido.
Ela seguiu seu percurso, também eu segui o meu, mas acho que ambos, após aqueles acenos, seguimos diferentes.
Como as marcas dos pés pelo caminho maleável, também caminhou por cima de mim aquela presença, de corpo pesado, de simbologia rica e marcados traços inesquecíveis, traços de quem sabe amar à absurda potência de não mais medir, de quem soube arranhar e depois encobrir delicados palmos de coração puro.
Conseguiu finalmente sair da casa dos pais, sonho antigo que já nutria, para hoje ir viver em Ouro Preto, onde estuda história, querendo, entretanto, ser psicóloga, paradoxos sem nexo, tão típicos que quase dão tédio, não fosse a constante do seu encanto mágico e o despudor da sua coragem, generosa areia de colorir nas cenas bem compostas em que despreza os que se aproximam demais.
Imagino a composição delicada da sua presença em Ouro Preto, sua vida em Mariana... seu respeito pelo órgão que a matriz guarda, preciosidade da primeira cidade de Minas, assim como seu bem estar na praça próxima ao bispado, suas reflexões a caminho e junto da igreja do Rosário, tão simples e tão feia... Em Vila Rica imagino-a a se misturar com a beleza da cidade, com a desenvolutra das ruas, a certeza dos cheiros, a boa ostentação de não ser rei mas ainda ter toda a majestade. Eu, que tantas vezes contei pra ela da mística dessa cidade, fico agora imaginando-a nos caminhos que emoldurarm meus sonhos mais felizes.
Meu encontro, a fazer mais fundo esse e tantos desencontros, foi da mais genuina nostalgia que se pode imaginar. Foi bom ver marte a olho nu no horto florestal e conversar sobre julgar os outros. Curtia imenso as formas da sua mão, aturava seus discos baratos tentando doutriná-la a ser menos agressiva, andávamos então compassados, como um buquê bem costurado, fazia boa figura ver-nos juntos.
Na rua, assim separados, pessoas já tão diferentes, talvez teria sido melhor chorar, pois não havia mais graça em nós, havia esta forma de aparência, que traz consigo um memória, este algo que com mais certeza pode-se considerar o que fui e o que minha amiga foi.
Imaginando o contrangimento que seria chorar em público, ela, muito coerentemente, preferiu sorrir, forçando talvez alegria, e eu, bem mais de surpresa do que pela reação adequada, sorri de volta, mais comedido.
sábado, dezembro 24, 2005
Em transe
Contaram-me hoje de manhã o caso e assim, só hoje, por honestidade e dever cívico, comunico em crônica a incrível aventura que me foi relatada.
Disseram-me que dois homens entraram bastante determinados e com um talão de dívidas numa velha casa com fachada do início do século passado, paredes caiadas já de um tom mais acinzentado, cheiro usual de lugar habitado por dezenas de anos seguidos. Procuravam por uma moradora famosa do prédio chamada Eleonora Ricarda. De sua fama, sabe-se que conhece feitiços e domina o míster de fazê-los e disfazê-los através de invervenções bizarras. Para uns, motivo de riso, para outros uma mulher estranhamente convicta de seu trabalho e cuja fama era devida de fato.
Sentaram e esperaram. O mais novo era gerente, tinha 32 anos e era tão magro que a cara suada e puxada para junto dos ossos fazia lembrar o famoso poeta mineiro já na velhice, Carlos Drummond. O outro era mais alto e mais velho, tinha porte de urso e uma calvice declarada mas ainda não vencedora: apenas a frente estava pelada, fazendo-o parecer ter uma grande testa: era o dono da empresa e quem enfim, devia mesmo ter o pescoço junto à faca dos agiotas.
Após vinte minutos, já habituados ao cheiro de insenso e à constante brisa fria que vinha de um pátio interior, surgiu uma mulher madura e com olhar de víbora a mirá-los com a mão na cintura: "Sim, senhores, desejam algo?", ao que coube ao empresário responder "Tenho dívidas e não tenho como pagar, preciso de uma solução". Talvez fosse melhor ter tentado renegociar as dívidas, talvez fosse melhor ter conversado pessoalmente com cada credor, ou ainda ter tentado substituir todas por uma dívida única junto a algum banco, entretanto, pensava o homem grande, era melhor procurar um fim definitivo para seus credores.
A mulher escutou o relato sobre os problemas econômicos, dos juros injustos, das ofensas pessoais. Foi ouvindo e concordando com a cabeça, mas sem evitar que as pontas da boca ensaiassem um sorriso de deboche, nada que os aflitos senhores percebessem.
Fê-los entrar na sua sala de esforços sobrenaturais. Sentaram-se ambos num grande sofá de veludo vermelho, de um tom próximo à cor do vinho.
Caberiam confortavelmente sentados 5 distintos senhores naquele sofá, mas aqueles seus então ocupantes não notaram seu tamanho avantajado, os seus olhares eram da decoração algo exageradamente mística e exotérica, algo estranha aos místeres burgueses. No fim conformaram-se e voltaram a atenção à voz que lhes dirigia Eleonora Ricarda: concluiram que quem procura uma ocultista tem mesmo de se deparar com coisas que se ocultam!
A senhora pediu-lhes que fechassem os olhos e deu-lhes um forte incenso para que cheirassem. Deveriam tomar uma profunda aspiração da fumaça, vezes seguidas e assim, no fim do processo, estavam inebriados, a revirar os olhos e a sorrir compulsivamente, a ser exageradamente francos, muito menos do que gostariam.
Contaram seus pecados, vergonhas, detalharam planos maus de exploração e depravação sexual, debocharam de alguns devotados amigos e reconheceram suas dívidas como justas. Ainda em transe ela perguntou se se arrependiam de alguma coisa, mas eles pareciam felizes em contar aquelas coisas, como se a ausência dos freios sociais lhes possibilitassem a relalização do antigo sonho de se gabar do mau que fizeram.
Quando dispertaram do sonho, Eleonora disse-lhes que na manhã seguinte não teriam mais que se preocupar com dívidas, que estaria tudo resolvido em relação àqueles credores.
Na manhã seguinte ambos os distintos senhores amanheceram mortos: o coração de ambos estourou de madrugada.
Disseram-me que dois homens entraram bastante determinados e com um talão de dívidas numa velha casa com fachada do início do século passado, paredes caiadas já de um tom mais acinzentado, cheiro usual de lugar habitado por dezenas de anos seguidos. Procuravam por uma moradora famosa do prédio chamada Eleonora Ricarda. De sua fama, sabe-se que conhece feitiços e domina o míster de fazê-los e disfazê-los através de invervenções bizarras. Para uns, motivo de riso, para outros uma mulher estranhamente convicta de seu trabalho e cuja fama era devida de fato.
Sentaram e esperaram. O mais novo era gerente, tinha 32 anos e era tão magro que a cara suada e puxada para junto dos ossos fazia lembrar o famoso poeta mineiro já na velhice, Carlos Drummond. O outro era mais alto e mais velho, tinha porte de urso e uma calvice declarada mas ainda não vencedora: apenas a frente estava pelada, fazendo-o parecer ter uma grande testa: era o dono da empresa e quem enfim, devia mesmo ter o pescoço junto à faca dos agiotas.
Após vinte minutos, já habituados ao cheiro de insenso e à constante brisa fria que vinha de um pátio interior, surgiu uma mulher madura e com olhar de víbora a mirá-los com a mão na cintura: "Sim, senhores, desejam algo?", ao que coube ao empresário responder "Tenho dívidas e não tenho como pagar, preciso de uma solução". Talvez fosse melhor ter tentado renegociar as dívidas, talvez fosse melhor ter conversado pessoalmente com cada credor, ou ainda ter tentado substituir todas por uma dívida única junto a algum banco, entretanto, pensava o homem grande, era melhor procurar um fim definitivo para seus credores.
A mulher escutou o relato sobre os problemas econômicos, dos juros injustos, das ofensas pessoais. Foi ouvindo e concordando com a cabeça, mas sem evitar que as pontas da boca ensaiassem um sorriso de deboche, nada que os aflitos senhores percebessem.
Fê-los entrar na sua sala de esforços sobrenaturais. Sentaram-se ambos num grande sofá de veludo vermelho, de um tom próximo à cor do vinho.
Caberiam confortavelmente sentados 5 distintos senhores naquele sofá, mas aqueles seus então ocupantes não notaram seu tamanho avantajado, os seus olhares eram da decoração algo exageradamente mística e exotérica, algo estranha aos místeres burgueses. No fim conformaram-se e voltaram a atenção à voz que lhes dirigia Eleonora Ricarda: concluiram que quem procura uma ocultista tem mesmo de se deparar com coisas que se ocultam!
A senhora pediu-lhes que fechassem os olhos e deu-lhes um forte incenso para que cheirassem. Deveriam tomar uma profunda aspiração da fumaça, vezes seguidas e assim, no fim do processo, estavam inebriados, a revirar os olhos e a sorrir compulsivamente, a ser exageradamente francos, muito menos do que gostariam.
Contaram seus pecados, vergonhas, detalharam planos maus de exploração e depravação sexual, debocharam de alguns devotados amigos e reconheceram suas dívidas como justas. Ainda em transe ela perguntou se se arrependiam de alguma coisa, mas eles pareciam felizes em contar aquelas coisas, como se a ausência dos freios sociais lhes possibilitassem a relalização do antigo sonho de se gabar do mau que fizeram.
Quando dispertaram do sonho, Eleonora disse-lhes que na manhã seguinte não teriam mais que se preocupar com dívidas, que estaria tudo resolvido em relação àqueles credores.
Na manhã seguinte ambos os distintos senhores amanheceram mortos: o coração de ambos estourou de madrugada.
terça-feira, dezembro 20, 2005
Símbolos do natal
A praça da liberdade já está bonitamente adornada para o Natal! Cuidou com capricho o governo estadual e a companhia de luz de Minas Gerais de fazer da alameda que corta a praça, ligando em linha reta o fim da rua João Pinheiro e as portas do Palácio da Liberdade, o passeio do amor, visto que há corações luminosos em fila. O restante da praça também está decorada, mas com luzinhas normais, sem atropelos maiores, numa harmonia que é bonita, porque nesses dias de chuva sua luz reflete no parelepídedo molhado, deixando tudo pleno do espírito de esperança que o nascimento do Salvador faz renovar.
Talvez tenha ficado parecido com bandeirolas de festas juninas... enfim, originalidade é, antes de tudo, não ter vergonha de ser como se é, e somos mineiros.
Também na praça Sete de Setembro e na rua Rio de Janeiro há decoração, esta providenciada pelo Município. Muito feinha, infelizmente. Junto à mendicância local e a pressa dos transeuntes, somado a isso, o aspecto de decadência do centro da cidade faz parecer que o adorno é um deboche.
A poucas quadras de distância um lugar do outro: um majestoso e romântico o outro de mal gosto, debochado, ambos remetem a um novo natal e a mais um natal.
Enquanto novo e cheio de esperança, o natal aproxima-se em espectativas boas de seu significado, boa nova, enfim. Já como mais um natal, estima-se o pesar consumista da data, com significados superficiais, marcado por comemorações do comércio que pela data esperava salivando, marcado ainda pelas campanhas filantrópica circunstânciais que nada resolvem em definitivo, assim, é mais um natal.
Lamentem ou não, o povo não pratica religião com tanta devoção como já se fez um dia. Claro que há igrejas cheias e somos em maioria absoluta cristãos, mas aquela devoção natural, aquela fé cheia de amor, isso não vejo, principalmente não vejo a identificação desse amor à Deus e o natal, justamente expressão da verdadeira fé.
Hodiernamente, a cultura de consumo elenca como valores as piadas rápidas e divertidas, mesmo que imorais, e a ostentação. Deus não gera lucros senão para essas pseudo religiões que promovem a chamada "extorsão da fé" com suas absurdas cobranças de dízimos, protegidas pela proteção constitucional à liberdade de culto, mas esses abusos logo serão cerceados. Com exceção, portanto, dos "extorquidores da fé" e talvez das livrarias religiosas, Deus não dá muito lucro. Mitos vindos da religião, entretanto.
Assim se dá com a Páscoa em alguma escala, mas sobretudo com o Natal. Enraizadas no gosto popular justamente pela fé que simbolizam no Novo Testamento, qual seja, a da paixão do Salvador e de seu nascimento, respectivamente, essas datas lembram apenas palidamente esses momentos, sobretudo quando das reportagens sobre presépios feitos de algum material curioso ou da encenação da crucificação por algum filipino radical.
Vivemos o tempo de ser filho do amor e da ira, com a decadência dos seculares conceitos morais para emersão uma ética sem balizas visíveis em que os pobres, também acometidos no íntimo pelo falta de prática da religião, enxergam mais claramente sua situação de submissão e exclusão, talvez aqui a única conseqüência boa do "mais um natal", mas ainda assim é ruim, pois se por um lado não são apaixonados por Deus, por outro são apaixonados por consumir, como toda gente, e daí sua falta de fé só serve para romper as amarras que a piedade coloca à violência.
Gosto dos corações luminosos na praça da Liberdade, não é decoração de centro comercial, é símbolo do amor, mas nem todos vêem assim. Talvez se houvesse lojas na praça parecesse menos estranho a esses mais radicais consumistas de natal.
Nesse novo natal, que todos renovem seus votos de amor ao próximo, de mitigação do egoísmo, de devoção à verdade, ao perdão e à humildade: foi a isso que veio o menino que nasceu no dia 25 e é isso que se deve celebrar.
Talvez tenha ficado parecido com bandeirolas de festas juninas... enfim, originalidade é, antes de tudo, não ter vergonha de ser como se é, e somos mineiros.
Também na praça Sete de Setembro e na rua Rio de Janeiro há decoração, esta providenciada pelo Município. Muito feinha, infelizmente. Junto à mendicância local e a pressa dos transeuntes, somado a isso, o aspecto de decadência do centro da cidade faz parecer que o adorno é um deboche.
A poucas quadras de distância um lugar do outro: um majestoso e romântico o outro de mal gosto, debochado, ambos remetem a um novo natal e a mais um natal.
Enquanto novo e cheio de esperança, o natal aproxima-se em espectativas boas de seu significado, boa nova, enfim. Já como mais um natal, estima-se o pesar consumista da data, com significados superficiais, marcado por comemorações do comércio que pela data esperava salivando, marcado ainda pelas campanhas filantrópica circunstânciais que nada resolvem em definitivo, assim, é mais um natal.
Lamentem ou não, o povo não pratica religião com tanta devoção como já se fez um dia. Claro que há igrejas cheias e somos em maioria absoluta cristãos, mas aquela devoção natural, aquela fé cheia de amor, isso não vejo, principalmente não vejo a identificação desse amor à Deus e o natal, justamente expressão da verdadeira fé.
Hodiernamente, a cultura de consumo elenca como valores as piadas rápidas e divertidas, mesmo que imorais, e a ostentação. Deus não gera lucros senão para essas pseudo religiões que promovem a chamada "extorsão da fé" com suas absurdas cobranças de dízimos, protegidas pela proteção constitucional à liberdade de culto, mas esses abusos logo serão cerceados. Com exceção, portanto, dos "extorquidores da fé" e talvez das livrarias religiosas, Deus não dá muito lucro. Mitos vindos da religião, entretanto.
Assim se dá com a Páscoa em alguma escala, mas sobretudo com o Natal. Enraizadas no gosto popular justamente pela fé que simbolizam no Novo Testamento, qual seja, a da paixão do Salvador e de seu nascimento, respectivamente, essas datas lembram apenas palidamente esses momentos, sobretudo quando das reportagens sobre presépios feitos de algum material curioso ou da encenação da crucificação por algum filipino radical.
Vivemos o tempo de ser filho do amor e da ira, com a decadência dos seculares conceitos morais para emersão uma ética sem balizas visíveis em que os pobres, também acometidos no íntimo pelo falta de prática da religião, enxergam mais claramente sua situação de submissão e exclusão, talvez aqui a única conseqüência boa do "mais um natal", mas ainda assim é ruim, pois se por um lado não são apaixonados por Deus, por outro são apaixonados por consumir, como toda gente, e daí sua falta de fé só serve para romper as amarras que a piedade coloca à violência.
Gosto dos corações luminosos na praça da Liberdade, não é decoração de centro comercial, é símbolo do amor, mas nem todos vêem assim. Talvez se houvesse lojas na praça parecesse menos estranho a esses mais radicais consumistas de natal.
Nesse novo natal, que todos renovem seus votos de amor ao próximo, de mitigação do egoísmo, de devoção à verdade, ao perdão e à humildade: foi a isso que veio o menino que nasceu no dia 25 e é isso que se deve celebrar.
terça-feira, dezembro 06, 2005
Nostalgia e remelas
Não quero cantar a minha cidade, quero deixá-la em paz. O cimento frio e duro de suas casas, o desenho de suas calçadas portuguesas, o frescor indescritível dos meus sorrisos à avenida Rio Branco... tudo isso continua existindo, mesmo quanto ao frescor dos sorrisos, pois é certo que outros estudantes me sucederam nesse deslumbramento.
Nas fotografias dos meus amigos a moldura dos momentos é essa cidade distante que parece hoje significar ser também uma amiga, já que foi o gigantesco picadeiro desses graciosos números e, certamente porque foi um querido espetáculo viver entre os juizforanos e ser um deles, mas já vinha me esquecendo de grandes virtudes dos daquela cidade, como a hospitalidade e a tradição.
Apanhou-me pela orelha o avô de um colega de estágio que é juizforano e com quem conversei bastante nesse fim de semana durante um almoço em sua casa.
Como eu, foi aluno na Academia de Comércio e em seu escritório de advocacia ninguém menos que meu querido professor de Direito Civil, magistrado aposentado e hoje advogado, Israel Carone, foi seu estagiário!
A essas impressões meu pensamento considerava pesadamente sobre as ausências e da boa nostalgia de recordar invadiu um sentimento de perda que procurei disfarçar com sorrisos numa crescente sensação de sufoco. Salvou-me o tique do velho advogado, ao rir e levantar alto as duas sobrancelhas, algo que eu achei bastante engraçado, num impulso de estupidez, mas enfim serviu para distrair-me.
Conduzi a conversa para o futebol, falamos do Tupi Futebol Clube, tentei ir à literatura, falamos de Murilo Mendes e Pedro Nava, fugi correndo pedir abrigo à contra-cultura e falamos do apresentador Márcio Garcia e sua boate na Cidade Alta juizforana... Quase aceitei o roteiro, conformando-me a ver surgir rotas de lugares, caminhos marginais, a cidade do alto da Garganta do Dilermando a pedir de mim um simples mergulho nas suas entranhas e o eco do "eu não posso te amar" sobrou em mágoa e olheiras, no desespero de paixão assassinada que me deixou com um remorso imenso, tanto que olhei para fora, em direção à linda varanda, como quem ansiasse por ver nesse mesmo horizonte uma forca preparada para dar fim às humilhações. Não havia forca, tratei de perceber isso. Havia um lindo horizonte.
Percebi que causei algum espanto na gentil senhora, avó de meu amigo, quando esvaziei em menos de um minuto a tacinha de sorvete: aquela sobremesa separava-me da porta. Correr, correr para fora, era tudo que ordenavam meus pensamentos, mas há que se ter etiqueta à mesa. Pela precipitação ao tomar o sorvete, preferi aceitar outra taça a ter que explicar porque devorei com tanto desespero a primeira: sem dúvida era porque estava divino.
Aproveitei os instantes finais, o delicioso café passado na hora, para esquecer de boa vontade dessa ânsia em não perder, em acumular lembranças desmedidamente. Embora custem caro as mudanças e não haja na vida nada mais desconfortável, também não há nada que seja mais constante.
Em casa meditei profundamente sobre aquela querida cidade em que vivi. Lembrei-me de cada rua, praça, avenida, lembrei-me das casas onde vivi, dos familiares que deixei e das casas dos meus amigos, lembrei-me vivamente do meu colégio e da minha universidade, e depois de recordar-me vivamente dos sorrisos, percebi que era tolice lamentar que não os tinha, já que os tenho no coração e qualquer tristeza ou nostalgia os desmereceria.
À melancolia cheia de paixão da saudade, perpassam mais e mais os ventos de manhãs novas em ruas e pessoas que para mim são novas, nessa sempre nova capital mineira.
Nas fotografias dos meus amigos a moldura dos momentos é essa cidade distante que parece hoje significar ser também uma amiga, já que foi o gigantesco picadeiro desses graciosos números e, certamente porque foi um querido espetáculo viver entre os juizforanos e ser um deles, mas já vinha me esquecendo de grandes virtudes dos daquela cidade, como a hospitalidade e a tradição.
Apanhou-me pela orelha o avô de um colega de estágio que é juizforano e com quem conversei bastante nesse fim de semana durante um almoço em sua casa.
Como eu, foi aluno na Academia de Comércio e em seu escritório de advocacia ninguém menos que meu querido professor de Direito Civil, magistrado aposentado e hoje advogado, Israel Carone, foi seu estagiário!
A essas impressões meu pensamento considerava pesadamente sobre as ausências e da boa nostalgia de recordar invadiu um sentimento de perda que procurei disfarçar com sorrisos numa crescente sensação de sufoco. Salvou-me o tique do velho advogado, ao rir e levantar alto as duas sobrancelhas, algo que eu achei bastante engraçado, num impulso de estupidez, mas enfim serviu para distrair-me.
Conduzi a conversa para o futebol, falamos do Tupi Futebol Clube, tentei ir à literatura, falamos de Murilo Mendes e Pedro Nava, fugi correndo pedir abrigo à contra-cultura e falamos do apresentador Márcio Garcia e sua boate na Cidade Alta juizforana... Quase aceitei o roteiro, conformando-me a ver surgir rotas de lugares, caminhos marginais, a cidade do alto da Garganta do Dilermando a pedir de mim um simples mergulho nas suas entranhas e o eco do "eu não posso te amar" sobrou em mágoa e olheiras, no desespero de paixão assassinada que me deixou com um remorso imenso, tanto que olhei para fora, em direção à linda varanda, como quem ansiasse por ver nesse mesmo horizonte uma forca preparada para dar fim às humilhações. Não havia forca, tratei de perceber isso. Havia um lindo horizonte.
Percebi que causei algum espanto na gentil senhora, avó de meu amigo, quando esvaziei em menos de um minuto a tacinha de sorvete: aquela sobremesa separava-me da porta. Correr, correr para fora, era tudo que ordenavam meus pensamentos, mas há que se ter etiqueta à mesa. Pela precipitação ao tomar o sorvete, preferi aceitar outra taça a ter que explicar porque devorei com tanto desespero a primeira: sem dúvida era porque estava divino.
Aproveitei os instantes finais, o delicioso café passado na hora, para esquecer de boa vontade dessa ânsia em não perder, em acumular lembranças desmedidamente. Embora custem caro as mudanças e não haja na vida nada mais desconfortável, também não há nada que seja mais constante.
Em casa meditei profundamente sobre aquela querida cidade em que vivi. Lembrei-me de cada rua, praça, avenida, lembrei-me das casas onde vivi, dos familiares que deixei e das casas dos meus amigos, lembrei-me vivamente do meu colégio e da minha universidade, e depois de recordar-me vivamente dos sorrisos, percebi que era tolice lamentar que não os tinha, já que os tenho no coração e qualquer tristeza ou nostalgia os desmereceria.
À melancolia cheia de paixão da saudade, perpassam mais e mais os ventos de manhãs novas em ruas e pessoas que para mim são novas, nessa sempre nova capital mineira.
segunda-feira, novembro 28, 2005
O mundo todo é hostil
Pátria do mundo, eis a melhor definição do Brasil. Aqui há gente de todo lado, claro, mais brancos e pretos que de outra etnias, mas também acha-se amarelos, principalmente a vender pastéis e nas lavanderias e, claro, vendendo contrabando!
Os séculos de opressão contra o Brasil foram suficientes para, nesse tempo em que não existe sonho socialista possível a fazer frente ao sistema de exploração do homem pelo homem, insentivar um revanchismo tolo e cruel em muitos aspectos. Vivemos um tempo em que a fraternidade não é possível, não a pura fraternidade, de querer bem aos outros por convicção. É preciso querer bem ao próximo por obrigação.
Deste modo, o Estado brasileiro, como tantos outros, cria e implanta programas, leis, regras de comportamento dos funcionários e repartições públicas para implantar a fraternidade. Como eu disse antes, é uma política compensatória de fraternidade. Compensa-se aos negros por terem sido escravos, compensa-se as mulheres por terem sido subjugadas, compensa-se os paralíticos e outros deficientes por razões óbvias, compensa-se os velhos e crianças, por não terem forças suficientes para enfim deixarem de ser compensados!
Outra grande falácia do estado é o serviço de correios e telégrafos: no horário de almoço deviam estar com todos os guichês a atender, mas não é isso o que acontece, como ocorreu comigo no horário de almoço.
Tinha 15 minutos para postar uma correspondência. Pois bem, parece tempo suficiente, mas não quando se quer um regime de fraternidade obrigatória! Explico-me: com grande gentileza e calma, perguntei à atendente se tinha que ir à fila para comprar um selo postal que custa R 0,55. Sua resposta foi : "Claro! A fila é igual para todos!" Sua rispidez me assustou, mas retomei meu lugar na fila agradecendo. 25 minutos depois fui atendido e chegou junto de mim uma senhora que quis comprar três selos do que a atendente prontamente interrompeu meu atendimento e vendeu-lhe os selos sem sequer pedir-me licença. Indaguei dessa sua atitude, mas ela não respondeu de imediato, disse antes que não iria postar a carta porque o código postal estava errado, mas que iria me vender o selo e colou-o no envelope antes que eu a pudesse impedir. No fim disse ainda que eu não lhe deveria chamar a atenção porque a mulher era idosa e eu não, daí sua preferência, eu esclareci que tinha feito uma pergunta apenas e lhe recordei que tinha dito que a fila era igual para todos.
Fato é que, parafraseando George Orwell, uns são mais iguais que os outros! E para promover essa igualdade não se organizam debates públicos, não se incentiva o desapego do individualismo (fatal para o sistema de exploração do homem pelo homem), não se investe nas escolas públicas, nem se incentiva o povo a amar sinceramente. Tenta-se a fraternidade pela força, como um paradoxo difícil de engolir, louco como nosso tempo, cambaleante como o melhor whisky.
Não digo que velhos não mereçam cuidados especiais, principalmente mensalidades menores dos planos de saúde! Mas não os dispensaria de atividades que são plenamente aptos a realizar. Da mesma forma, cotas para negros em universidades públicas e idade menor para aposentadoria das mulheres: benefícios que não se justificam gratuitamente.
É deprimente que o Estado se debruce nessas compensações, onerando financeira e psicologicamente a parcela produtiva da população, como se estivesse a pagar uma "dívida" e ainda mais deprimente é o fato desses "beneficiados" calarem-se sobre seu desmerecimento particular para recebê-las.
Se todos não fossem tão agressivos para implantar a fraternidade, sob o prisma de uma desforra ancestral nada mais nobre que as velhas opressões, talvez ela fosse mais possível e enfim surgisse por si mesma.
Os séculos de opressão contra o Brasil foram suficientes para, nesse tempo em que não existe sonho socialista possível a fazer frente ao sistema de exploração do homem pelo homem, insentivar um revanchismo tolo e cruel em muitos aspectos. Vivemos um tempo em que a fraternidade não é possível, não a pura fraternidade, de querer bem aos outros por convicção. É preciso querer bem ao próximo por obrigação.
Deste modo, o Estado brasileiro, como tantos outros, cria e implanta programas, leis, regras de comportamento dos funcionários e repartições públicas para implantar a fraternidade. Como eu disse antes, é uma política compensatória de fraternidade. Compensa-se aos negros por terem sido escravos, compensa-se as mulheres por terem sido subjugadas, compensa-se os paralíticos e outros deficientes por razões óbvias, compensa-se os velhos e crianças, por não terem forças suficientes para enfim deixarem de ser compensados!
Outra grande falácia do estado é o serviço de correios e telégrafos: no horário de almoço deviam estar com todos os guichês a atender, mas não é isso o que acontece, como ocorreu comigo no horário de almoço.
Tinha 15 minutos para postar uma correspondência. Pois bem, parece tempo suficiente, mas não quando se quer um regime de fraternidade obrigatória! Explico-me: com grande gentileza e calma, perguntei à atendente se tinha que ir à fila para comprar um selo postal que custa R 0,55. Sua resposta foi : "Claro! A fila é igual para todos!" Sua rispidez me assustou, mas retomei meu lugar na fila agradecendo. 25 minutos depois fui atendido e chegou junto de mim uma senhora que quis comprar três selos do que a atendente prontamente interrompeu meu atendimento e vendeu-lhe os selos sem sequer pedir-me licença. Indaguei dessa sua atitude, mas ela não respondeu de imediato, disse antes que não iria postar a carta porque o código postal estava errado, mas que iria me vender o selo e colou-o no envelope antes que eu a pudesse impedir. No fim disse ainda que eu não lhe deveria chamar a atenção porque a mulher era idosa e eu não, daí sua preferência, eu esclareci que tinha feito uma pergunta apenas e lhe recordei que tinha dito que a fila era igual para todos.
Fato é que, parafraseando George Orwell, uns são mais iguais que os outros! E para promover essa igualdade não se organizam debates públicos, não se incentiva o desapego do individualismo (fatal para o sistema de exploração do homem pelo homem), não se investe nas escolas públicas, nem se incentiva o povo a amar sinceramente. Tenta-se a fraternidade pela força, como um paradoxo difícil de engolir, louco como nosso tempo, cambaleante como o melhor whisky.
Não digo que velhos não mereçam cuidados especiais, principalmente mensalidades menores dos planos de saúde! Mas não os dispensaria de atividades que são plenamente aptos a realizar. Da mesma forma, cotas para negros em universidades públicas e idade menor para aposentadoria das mulheres: benefícios que não se justificam gratuitamente.
É deprimente que o Estado se debruce nessas compensações, onerando financeira e psicologicamente a parcela produtiva da população, como se estivesse a pagar uma "dívida" e ainda mais deprimente é o fato desses "beneficiados" calarem-se sobre seu desmerecimento particular para recebê-las.
Se todos não fossem tão agressivos para implantar a fraternidade, sob o prisma de uma desforra ancestral nada mais nobre que as velhas opressões, talvez ela fosse mais possível e enfim surgisse por si mesma.
terça-feira, novembro 22, 2005
O Clube Atlético Mineiro
Gente a sorrir de felicidade e alívio. Não foi outra coisa que se viu no Mineirão no dia 20 de novembro. Enquanto os jogadores do Clube Atlético Mineiro esforçavam-se para garantir a vitória pelo placar mínimo, a imensa torcida suava junta, berrava e quase todos bastante bêbados, chingavam os adversários e o árbitro em gestos deselegantes para uma igreja ou um restaurante sociável, mas necessários a uma batalha verbal e apaixonada como a que se travou entre o Galo e o Coritiba: sem parar um instante de torcer e apoiar a equipe, sempre cantando o hino e com fé na vitória, a massa de atleticanos foi muito feliz nesse dia, de uma alegria pura e emocionante na sua sinceridade sem interesses. Uma das faixas foi emblemática desse sentimento, trazia o escudo do Atlético em forma de coração e em letras imensas dizia: "meu Galo, minha vida".
Lambão e generoso com os inimigos durante quase todo o campeonato brasileiro de 2005, o time do Galo encontra-se em estado de perigo, sob risco de ser rebaixado à segunda divisão do futebol do Brasil. Resultado alcançado por jogadores desmotivados, sem amor à camisa e mais que tudo por planejamento mal feito, o 1º campeão brasileiro agoniza tristemente.
No domingo, entretanto, houve algum alento: após duas boas vitórias longe de Belo Horizonte, contra o Paysandu e o Fluminense, foi a vez de vencer o Coritiba em casa para deixar a última posição do campeonato, mas ainda não a zona de rebaixamento, da qual tem que se livrar com uma combinação prodigiosa de resultados junto da série contínua de mais duas vitórias, contra o Clube de Regatas Vasco da Gama em Belo Horizonte e contra o Juventude em Caxias do Sul. Tarefa ingrata, a tomar-se pela fama de algoz que sempre faz valer o time da cruz de malta.
Isso tudo, entretanto, interessa muito mais aos matemáticos e dirigentes, além dos próprios jogadores, do que precisamente à torcida que encheu o estádio no domingo.
Entre os quase 40.000 torcedores, muitos havia que tinham tomado três ônibus, gastando mais de 2 horas para chegar, voltando para casa perto das 10 da noite, tendo que levantar às 4 e meia no outro dia para retomar a labuta. Mas naquelas horas de sacrifício que se seguiriam depois, quanta felicidade anestesiava ao relembrar o gol do Atlético e a certeza íntima e sagrada, inconfessável aos mais reservados, de que sua presença foi essencial à vitória, de que seu grito e seu sorriso alegraram os desmotivados, de que o Galo forte vingador que cantou tantas vezes junto da letra do hino, só existe enquanto time e torcida ungidos na fé neles mesmos e no futebol como desporto símbolo da virilidade, da amizade e da luta! Desta forma, os atleticanos fazem valer o seu ideal de vencer e de honrar o nome de Minas.
Lambão e generoso com os inimigos durante quase todo o campeonato brasileiro de 2005, o time do Galo encontra-se em estado de perigo, sob risco de ser rebaixado à segunda divisão do futebol do Brasil. Resultado alcançado por jogadores desmotivados, sem amor à camisa e mais que tudo por planejamento mal feito, o 1º campeão brasileiro agoniza tristemente.
No domingo, entretanto, houve algum alento: após duas boas vitórias longe de Belo Horizonte, contra o Paysandu e o Fluminense, foi a vez de vencer o Coritiba em casa para deixar a última posição do campeonato, mas ainda não a zona de rebaixamento, da qual tem que se livrar com uma combinação prodigiosa de resultados junto da série contínua de mais duas vitórias, contra o Clube de Regatas Vasco da Gama em Belo Horizonte e contra o Juventude em Caxias do Sul. Tarefa ingrata, a tomar-se pela fama de algoz que sempre faz valer o time da cruz de malta.
Isso tudo, entretanto, interessa muito mais aos matemáticos e dirigentes, além dos próprios jogadores, do que precisamente à torcida que encheu o estádio no domingo.
Entre os quase 40.000 torcedores, muitos havia que tinham tomado três ônibus, gastando mais de 2 horas para chegar, voltando para casa perto das 10 da noite, tendo que levantar às 4 e meia no outro dia para retomar a labuta. Mas naquelas horas de sacrifício que se seguiriam depois, quanta felicidade anestesiava ao relembrar o gol do Atlético e a certeza íntima e sagrada, inconfessável aos mais reservados, de que sua presença foi essencial à vitória, de que seu grito e seu sorriso alegraram os desmotivados, de que o Galo forte vingador que cantou tantas vezes junto da letra do hino, só existe enquanto time e torcida ungidos na fé neles mesmos e no futebol como desporto símbolo da virilidade, da amizade e da luta! Desta forma, os atleticanos fazem valer o seu ideal de vencer e de honrar o nome de Minas.
quarta-feira, novembro 16, 2005
Dezesseis de novembro
Uma candura e um apelo. Um sentir próprio das pessoas que amam sinceramente. Sente, sente a vida em todos os seus sentimentos, sente o amor que tem à sua volta e se regozija desta boa estabilidade de sentir.
Talvez deva lembrar suas feições de gentileza, cortesia e generosidade, cada uma de suas tão grandes e tão raras qualidades. Caberia ainda uma digressão exagerada sobre os seus diferentes sorrisos, cada qual com diferentes significados, e uma outra sobre seu cheiro, aquele que a brisa marinha influenciou, como um rochedo à beira mar que vai ficando liso com os séculos. Tudo isso não bastaria, pois é mais e maior que as metáforas, mesmo perfeitas e justas, sobre ela.
Surgem seus esforços de dedicação sempre precedidos de seu incomparável tato em não ferir. Constroem-se sua indizível pureza e seu pudor em ser de outra maneira, como dois componentes de uma só virtude. É ela mesma e isso dá muita alegria, pois de outro modo não seria tão doce, nem tão querida, nem tampouco o dia de hoje seria dezesseis de novembro.
É dia dos seus anos! Cometas a rasgar o céu desprevenido vêm dizer ao mundo que é para alegrar-se. Não é uma mártir dos pecados, mas redime o mundo de ser tão traiçoeiramente bobo e superficial.
Surpreendentemente habita os lugares improváveis. Por mais de uma vez já a surpreendi nos céus dos parques, nas esquinas tristes e distantes do centro da cidade, na saída do trabalho quando o tempo era bom e eu me senti enfim apto a apreciar o que quer que fosse. Lá estava essa moça, a sorrir diligentemente seu incomparável sorriso aos meus pensamentos, a trazer-me de volta das considerações mais absurdas sobre a condição humana, a resgatar-me sem saber de algum imaginário ou real degredo.
Além de mim, tantos outros se alegram. Seus pais, suas irmãs, seus colegas de trabalho, seus amigos, todos que a conhecem, hoje batem palmas! Alegram-se por tê-la por perto e por ela dividir com todos esses seus sorrisos e essas suas gentilezas, essa conversa cheia de interesses sinceros e preocupações justas, e sabem muito bem todos eles o quão especial ela é e como fica bonita quando um pouco preocupada!
Hoje queria beijá-la e dizer pessoalmente o quanto o futuro reproduzirá suas virtudes em felicidades e grande paz, que Deus há de garantir-lhe boa saúde, que todos os seus sempre se alegrarão mais e mais do seu convívio. Distante, todavia, reproduzo meus sentimentos nessa escrita e ambiciono coisas loucas!
Entre tudo, ambiciono um baile a mais para enfim conduzir seu corpo dançante entre as vias estelares de um salão sem estrelas (mas cheio de gente bêbada e ansiosa, mas enfim, há espaço para nós lá também!) E novamente poder fazê-la sorrir, talvez até gargalhar, construindo alguma alegria e tendo grande alegria, e então, como um mendigo satisfeito, não diria "Deus te abençoe", mas "que lindo sorriso!"
Talvez deva lembrar suas feições de gentileza, cortesia e generosidade, cada uma de suas tão grandes e tão raras qualidades. Caberia ainda uma digressão exagerada sobre os seus diferentes sorrisos, cada qual com diferentes significados, e uma outra sobre seu cheiro, aquele que a brisa marinha influenciou, como um rochedo à beira mar que vai ficando liso com os séculos. Tudo isso não bastaria, pois é mais e maior que as metáforas, mesmo perfeitas e justas, sobre ela.
Surgem seus esforços de dedicação sempre precedidos de seu incomparável tato em não ferir. Constroem-se sua indizível pureza e seu pudor em ser de outra maneira, como dois componentes de uma só virtude. É ela mesma e isso dá muita alegria, pois de outro modo não seria tão doce, nem tão querida, nem tampouco o dia de hoje seria dezesseis de novembro.
É dia dos seus anos! Cometas a rasgar o céu desprevenido vêm dizer ao mundo que é para alegrar-se. Não é uma mártir dos pecados, mas redime o mundo de ser tão traiçoeiramente bobo e superficial.
Surpreendentemente habita os lugares improváveis. Por mais de uma vez já a surpreendi nos céus dos parques, nas esquinas tristes e distantes do centro da cidade, na saída do trabalho quando o tempo era bom e eu me senti enfim apto a apreciar o que quer que fosse. Lá estava essa moça, a sorrir diligentemente seu incomparável sorriso aos meus pensamentos, a trazer-me de volta das considerações mais absurdas sobre a condição humana, a resgatar-me sem saber de algum imaginário ou real degredo.
Além de mim, tantos outros se alegram. Seus pais, suas irmãs, seus colegas de trabalho, seus amigos, todos que a conhecem, hoje batem palmas! Alegram-se por tê-la por perto e por ela dividir com todos esses seus sorrisos e essas suas gentilezas, essa conversa cheia de interesses sinceros e preocupações justas, e sabem muito bem todos eles o quão especial ela é e como fica bonita quando um pouco preocupada!
Hoje queria beijá-la e dizer pessoalmente o quanto o futuro reproduzirá suas virtudes em felicidades e grande paz, que Deus há de garantir-lhe boa saúde, que todos os seus sempre se alegrarão mais e mais do seu convívio. Distante, todavia, reproduzo meus sentimentos nessa escrita e ambiciono coisas loucas!
Entre tudo, ambiciono um baile a mais para enfim conduzir seu corpo dançante entre as vias estelares de um salão sem estrelas (mas cheio de gente bêbada e ansiosa, mas enfim, há espaço para nós lá também!) E novamente poder fazê-la sorrir, talvez até gargalhar, construindo alguma alegria e tendo grande alegria, e então, como um mendigo satisfeito, não diria "Deus te abençoe", mas "que lindo sorriso!"
sexta-feira, novembro 04, 2005
Fingi na hora rir
Desaprendi a ler daquele nosso jeito antigo. Fui apanhado pelos cabelos por um índio escalpeador, cortou-me essa capacidade. Agora leio literalidades. Prefiro não tomar sustos. Aos poucos vou me tornando um ridículo burguês, talvez seja isso mesmo.
Vamos partir em breve para um destino simples? Talvez vendam passagens pra esse lugar, mas não me refiro a nenhum entorpecente ou veneno... sem mormidez hoje, sem dramas simples. Eu gosto é do gasto.
Duas paralíticas vieram me pedir dinheiro para seu orfanato, perguntei se aceitavam amor, elas se ofenderam, achavam que eu estava debochando com alguma insinuação, mas na verdade eu estava na dúvida se aceitavam amor, porque os cartões de crédito, de todos os tipos, aceitavam. Claro que não daria o meu amor a elas, não tenho para dar, perguntei por curiosidade econômico-sentimental.
Tenho curiosidade, eis o meu mal. Curto imenso os limites das curvas, quando o carro vai capotar? Haverá sobreviventes? Continuará o carro em condições de funcionar bem depois? É impossível saber... essas curvas variam muito! Viva a geografia das nossas estradas que oferecem sempre curvas imprevisíveis. Descubro o corpo de seu cobertor e dou risadas inconvenientes, mas nunca a ponto de constranger... disso não gosto. Basta de ser curioso.
Bom mesmo seria não imaginar o amanhã, viver na realidade dos bichos, bom mesmo seria não ter tanto ideal, bom mesmo seria não ser escravo da paixão de quem sabe um dia vir a ser... sei lá o quê! E ter! Ter muito dessas coisas inúteis. E ter um amor também! Claro, um bem importante.
Será que ambicionar o amor assim é ser materialista? Será que uma moral reconstruída de um cristianismo burguês pode me livrar de ser tão tristemente tolo na conduta social? Será que ela me entende mesmo tão bem a ponto de amar? Meu Deus, amar! Que verbo desconjurado do que devia mesmo ser!
Amo mesmo é o verbo contemplar. Contemplo. Dentro de mim calo tudo. Sim, não digo, não vou dizer, não digo mesmo. Curto é calar. Sorrir e calar. Embriagar em silêncio, ver triunfar uma inércia boa que é um ensaio tosco do que será a inércia do meu cadáver por bastante tempo a apodrecer sem reação, abaixo duma lápide com gentilezas dos meus entes queridos escritas, mas deixemos desses pensamentos mórbidos que não os quero hoje.
Hoje quero uma tarde quente e uma cerveja, quero falar com os meus amigos queridos, quero sorrir um tanto grande antes de desmaiar chorando! E vinho, meu Deus, muito vinho para todos! Seria bom ser daqueles vinhos caseiros que se toma no Paraná! Quero amanhecer sem que o dia amanheça comigo. E antes dessa quase manhã, na madrugadinha prestes a ceder, ter certezas de que vai amanhecer para mim, afinal.
Se as moças paralíticas aceitassem uma taça de vinho e soubessem dessas coisas, talvez não ficassem tão ofendidas. Embora eu saiba que seu sorriso me deixaria muito mais triste, é melhor construí-los que dividir minha miséria... Uma miséria que dividida, apenas cresce.
Vamos partir em breve para um destino simples? Talvez vendam passagens pra esse lugar, mas não me refiro a nenhum entorpecente ou veneno... sem mormidez hoje, sem dramas simples. Eu gosto é do gasto.
Duas paralíticas vieram me pedir dinheiro para seu orfanato, perguntei se aceitavam amor, elas se ofenderam, achavam que eu estava debochando com alguma insinuação, mas na verdade eu estava na dúvida se aceitavam amor, porque os cartões de crédito, de todos os tipos, aceitavam. Claro que não daria o meu amor a elas, não tenho para dar, perguntei por curiosidade econômico-sentimental.
Tenho curiosidade, eis o meu mal. Curto imenso os limites das curvas, quando o carro vai capotar? Haverá sobreviventes? Continuará o carro em condições de funcionar bem depois? É impossível saber... essas curvas variam muito! Viva a geografia das nossas estradas que oferecem sempre curvas imprevisíveis. Descubro o corpo de seu cobertor e dou risadas inconvenientes, mas nunca a ponto de constranger... disso não gosto. Basta de ser curioso.
Bom mesmo seria não imaginar o amanhã, viver na realidade dos bichos, bom mesmo seria não ter tanto ideal, bom mesmo seria não ser escravo da paixão de quem sabe um dia vir a ser... sei lá o quê! E ter! Ter muito dessas coisas inúteis. E ter um amor também! Claro, um bem importante.
Será que ambicionar o amor assim é ser materialista? Será que uma moral reconstruída de um cristianismo burguês pode me livrar de ser tão tristemente tolo na conduta social? Será que ela me entende mesmo tão bem a ponto de amar? Meu Deus, amar! Que verbo desconjurado do que devia mesmo ser!
Amo mesmo é o verbo contemplar. Contemplo. Dentro de mim calo tudo. Sim, não digo, não vou dizer, não digo mesmo. Curto é calar. Sorrir e calar. Embriagar em silêncio, ver triunfar uma inércia boa que é um ensaio tosco do que será a inércia do meu cadáver por bastante tempo a apodrecer sem reação, abaixo duma lápide com gentilezas dos meus entes queridos escritas, mas deixemos desses pensamentos mórbidos que não os quero hoje.
Hoje quero uma tarde quente e uma cerveja, quero falar com os meus amigos queridos, quero sorrir um tanto grande antes de desmaiar chorando! E vinho, meu Deus, muito vinho para todos! Seria bom ser daqueles vinhos caseiros que se toma no Paraná! Quero amanhecer sem que o dia amanheça comigo. E antes dessa quase manhã, na madrugadinha prestes a ceder, ter certezas de que vai amanhecer para mim, afinal.
Se as moças paralíticas aceitassem uma taça de vinho e soubessem dessas coisas, talvez não ficassem tão ofendidas. Embora eu saiba que seu sorriso me deixaria muito mais triste, é melhor construí-los que dividir minha miséria... Uma miséria que dividida, apenas cresce.
quinta-feira, outubro 27, 2005
Sonhos secretos das sombras
Antes de ler o livro de Autran Dourado chamado "Uma vida em segredo" entabulava pensamentos de que tratava-se de um livro que discutiria alguma sorte de introspecção, ou então, alguma vida secreta! Algo interessante de se considerar ou emocionante de se ler se fosse também inteligente.
Li rapidamente o livro, um bom romance na verdade, mas nada do que esperava, talvez porque não houvesse nada oculto nele, nada do que eu imaginava e aí está o ponto.
O bom nome de batismo do romance, entretanto, ainda retumba no pensamento às vezes, principalmente quando algo pouco habitual revela as personalidades, aí sim desabrocham as vidas secretas.
Como foi da vez em que visitando um advogado no domingo, descobri que sua grande paixão era a horta do quintal: lá cultivava cebolinha, alface, pimentão, tomates, couve entre outras hortaliças. Tudo muito bem cuidado. Perguntei, talvez para brincar, se não confiava nas alfaces que se vendem no supermerados ou feiras, pelos agrotóxicos que são usados, e ele disse que também ele usava alguns! Gostava da horta porque lembrava-lhe o pai lavrador e enfim por amor à terra.
Questiono-me se não é assim que vivem as nossas sombras, a sonhar que podemos fazer o que por uma razão ou outra estamos impedidos, no todo ou em parte, de fazer. Talvez a sombra desse advogado nas varas criminais não acompanhasse verdadeiramente a leitura atenta dos autos de algum processo, ou as vociferações de defesa em que se clamava a piedade pessoal do magistrado, sua consideração pelo gênero humano e por fim ao próprio Deus. Talvez essa sombra estive a sonhar em desprender-se daqueles gestos para, disfarçadamente, imitar na sua expressão na parede ou no canto do corredor, alguém com uma enxada, a limpar em volta das alfaces vermes ou outras pragas. Talvez as sombras estejam secretamente ansiando pela revelação de uma vida em segredo.
Fato não questionável, entretanto, é o de que esse advogado adora defender acusados de crimes e talvez essa custosa ocupação seja recompensada nas horas de relaxamento na horta. As sombras aguardam sem muita ansiedade.
Outra vida secreta é a dos adúlteros, essa danosa à sociedade, na medida em que a promessa de fidelidade é descumprida, mas foquemos nos sentimentos verdadeiros do adúltero: desejo por outra mulher, prazer de estar com ela ou a aventura de parecer que não tem responsabilidades. Tudo isso é sonhado pela sombra dele ao entrar no quarto de casa e dizer "boa noite" à esposa acordada à espera. Talvez se sua mulher conseguisse desviar os olhos de cólera da camisa amaçada para a sombra fosca na parede conseguisse perceber mais evidências do que suspeita como atividades extralaborativas do marido. Mas as sombras não são percebidas por sentimentos violentos, temos aí então outra característica delas: para lê-las é preciso não levar nada muito a sério, as vidas em segredo não gostam dessa seriedade dos donos de sombra!
Talvez se houvesse qualquer coisa de sombra na "uma vida em segredo" o romance poderia me ter impressionado mais. Nos segredos, nas sombras e nos sonhos, há coisas insuspeitas, surpreendentemente bem guardadas nessas palavras imaginadas, abstrações do mundo dos donos de sombra. Mas, talvez por essa mesma essência, dificilmente nossas sombras revelam-se ou revelam-nos, silenciosamente sonham por nós.
Li rapidamente o livro, um bom romance na verdade, mas nada do que esperava, talvez porque não houvesse nada oculto nele, nada do que eu imaginava e aí está o ponto.
O bom nome de batismo do romance, entretanto, ainda retumba no pensamento às vezes, principalmente quando algo pouco habitual revela as personalidades, aí sim desabrocham as vidas secretas.
Como foi da vez em que visitando um advogado no domingo, descobri que sua grande paixão era a horta do quintal: lá cultivava cebolinha, alface, pimentão, tomates, couve entre outras hortaliças. Tudo muito bem cuidado. Perguntei, talvez para brincar, se não confiava nas alfaces que se vendem no supermerados ou feiras, pelos agrotóxicos que são usados, e ele disse que também ele usava alguns! Gostava da horta porque lembrava-lhe o pai lavrador e enfim por amor à terra.
Questiono-me se não é assim que vivem as nossas sombras, a sonhar que podemos fazer o que por uma razão ou outra estamos impedidos, no todo ou em parte, de fazer. Talvez a sombra desse advogado nas varas criminais não acompanhasse verdadeiramente a leitura atenta dos autos de algum processo, ou as vociferações de defesa em que se clamava a piedade pessoal do magistrado, sua consideração pelo gênero humano e por fim ao próprio Deus. Talvez essa sombra estive a sonhar em desprender-se daqueles gestos para, disfarçadamente, imitar na sua expressão na parede ou no canto do corredor, alguém com uma enxada, a limpar em volta das alfaces vermes ou outras pragas. Talvez as sombras estejam secretamente ansiando pela revelação de uma vida em segredo.
Fato não questionável, entretanto, é o de que esse advogado adora defender acusados de crimes e talvez essa custosa ocupação seja recompensada nas horas de relaxamento na horta. As sombras aguardam sem muita ansiedade.
Outra vida secreta é a dos adúlteros, essa danosa à sociedade, na medida em que a promessa de fidelidade é descumprida, mas foquemos nos sentimentos verdadeiros do adúltero: desejo por outra mulher, prazer de estar com ela ou a aventura de parecer que não tem responsabilidades. Tudo isso é sonhado pela sombra dele ao entrar no quarto de casa e dizer "boa noite" à esposa acordada à espera. Talvez se sua mulher conseguisse desviar os olhos de cólera da camisa amaçada para a sombra fosca na parede conseguisse perceber mais evidências do que suspeita como atividades extralaborativas do marido. Mas as sombras não são percebidas por sentimentos violentos, temos aí então outra característica delas: para lê-las é preciso não levar nada muito a sério, as vidas em segredo não gostam dessa seriedade dos donos de sombra!
Talvez se houvesse qualquer coisa de sombra na "uma vida em segredo" o romance poderia me ter impressionado mais. Nos segredos, nas sombras e nos sonhos, há coisas insuspeitas, surpreendentemente bem guardadas nessas palavras imaginadas, abstrações do mundo dos donos de sombra. Mas, talvez por essa mesma essência, dificilmente nossas sombras revelam-se ou revelam-nos, silenciosamente sonham por nós.
quinta-feira, outubro 20, 2005
A compaixão do canto lírico
A apresentação do grupo de canto lírico da Faculdade de Filosofia de Vitória será hoje à noite. Os participantes ensaiaram durante a semana toda, quem mora no centro da cidade, ao menos nas redondezas, pode atestar a regularidade dos ensaios!
Acho bom que as pessoas queiram aprender a cantar canto lírico. É bonito e além disso fazem bem a si mesmos, já que, conforme o ditado, "quem canta seus males espanta", e fazem bem aos outros, já que é agradável ouvir (desde que afinado e de boa qualidade a voz).
Lembro de um colega da faculdade que passou por algum trauma, algo como fim de namoro ou morte de parente querido, e trancou a faculdade, isolou-se em casa e não apreciava nem o sol da manhã. Pois matriculou-se na aula de canto lírico e advinhem: continuou triste, mas ao menos um triste que sabia cantar bem e alegrar os outros, o que o tornou menos triste no fim das contas.
Levou 2 anos, eu acho, mas voltou a faculdade e à vida normal de um rapaz de vinte e poucos anos, afinal, havia lirismo de novo.
Na sua volta é que ficamos amigos, conversávamos sobre tudo, inclusive canto lírico. O engraçado é que conversávamos sobre canto lírico indo para a faculdade e no meio do ônibus começava o jovem Kaiser a soltar seus agudos e graves, mas nunca sem antes fazer o aquecimento.
Os traumas desse meu amigo do canto lírico também eram interessantes, e eu, talvez por algum impulso mórbido, fazia com que ele explicasse tudo e ficava mesmo surpreso de como ele reagia contra as adversidades, como quando a namorada o deixou por outro e ele contava como que uma piada que a outra pessoa já conhece! Previamente sem esperar fazer rir, mas de bom humor e boa disposição.
Estranhamente eu achava normal um rapaz de 1,90 e bastante barbado gostar de canto lírico. Lembro quando fiquei sabendo e fui na sua primeira apresentação, uma ópera de autor brasileiro, já não me lembro quem, mas era algo moderno e ousado, saiu-se muito bem o meu amigo, arrancou suspiros das calouras e foi o orgulho da rapaziada da sua turma aquele dia.
Hoje, por conta de ficar sabendo dessa apresentação em Vitória, lembrei das suas histórias. A última que fiquei sabendo era muito boa: de como ele conhecera uma namorada. Estava o rapaz ao celular e numa linha cruzada conheceu a moça! Essa todos na faculdade duvidavam, e eu também duvidava, parecia só mais uma das estórias do Kaiser, mas depois conheci a menina, uma loira baixinha e com um sorriso lindo, doida por ele.
Afinal, o canto lírico faz bem à alma do mundo.
Acho bom que as pessoas queiram aprender a cantar canto lírico. É bonito e além disso fazem bem a si mesmos, já que, conforme o ditado, "quem canta seus males espanta", e fazem bem aos outros, já que é agradável ouvir (desde que afinado e de boa qualidade a voz).
Lembro de um colega da faculdade que passou por algum trauma, algo como fim de namoro ou morte de parente querido, e trancou a faculdade, isolou-se em casa e não apreciava nem o sol da manhã. Pois matriculou-se na aula de canto lírico e advinhem: continuou triste, mas ao menos um triste que sabia cantar bem e alegrar os outros, o que o tornou menos triste no fim das contas.
Levou 2 anos, eu acho, mas voltou a faculdade e à vida normal de um rapaz de vinte e poucos anos, afinal, havia lirismo de novo.
Na sua volta é que ficamos amigos, conversávamos sobre tudo, inclusive canto lírico. O engraçado é que conversávamos sobre canto lírico indo para a faculdade e no meio do ônibus começava o jovem Kaiser a soltar seus agudos e graves, mas nunca sem antes fazer o aquecimento.
Os traumas desse meu amigo do canto lírico também eram interessantes, e eu, talvez por algum impulso mórbido, fazia com que ele explicasse tudo e ficava mesmo surpreso de como ele reagia contra as adversidades, como quando a namorada o deixou por outro e ele contava como que uma piada que a outra pessoa já conhece! Previamente sem esperar fazer rir, mas de bom humor e boa disposição.
Estranhamente eu achava normal um rapaz de 1,90 e bastante barbado gostar de canto lírico. Lembro quando fiquei sabendo e fui na sua primeira apresentação, uma ópera de autor brasileiro, já não me lembro quem, mas era algo moderno e ousado, saiu-se muito bem o meu amigo, arrancou suspiros das calouras e foi o orgulho da rapaziada da sua turma aquele dia.
Hoje, por conta de ficar sabendo dessa apresentação em Vitória, lembrei das suas histórias. A última que fiquei sabendo era muito boa: de como ele conhecera uma namorada. Estava o rapaz ao celular e numa linha cruzada conheceu a moça! Essa todos na faculdade duvidavam, e eu também duvidava, parecia só mais uma das estórias do Kaiser, mas depois conheci a menina, uma loira baixinha e com um sorriso lindo, doida por ele.
Afinal, o canto lírico faz bem à alma do mundo.
terça-feira, outubro 18, 2005
O mar avança contra o continente
No litoral sul do Espírito Santo o mar avança contra o continente: fortes marés, centímetro a centímetro, trazem o mar pra mais perto da terra. As ressacas mais fortes deixam à mostra as raízes dos coqueiros do calçadão, testemunhas fatais dessa "travessura" do mar.
Os meninos que brincam na praia não se importam muito, tudo continua bonito: brilha o sol, a água é quente e limpa, há ondinhas bacanas para brincar e ninguém parece estar sofrendo. Alguns lamentam, claro! Os donos de pousadas à beira mar desconversam: sempre foi assim.
Sempre foi natural ser diferente de antes, talvez nem sempre para as praias e suas faixas de areia, mas sempre para as pessoas.
As raízes dos coqueiros à mostra são mais que uma prova de que elas existem mesmo, de que o mar avança ou do que mais se quiser constatar desse exemplo. Assim parece-me o meu rosto de manhã às vezes, como aquelas raízes: sou diferente do que achava que era, embora fosse presumivel que um dia chegaria a esse estado. Sem complicar muito, ninguém é sempre o mesmo, não é? E conforme se conheça a si próprio, é possível prever onde os caminhos escolhidos hoje vão dar amanhã.
Com o mar avançando, fatalmente iria sobrar para as raízes dos coqueiros e se quisermos ser mais ousados, também vai sobrar para todas as avenidas junto a faixa de areia de agora até uns 50 anos! Claro, antes disso o poder público local deve providenciar um aterro, ou coisa que o valha para conter o atlântico sul.
Fatalmente os que conhecem os amigos de uma maneira, logo adiante espantam-se com as suas atitudes e surpreendem-se com suas posições, maneiras de falar, sua disposição de vida.
Era possível prever que de dentro do coração de lembranças e véus roxos a matiz temerária dos seus assassinatos, a curvatura dos sorrisos que viriam do absurdo que se tornaria a vida, tranformariam todas as certezas em bases para perguntas mais sofisticadas, suposições de suposições emoldurariam os dias seguintes, e um azeite prático substituiria o sangue quente que um dia pulsou por aqueles prados. Nem melhor, e nem pior, apenas diferente do que foi.
É preciso compreender que para deixar à mostra as raízes dos coqueiros primeiro o mar teve que chegar até lá e insistir em ser mar.
Os meninos que brincam na praia não se importam muito, tudo continua bonito: brilha o sol, a água é quente e limpa, há ondinhas bacanas para brincar e ninguém parece estar sofrendo. Alguns lamentam, claro! Os donos de pousadas à beira mar desconversam: sempre foi assim.
Sempre foi natural ser diferente de antes, talvez nem sempre para as praias e suas faixas de areia, mas sempre para as pessoas.
As raízes dos coqueiros à mostra são mais que uma prova de que elas existem mesmo, de que o mar avança ou do que mais se quiser constatar desse exemplo. Assim parece-me o meu rosto de manhã às vezes, como aquelas raízes: sou diferente do que achava que era, embora fosse presumivel que um dia chegaria a esse estado. Sem complicar muito, ninguém é sempre o mesmo, não é? E conforme se conheça a si próprio, é possível prever onde os caminhos escolhidos hoje vão dar amanhã.
Com o mar avançando, fatalmente iria sobrar para as raízes dos coqueiros e se quisermos ser mais ousados, também vai sobrar para todas as avenidas junto a faixa de areia de agora até uns 50 anos! Claro, antes disso o poder público local deve providenciar um aterro, ou coisa que o valha para conter o atlântico sul.
Fatalmente os que conhecem os amigos de uma maneira, logo adiante espantam-se com as suas atitudes e surpreendem-se com suas posições, maneiras de falar, sua disposição de vida.
Era possível prever que de dentro do coração de lembranças e véus roxos a matiz temerária dos seus assassinatos, a curvatura dos sorrisos que viriam do absurdo que se tornaria a vida, tranformariam todas as certezas em bases para perguntas mais sofisticadas, suposições de suposições emoldurariam os dias seguintes, e um azeite prático substituiria o sangue quente que um dia pulsou por aqueles prados. Nem melhor, e nem pior, apenas diferente do que foi.
É preciso compreender que para deixar à mostra as raízes dos coqueiros primeiro o mar teve que chegar até lá e insistir em ser mar.
segunda-feira, outubro 17, 2005
Em meio papel
Os títulos de crédito, documentos que garantem direitos creditícios em relação a outrem (na promissória do sacado em relação ao sacador, por exemplo) estão desaparecendo em meio papel, tanto mais no príncipe dos títulos de crédito brasileiros, a duplicata mercantil.
Isso, não em virtude da falta de vigor do instituto, mas em virtude das novas tecnologias que balisam as relações mercantis: tudo é feito em meio magnético, desde a emissão ao protesto, não há necessidade de se colocar no papel esse importantíssimo título.
Nessa tendência, perece um dos requisitos dos títulos de crédito, que é a cartularidade, ou seja, o título material, sua constituição física, palpável.
Apesar de todas as facilidades, muitos ainda guardam ressalvas à descartularização, receosos de que possam ser cometidas fraudes e os mais tradicionalistas, embirram por tradição mesmo.
Talvez na mesma medida possamos tomar a comunicação por cartas e correio eletrônico, ou seja, quem mais escreve cartas estando disponível o meio eletrônico de comunicação?
Ontem, entretanto, recebi uma carta longa do meu querido amigo Roberto, que está morando em Curitiba.
É bem verdade que foi uma carta resposta a uma outra minha, mas enfim, era papel escrito e enviado pelo meu amigo, mais pessoal, trazia sua letra e sua assinatura, enfim, havia naquilo um tanto maior de humanidade, impossível de negar.
Em meio papel, escreveu sobre Curitiba com menos acidez, embora ainda ressabiado pela "soberba" dos curitibanos, a violência dos gatunos e ladrões viciados em drogas e a impertinência dos motociclistas. Toda metrópole guarda elementos maus, Curitiba não é diferente, mas acho que a soberba, os ladrões e motociclistas curitibanos sejam particularmente diferentes na medida de que Curitiba é uma cidade diferente das outras.
Foi esse caráter sui generis daquela capital que motivou a migração de Roberto, entre outras variantes. E corajoso e audacioso, partiu para lá, passando por adversidades e sofrimentos, mas já agora, depois de uns meses, já tem uma certa familiaridade por aquele estado dos pinhais.
Relatou num post scriptum notícias de Juiz de Fora, ao que me fez sorrir um pouco e deixou idéias fortes e senti mesmo sua presença.
Já havíamos trocado impressões por via eletrônica, mas as cartas guardam-se entre as coisas de maior valor, testemunhos de próprio punho de amizade e consideração.
Talvez chegue o dia em que os correios não vão mais aceitar cartas particulares, assim como no direito cambiário é provável que não se mitigue e morra a cartularidade. Mas pelo lado do direito seria questão de praticidade, ninguém se afeiçoa aos títulos de crédito, a não ser os agiotas afixionados, mas quanto às cartas... aboli-las seria mesmo pouco prático para matar as saudades.
Isso, não em virtude da falta de vigor do instituto, mas em virtude das novas tecnologias que balisam as relações mercantis: tudo é feito em meio magnético, desde a emissão ao protesto, não há necessidade de se colocar no papel esse importantíssimo título.
Nessa tendência, perece um dos requisitos dos títulos de crédito, que é a cartularidade, ou seja, o título material, sua constituição física, palpável.
Apesar de todas as facilidades, muitos ainda guardam ressalvas à descartularização, receosos de que possam ser cometidas fraudes e os mais tradicionalistas, embirram por tradição mesmo.
Talvez na mesma medida possamos tomar a comunicação por cartas e correio eletrônico, ou seja, quem mais escreve cartas estando disponível o meio eletrônico de comunicação?
Ontem, entretanto, recebi uma carta longa do meu querido amigo Roberto, que está morando em Curitiba.
É bem verdade que foi uma carta resposta a uma outra minha, mas enfim, era papel escrito e enviado pelo meu amigo, mais pessoal, trazia sua letra e sua assinatura, enfim, havia naquilo um tanto maior de humanidade, impossível de negar.
Em meio papel, escreveu sobre Curitiba com menos acidez, embora ainda ressabiado pela "soberba" dos curitibanos, a violência dos gatunos e ladrões viciados em drogas e a impertinência dos motociclistas. Toda metrópole guarda elementos maus, Curitiba não é diferente, mas acho que a soberba, os ladrões e motociclistas curitibanos sejam particularmente diferentes na medida de que Curitiba é uma cidade diferente das outras.
Foi esse caráter sui generis daquela capital que motivou a migração de Roberto, entre outras variantes. E corajoso e audacioso, partiu para lá, passando por adversidades e sofrimentos, mas já agora, depois de uns meses, já tem uma certa familiaridade por aquele estado dos pinhais.
Relatou num post scriptum notícias de Juiz de Fora, ao que me fez sorrir um pouco e deixou idéias fortes e senti mesmo sua presença.
Já havíamos trocado impressões por via eletrônica, mas as cartas guardam-se entre as coisas de maior valor, testemunhos de próprio punho de amizade e consideração.
Talvez chegue o dia em que os correios não vão mais aceitar cartas particulares, assim como no direito cambiário é provável que não se mitigue e morra a cartularidade. Mas pelo lado do direito seria questão de praticidade, ninguém se afeiçoa aos títulos de crédito, a não ser os agiotas afixionados, mas quanto às cartas... aboli-las seria mesmo pouco prático para matar as saudades.
segunda-feira, outubro 10, 2005
Sólida solidão
Dialética
É claro que a vida é boa
E a alegria, a única indizível emoção
É claro que te acho linda
Em ti bendigo o amor das coisas simples
É claro que te amo
E tenho tudo para ser feliz
Mas acontece que eu sou triste...
Montevidéu, 1960
in Para viver um grande amor (crônicas e poemas)
in Poesia completa e prosa: "Poesia varia"
.
.
.
Esse sentimento, tão cruel e tão comum, habitualmente é tema evitado em todas as conversas: é anti-social falar de solidão, apesar dessa característica típica de ser sentida por todos, mesmo que eventualmente não. É estranho que esse aspecto deprimente só fica mesmo visível se quem é só tenta arranjar gente que lhe console por isso, para lamentar-se por não ter com quem partilhar seus pensamentos e idéias ou mesmo para contar uma piada. Mas também, no outro lado da moeda, há quem não se importa, por vezes gosta e até acha vantagem passar muito tempo sozinho: é bonito fazer tipo, mas às estátuas sobram as fezes dos pombos. A auto-piedade contra os lamentos de solidão também não é boa, o orgulho costuma reclamar dela, mas no fim das contas é triste sentir-se sozinho, não vamos apelar dessa verdade.
Para esclarecer tantos paradoxos, acho boa a noção do que significa solidão, o sentimento na sua inteireza: é o sentir-se sozinho, mesmo tendo companhia. Diria até que não ser entendido e não ter quem entenda é a grande solidão. Como se diz popularmente "sozinho na multidão". Apavora a impressão de que não há quem nos entenda, que ninguém se importa, que não há intimidade possível para falar os mais profundos assuntos.
Comunicar ao mundo que tão breve é a vida para esvair-se em comodismos, em ver a tarde ir embora, ou a matar-se num serviço técnico (embora útil à sociedade), pode não ser possível, as pessoas não entendem bem essa pressa. Tampouco tentar explicar o remorso por partir deixando atrás de si gente que ama sinceramente, ou ter que submeter-se às ordens de gente menos capaz, ou tentar amar e não conseguir: há uma absoluta solidão nesses picos de paixão, ninguém pode completamente livrar-nos de enfrentar conosco mesmo as reflexões dessas condições.
Há coisas que são mais anti-sociais que outras de serem admitidas. Como a dificuldade em ver o belo na vida ou reconhecer nela um sentido puro. É normal o sofrimento e a adversidade desbotarem juntos a beleza de tudo, deixando do que era tristes esqueletos, armações de ferros retorcidos do que foi o símbolo da beleza, do afeto, do motivo essencial: mais um símbolo de um deboche do que o que fora, do que um símbolo do que é belo e significativo, do que faz a vida significativa.
Há então essa grande angústia em comunicar que vive-se por teimosia, ou que vive-se porque abdicar da vida é anti-social demais: é o cúmulo da anti-socialidade! Mas há milhões e milhões (não vou me arriscar nos bilhões, mas é bom lembrar que são feitos de mil milhões cada) de pessoas que vivem por teimosia, a contemplar o horizonte de suas vidas numa esperança verdadeiramente santa de que virá algo bonito a fazer nascer seu sorriso, alguém que lhes reconheça a angústia e ao mesmo tempo seja capaz de calá-la, alguém para fazer-lhes, verdadeiramente, companhia e contar algumas piadas engraçadas.
É claro que a vida é boa
E a alegria, a única indizível emoção
É claro que te acho linda
Em ti bendigo o amor das coisas simples
É claro que te amo
E tenho tudo para ser feliz
Mas acontece que eu sou triste...
Montevidéu, 1960
in Para viver um grande amor (crônicas e poemas)
in Poesia completa e prosa: "Poesia varia"
.
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Esse sentimento, tão cruel e tão comum, habitualmente é tema evitado em todas as conversas: é anti-social falar de solidão, apesar dessa característica típica de ser sentida por todos, mesmo que eventualmente não. É estranho que esse aspecto deprimente só fica mesmo visível se quem é só tenta arranjar gente que lhe console por isso, para lamentar-se por não ter com quem partilhar seus pensamentos e idéias ou mesmo para contar uma piada. Mas também, no outro lado da moeda, há quem não se importa, por vezes gosta e até acha vantagem passar muito tempo sozinho: é bonito fazer tipo, mas às estátuas sobram as fezes dos pombos. A auto-piedade contra os lamentos de solidão também não é boa, o orgulho costuma reclamar dela, mas no fim das contas é triste sentir-se sozinho, não vamos apelar dessa verdade.
Para esclarecer tantos paradoxos, acho boa a noção do que significa solidão, o sentimento na sua inteireza: é o sentir-se sozinho, mesmo tendo companhia. Diria até que não ser entendido e não ter quem entenda é a grande solidão. Como se diz popularmente "sozinho na multidão". Apavora a impressão de que não há quem nos entenda, que ninguém se importa, que não há intimidade possível para falar os mais profundos assuntos.
Comunicar ao mundo que tão breve é a vida para esvair-se em comodismos, em ver a tarde ir embora, ou a matar-se num serviço técnico (embora útil à sociedade), pode não ser possível, as pessoas não entendem bem essa pressa. Tampouco tentar explicar o remorso por partir deixando atrás de si gente que ama sinceramente, ou ter que submeter-se às ordens de gente menos capaz, ou tentar amar e não conseguir: há uma absoluta solidão nesses picos de paixão, ninguém pode completamente livrar-nos de enfrentar conosco mesmo as reflexões dessas condições.
Há coisas que são mais anti-sociais que outras de serem admitidas. Como a dificuldade em ver o belo na vida ou reconhecer nela um sentido puro. É normal o sofrimento e a adversidade desbotarem juntos a beleza de tudo, deixando do que era tristes esqueletos, armações de ferros retorcidos do que foi o símbolo da beleza, do afeto, do motivo essencial: mais um símbolo de um deboche do que o que fora, do que um símbolo do que é belo e significativo, do que faz a vida significativa.
Há então essa grande angústia em comunicar que vive-se por teimosia, ou que vive-se porque abdicar da vida é anti-social demais: é o cúmulo da anti-socialidade! Mas há milhões e milhões (não vou me arriscar nos bilhões, mas é bom lembrar que são feitos de mil milhões cada) de pessoas que vivem por teimosia, a contemplar o horizonte de suas vidas numa esperança verdadeiramente santa de que virá algo bonito a fazer nascer seu sorriso, alguém que lhes reconheça a angústia e ao mesmo tempo seja capaz de calá-la, alguém para fazer-lhes, verdadeiramente, companhia e contar algumas piadas engraçadas.
quarta-feira, outubro 05, 2005
À espera da chegada
Voltei mais cedo do almoço ontem e perto do edifício onde fica o escritório notei a mesma moça dos dias anteriores, desta vez à janela de uma casa vizinha, com um lenço azul claro na mão e os cabelos lisos e pretos soltos.
Olhou para mim de um jeito muito aflito e desviou em seguida o olhar, não procurava pelo meu rosto e estava ansiosa para achar o que procurava.
Sem me dar conta do absurdo, parei e encarei sua expressão de estranhamento com um meio sorriso. Bastante mais à vontade do que poderia supor, perguntei se estava bem, ao que ela secamente disse que sim, sem agradecer por alguém se importar. Segui o trajeto ordinário, humildemente.
Hoje no mesmo lugar já não estava, como um sopro tinha ido. Estramente aquela aflição dela tinha se tornado parte do cenário da rua naquela hora, como se fosse impossível compreender a vida ali destituída daquela ansiedade apaixonada na espera de alguém que não vem...
Talvez alguém mais perspicaz que eu a tenha convencido a deixar daquilo e se acalmar, talvez tenham chamado a ambulância do hospício, talvez tenha morrido de agonia por esperar e talvez ainda, consideremos com fé, tenha chegado o rapaz, aí sim, fica bem a coisa toda.
Esperas me causam náuseas. Dificilmente esperei contente por alguma coisa, mesmo boa. Enquanto cresce o risco na medida em que se toma atitudes ativas ao invés das passivas, eu arrisquei a pele umas vezes, digamos, para saber o resultado que haveria de ser.
Há gente que cultua a prudência, entoa o ditado popular de que "o seguro morreu de velho", mas há também risco na espera. O risco das formas cadavéricas apossarem-se do rosto e dos músculos do corpo, transformando uma linda juventude numa velhice de lamento. Tudo bem, exagerei imensamente, mas a mim o radicalismo da imagem passa bem a noção de se por a esperar insanamente: fica-se à mercê de outras pessoas ou condições, à mercê de eventos que não são senão prováveis enquanto não verificáveis de fato.
Desejei do fundo do coração que o rapaz não tivesse chegado nunca, que a moça lhe tivesse odiado imensamente por isso e, mesmo a custa de descompor o cenário não bonito da hora do almoço na sua rua, ido procurar ler algum romance realista ou então tomar uma cerveja, afinal a verdade é uma só: faz calor na primavera e não se deve perder tempo com angústias secas na garganta.
Olhou para mim de um jeito muito aflito e desviou em seguida o olhar, não procurava pelo meu rosto e estava ansiosa para achar o que procurava.
Sem me dar conta do absurdo, parei e encarei sua expressão de estranhamento com um meio sorriso. Bastante mais à vontade do que poderia supor, perguntei se estava bem, ao que ela secamente disse que sim, sem agradecer por alguém se importar. Segui o trajeto ordinário, humildemente.
Hoje no mesmo lugar já não estava, como um sopro tinha ido. Estramente aquela aflição dela tinha se tornado parte do cenário da rua naquela hora, como se fosse impossível compreender a vida ali destituída daquela ansiedade apaixonada na espera de alguém que não vem...
Talvez alguém mais perspicaz que eu a tenha convencido a deixar daquilo e se acalmar, talvez tenham chamado a ambulância do hospício, talvez tenha morrido de agonia por esperar e talvez ainda, consideremos com fé, tenha chegado o rapaz, aí sim, fica bem a coisa toda.
Esperas me causam náuseas. Dificilmente esperei contente por alguma coisa, mesmo boa. Enquanto cresce o risco na medida em que se toma atitudes ativas ao invés das passivas, eu arrisquei a pele umas vezes, digamos, para saber o resultado que haveria de ser.
Há gente que cultua a prudência, entoa o ditado popular de que "o seguro morreu de velho", mas há também risco na espera. O risco das formas cadavéricas apossarem-se do rosto e dos músculos do corpo, transformando uma linda juventude numa velhice de lamento. Tudo bem, exagerei imensamente, mas a mim o radicalismo da imagem passa bem a noção de se por a esperar insanamente: fica-se à mercê de outras pessoas ou condições, à mercê de eventos que não são senão prováveis enquanto não verificáveis de fato.
Desejei do fundo do coração que o rapaz não tivesse chegado nunca, que a moça lhe tivesse odiado imensamente por isso e, mesmo a custa de descompor o cenário não bonito da hora do almoço na sua rua, ido procurar ler algum romance realista ou então tomar uma cerveja, afinal a verdade é uma só: faz calor na primavera e não se deve perder tempo com angústias secas na garganta.
domingo, outubro 02, 2005
Lança cheia de tripas
Li um poema que fazia uma metáfora com dar-se conta da paixão e ter na barriga uma lança que, ao atravessar o corpo, tinha do outro lado a ponta cheia de tripas. Que violência, pensei comigo. Interpretei como que a constatação da morte certa, saber-se atravessado pela lança e saber-se apaixonado era o mesmo que ver a realidade: não havia muito o que fazer.
É absurdo, quando se está apaixonado, pensar que o resto do mundo possa não estar, não viver sob aquele estado, porque não racionalizado em fato e conseqüências, é bastante bom haver alguém que redima de tudo e que simbolize as áureas esperanças. Gabolices para desprender sorrisos, beijos demorados, apertados abraços de despedida, como isso dói! O poema me explicou: é uma lança varada de tripas. Mas não se morre repentinamente, é um processo gradual.
O nome de mulher costuma viajar pelos pensamentos, e as sílabas cadenciadas tornam-se notas de todas as músicas e mesmo sendo constantemente repetidas, repetidas ao infinito, não há monotonia. Nessa harmonia, pensar em encontrá-la é todo o conforto e é provável que aquele agradável cheiro de ar úmido antes da chuva fique em volta. Mil idéias para fazê-la sorrir, e dois mil sorrisos seus contidos para não deixá-la tão confiante! O que é dado sem que se dê algo em troca, sabe-se bem, não tem valor!
Falar de amor sem tentar dar a ela a angústia das suas conclusões: há um céu aberto para os nossos olhares, um céu de parque a nos testemunhar. E assim, entre braços e abraços, entre beijos e planos impossíveis, entre súbitas afinidades tolas que ganham a dimensão do predestinado e do destino traçado por Deus onipotente, bem, justamente ali tem-se uma lança a varar o corpo, mas não se tem noção dela, isso acontece depois. Nem por isso condeno uma coisa ou outra... Para julgar e condenar temos juízes e solteironas desocupadas. Limito-me ao drama do momento: acho que não há maneira mais plena para se saber da própria morte.
Olhos vermelhos, chorando de felicidade numa madrugada em segredo, quantas vozes interiores não acusaram de ir por um caminho inevitável e insensato? Talvez a tristeza grande seja desacreditar a paixão ao passo que se sabe dominado dela, esse anti-Cristo do amor é mesmo mau e finca seus punhais sem dó, apunhalando pela frente, qual um amigo de verdade. Mas para ter a lança cheia das suas próprias tripas, é preciso ir além, é preciso ir além da dor, é preciso confessar os pensamentos e entre rangidas de dentes, punhos cerrados e beijos enlouquecidos no reencontro, brilhe firme a certeza de não haver morte melhor e que vida seguinte nenhuma valeria a negação daquilo.
É absurdo, quando se está apaixonado, pensar que o resto do mundo possa não estar, não viver sob aquele estado, porque não racionalizado em fato e conseqüências, é bastante bom haver alguém que redima de tudo e que simbolize as áureas esperanças. Gabolices para desprender sorrisos, beijos demorados, apertados abraços de despedida, como isso dói! O poema me explicou: é uma lança varada de tripas. Mas não se morre repentinamente, é um processo gradual.
O nome de mulher costuma viajar pelos pensamentos, e as sílabas cadenciadas tornam-se notas de todas as músicas e mesmo sendo constantemente repetidas, repetidas ao infinito, não há monotonia. Nessa harmonia, pensar em encontrá-la é todo o conforto e é provável que aquele agradável cheiro de ar úmido antes da chuva fique em volta. Mil idéias para fazê-la sorrir, e dois mil sorrisos seus contidos para não deixá-la tão confiante! O que é dado sem que se dê algo em troca, sabe-se bem, não tem valor!
Falar de amor sem tentar dar a ela a angústia das suas conclusões: há um céu aberto para os nossos olhares, um céu de parque a nos testemunhar. E assim, entre braços e abraços, entre beijos e planos impossíveis, entre súbitas afinidades tolas que ganham a dimensão do predestinado e do destino traçado por Deus onipotente, bem, justamente ali tem-se uma lança a varar o corpo, mas não se tem noção dela, isso acontece depois. Nem por isso condeno uma coisa ou outra... Para julgar e condenar temos juízes e solteironas desocupadas. Limito-me ao drama do momento: acho que não há maneira mais plena para se saber da própria morte.
Olhos vermelhos, chorando de felicidade numa madrugada em segredo, quantas vozes interiores não acusaram de ir por um caminho inevitável e insensato? Talvez a tristeza grande seja desacreditar a paixão ao passo que se sabe dominado dela, esse anti-Cristo do amor é mesmo mau e finca seus punhais sem dó, apunhalando pela frente, qual um amigo de verdade. Mas para ter a lança cheia das suas próprias tripas, é preciso ir além, é preciso ir além da dor, é preciso confessar os pensamentos e entre rangidas de dentes, punhos cerrados e beijos enlouquecidos no reencontro, brilhe firme a certeza de não haver morte melhor e que vida seguinte nenhuma valeria a negação daquilo.
Corações a sangrar
Vou poupá-los de nomes, já que a cena por si mesma causa náuseas suficientes. Para o sumário conhecimento da cena: uma tesoura de escritório enterrada dez centímetros no lado esquerdo do peito de uma moça de vinte e um anos. A pele bastante clara e o sangue combinados eram de uma mórbida beleza, agora lembrada não tão bela quanto a fez pelo choque de cores, situação e significados. Tudo lido depois num laudo policial sobre o crime: um faxineiro apaixonado, louco de desejo e com o sangue pleno de álcool. Um bilhete datilografado trazia um falso recado do namorado da moça e tinha as letras em negrito com os dizeres: "Meu anjo, Nessa noite tenho que voltar para casa mais cedo a fim de ter com a minha mãe que sofreu um acidente, nada sério, não se preocupe, mas por isso não vou poder te apanhar no escritório. Lamento. Deixo-te beijinhos imensos e muito carinho deste que te adora de paixão. Emílio." Pelo recado a moça, que chamamos aqui Marta, não foi à porta do prédio esperar pelo namorado que também não estranhou o fato dela lá não estar, costumava ir para casa mais cedo quando ia trabalhar fora. Insistiu para levá-la a faculdade o faxineiro que bisbilhotara o bilhete. Negado o convite. Refeito com juras de amor. Negadas igualmente. Uma vez mais refeito acompanhado de súplicas, gritos e caretas de desespero. Erguia-se frente a moça um rosto de pele seca e enrugada, mais de cinqüenta invernos ajudaram a curtir os vincos fundos e feios do seu rosto, aprofundados na insegurança, na lascívia solitária, na imundície da própria solidão. Talvez a gentileza dela seja amor, pensara mais de uma vez. Como era diferente o seu dia quando ela dizia "bom dia" sorrindo para ele! E que agradável era o seu perfume! Não sabia bem qual o nome, mas era doce como das putas que ele pagava tão mal para livrar-se um pouco da angústia dos domingos à tarde, era doce mas não era vulgar como as meretrizes, trazia um traço de infância, um berço familiar, uma gentileza e um afeto tão originais que os quis para si como nada antes e faria tudo, absoltamente tudo! Ninguém lhe subjugaria daquele vez, não o ameaçariam, nem confundiriam o seu nome nem chama-lo-iam "meu bom senhor" por não sabê-lo. Chamo-me, consideremos aqui, Miguel, disse de si para consigo ao sentar-se em frente a um computador com o plano já traçado. Depois de iludi-la com o bilhete, iria levá-la a faculdade, mas não! A lição daquela noite era sobre ele, de como ele era especial e querido, de como deviam mesmo estar juntos e se amar, pois sem ao menos ter tido antes a chance de ouvi-lo, era já o amava, já era gentil e atenciosa, que se diria depois daquela noite especial entre os dois! Não havia como falhar. Na ira de ser novamente rejeitado, na angústia que sentiu por isso e os resultados da repulsa por si mesmo, estava decidido a não recuar, apanhou uma tesoura, a mesma que usou para recortar o bilhete da inteira folha de ofício em que o imprimira, e levantou-a com a mão direita, acima da cabeça, dando ordem de ir, ao que a moça, talvez por pânico, talvez por indignação frente aquele absurdo, não teve outra reação que não a de lhe dar um belo tapa no rosto, deixando pequenos ferimentos causados pelas unhas, na véspera pintadas, pela última vez de rosa claro, cor favorita do namorado para elas. Tesoura no peito de Marta, olhos esbugalhados de Miguel, coração a sangrar, de ambos.
quarta-feira, setembro 28, 2005
Uma tarde de chuva
Quanta reflexão cabe na tristeza. Talvez só se pense refletindo quando se enfrenta um problema, ao menos no que tange à vida quotidiana, e assim são os momentos de tristeza que propiciam esse compor de circunstâncias, essa tentativa de entender as pessoas e o mundo.
É engraçado que apenas o clima possa também influir nessa circunstância de reflexão, mas aqui ligada exclusivamente às condições naturais, afinal, quanta reflexão cabe numa tarde de chuva fria e fina!
Talvez num remorso de não haver tanta luz, talvez no condicionamento de ligar o frio e a chuva à miséria e ao desespero, de qualquer forma nunca vi ninguém celebrar um dia de clima ruim como o que tivemos hoje na ilha de Vitória. E que não coloquem a culpa nas frentes frias que chegam ao continente! Também no interior do país houve tempo idêntico.
Pois uma larga faixa de terras ficou imersa no cinza da tarde. Dentro dos movimentos da cidade, foi agradável, no fim das contas, não sentir tanto calor! Mas pareceu ainda mais triste a maneira maquinal com que as pessoas trabalhavam, pareciam engrenagens mal humoradas, enquanto que nos dias de sol costumam brincar mais uns com os outros e sorrir. Afinal, não é fácil brincar tendo que se proteger da chuva constante. Tempo maldito, tira a alegria natural.
Essa tola circunstância natural me fez lembrar da tese de Rousseau sobre a diferença entre as línguas do norte e do sul da Europa. Segundo Rousseau, as línguas setentrionais eram mais ásperas e duras precisamente pelas condições de vida, mais difícies, uma subsistência feita a base de luta diária. No sul os idiomas eram mais doces, as pronúncias mais moles e agradáveis de se ouvir: a isso devia-se a maneira de sobreviver mais fácil, concluindo que em condições mais favoráveis o homem podia dedicar-se às artes e aos sentimentos, enquanto que no norte o clima mais frio obrigava a todos a manterem-se ocupados em sobreviver.
Nós aqui vivemos em abundância: nem mesmo os que não trabalham morrem de fome! Há mesmo duas estações: uma seca e outra chuvosa (com exceção do que se passa no sul do Brasil, onde há definição melhor das estações ordinárias), no clichê da carta de caminha: tudo que se planta nessa terra dá e uma infidade de outros argumentos só viriam a confirmar não a luta pela vida aqui, no sentido da luta para não morrer de fome e de frio, mas sim a celebração ininterrupta dos sentimentos e das artes. A luta para não morrer de fome não é mais que uma idéia fantasmagórica para incendiar as ambições e medos profissioais, embora de fato ocorra com os miseráveis, no que não vou adentrar, apesar de ter que considerar também que esses têm assistência do Estado e juntos compomos uma grande "nação do sul", na idéia de Rousseau.
Mesmo com todas as circunstâncias favoráveis, basta uma chuvinha fria para todos lembrarem-se ancestralmente que a infelicidade está à espreita, que nosso caminho é um caminho cheio de cadafalsos invisíveis, que a morte, o desespero e a angústia são estados naturais, como o prova a própria natureza!
Inconscientemente, entretanto, há uma noção clara de que amanhã irá amanhecer outro dia e nesse dia novo, apartado por algum mistério suprafísico do anterior, há grandes chances de haver uma manhã ensolarada, daí então um prenúncio de felicidade ligada ao tempo que faz será suficiente para despertar o bom humor de todos e então recomeçarão as piadas e o andar despreocupado por entre as gentes.
É engraçado que apenas o clima possa também influir nessa circunstância de reflexão, mas aqui ligada exclusivamente às condições naturais, afinal, quanta reflexão cabe numa tarde de chuva fria e fina!
Talvez num remorso de não haver tanta luz, talvez no condicionamento de ligar o frio e a chuva à miséria e ao desespero, de qualquer forma nunca vi ninguém celebrar um dia de clima ruim como o que tivemos hoje na ilha de Vitória. E que não coloquem a culpa nas frentes frias que chegam ao continente! Também no interior do país houve tempo idêntico.
Pois uma larga faixa de terras ficou imersa no cinza da tarde. Dentro dos movimentos da cidade, foi agradável, no fim das contas, não sentir tanto calor! Mas pareceu ainda mais triste a maneira maquinal com que as pessoas trabalhavam, pareciam engrenagens mal humoradas, enquanto que nos dias de sol costumam brincar mais uns com os outros e sorrir. Afinal, não é fácil brincar tendo que se proteger da chuva constante. Tempo maldito, tira a alegria natural.
Essa tola circunstância natural me fez lembrar da tese de Rousseau sobre a diferença entre as línguas do norte e do sul da Europa. Segundo Rousseau, as línguas setentrionais eram mais ásperas e duras precisamente pelas condições de vida, mais difícies, uma subsistência feita a base de luta diária. No sul os idiomas eram mais doces, as pronúncias mais moles e agradáveis de se ouvir: a isso devia-se a maneira de sobreviver mais fácil, concluindo que em condições mais favoráveis o homem podia dedicar-se às artes e aos sentimentos, enquanto que no norte o clima mais frio obrigava a todos a manterem-se ocupados em sobreviver.
Nós aqui vivemos em abundância: nem mesmo os que não trabalham morrem de fome! Há mesmo duas estações: uma seca e outra chuvosa (com exceção do que se passa no sul do Brasil, onde há definição melhor das estações ordinárias), no clichê da carta de caminha: tudo que se planta nessa terra dá e uma infidade de outros argumentos só viriam a confirmar não a luta pela vida aqui, no sentido da luta para não morrer de fome e de frio, mas sim a celebração ininterrupta dos sentimentos e das artes. A luta para não morrer de fome não é mais que uma idéia fantasmagórica para incendiar as ambições e medos profissioais, embora de fato ocorra com os miseráveis, no que não vou adentrar, apesar de ter que considerar também que esses têm assistência do Estado e juntos compomos uma grande "nação do sul", na idéia de Rousseau.
Mesmo com todas as circunstâncias favoráveis, basta uma chuvinha fria para todos lembrarem-se ancestralmente que a infelicidade está à espreita, que nosso caminho é um caminho cheio de cadafalsos invisíveis, que a morte, o desespero e a angústia são estados naturais, como o prova a própria natureza!
Inconscientemente, entretanto, há uma noção clara de que amanhã irá amanhecer outro dia e nesse dia novo, apartado por algum mistério suprafísico do anterior, há grandes chances de haver uma manhã ensolarada, daí então um prenúncio de felicidade ligada ao tempo que faz será suficiente para despertar o bom humor de todos e então recomeçarão as piadas e o andar despreocupado por entre as gentes.
terça-feira, setembro 13, 2005
Moedas antigas
Sobre o coração uma porção de moedas antigas. Tiradas da lata guardada a anos em casa, lembrou-me aquela infância de aventuras e ócio, hoje bastante distante.
A coleção não é grande, mas tem uma peça importante: uma pataca de cobre datada de pouco depois da independência, de 1826, quando imperava Dom Pedro I. Conta também com moedas comemorativas raras, como do primeiro centenário da independência e algumas alusivas ao momento cultural e econômico ou homenageando vultos da história. Também há moedas estrangeiras de vários países, como Cuba, Áustria, Emirados Árabes, Inglaterra e Austrália.
Nunca quis me desfazer das moedinhas, mas nesse dia, olhando-as assim sobre mim, imaginei qual função poderiam ter que não a de esperar. Esperar por esperar é tão tolo quanto amar por amar, não se justifica, embora pareçam fazer sentido essas relações e daí fica difícil rompê-las, são essencialmente confortáveis.
Pensei em vendê-las, mas como a maior parte foi dada de presente, não tive coragem, não valeria a pena. Daí senti que a gratidão somou-se ao que havia de orgulho sentimental para que as mantivesse onde estavam, à espera não sei de quê.
Esperar afinal é o que fazem de melhor as coisas que já não sabemos para que servem mas que pelas mais variadas razões conservamos conosco: "pode ser que um dia seja necessária" já não se disse sobre uma pilha de revistas e jornais velhos?
Guardei as moedas, a nostalgia e a psicologia dos comportamentos humanos estavam à tona e fiquei um pouco mal humorado de ter de repensar em como as pessoas se comportam, em como são. Por que tantas voltas, tanta complicação? Se não fossem essas considerações o significado que têm, não custaria meter as moedas no lixo, como também as pilhas de lembranças, de rastros, de fotos, de sorrisos que já não são o que eram, não estão mais em circulação e não tem mais o valor que tiveram.
As moedas novas, todos os anos valem menos do que valiam antes, aliás todos os meses ou sempre que um preço é reajustado, nalguma medida, o dinheiro perde seu valor, e a moeda que o representa vai junto. Ainda assim valem mais que as antigas na caixa. Não poderia comprar um sorvete com uma pataca de cobre do século XIX.
A pataca serve para lembrar que ela existiu, não posso me desfazer dela porque de fato não tenho poder de dispor e tampouco vale algo além do valor histórico, por tudo isso, ó lógica infernal e sentimentos nostálgicos tolos, por isso conservo moedas antigas com tanto zelo, numa caixa de metal escondida no guarda-roupas de casa.
A coleção não é grande, mas tem uma peça importante: uma pataca de cobre datada de pouco depois da independência, de 1826, quando imperava Dom Pedro I. Conta também com moedas comemorativas raras, como do primeiro centenário da independência e algumas alusivas ao momento cultural e econômico ou homenageando vultos da história. Também há moedas estrangeiras de vários países, como Cuba, Áustria, Emirados Árabes, Inglaterra e Austrália.
Nunca quis me desfazer das moedinhas, mas nesse dia, olhando-as assim sobre mim, imaginei qual função poderiam ter que não a de esperar. Esperar por esperar é tão tolo quanto amar por amar, não se justifica, embora pareçam fazer sentido essas relações e daí fica difícil rompê-las, são essencialmente confortáveis.
Pensei em vendê-las, mas como a maior parte foi dada de presente, não tive coragem, não valeria a pena. Daí senti que a gratidão somou-se ao que havia de orgulho sentimental para que as mantivesse onde estavam, à espera não sei de quê.
Esperar afinal é o que fazem de melhor as coisas que já não sabemos para que servem mas que pelas mais variadas razões conservamos conosco: "pode ser que um dia seja necessária" já não se disse sobre uma pilha de revistas e jornais velhos?
Guardei as moedas, a nostalgia e a psicologia dos comportamentos humanos estavam à tona e fiquei um pouco mal humorado de ter de repensar em como as pessoas se comportam, em como são. Por que tantas voltas, tanta complicação? Se não fossem essas considerações o significado que têm, não custaria meter as moedas no lixo, como também as pilhas de lembranças, de rastros, de fotos, de sorrisos que já não são o que eram, não estão mais em circulação e não tem mais o valor que tiveram.
As moedas novas, todos os anos valem menos do que valiam antes, aliás todos os meses ou sempre que um preço é reajustado, nalguma medida, o dinheiro perde seu valor, e a moeda que o representa vai junto. Ainda assim valem mais que as antigas na caixa. Não poderia comprar um sorvete com uma pataca de cobre do século XIX.
A pataca serve para lembrar que ela existiu, não posso me desfazer dela porque de fato não tenho poder de dispor e tampouco vale algo além do valor histórico, por tudo isso, ó lógica infernal e sentimentos nostálgicos tolos, por isso conservo moedas antigas com tanto zelo, numa caixa de metal escondida no guarda-roupas de casa.
domingo, setembro 04, 2005
Do berço ao túmulo
Homem, bicho de pensamentos grandes e de emoções profundas! Já diziam as filósofas de plantão que classificam o amor como algo fora do plano das idéias e dentro do plano das coisas: vocês são todos uns mentirosos!
Que pena que me dá dessas mulheres! Quanta mentira contaram pra elas, a ponto de terem ficado traumatizadas e terem classificado tudo quanto é homem com mau e mentiroso! As que perdem são elas, pois tomam por mau um que eventualmente é bom, já que nem todos os homens são iguais, contrariando aí outra máxima feminina muito em voga desde sempre.
Há uma certa inflexão cheia de esperança de amor no ceticismo delas! Não que eu tenha alguma paciência para discutir e argumentar... gente radical fecha-se numa arrogância cristalizada... nada rompe facilmente e, digamos que para evitar a fadiga, não tenho ânimo de salvar-lhes de um destinho trágico, mas contemplo os seus grandes olhos de fatalismo com respeito.
Nesse tom tem se dado os meus embates sobre a nobreza masculina no campo dos sentimentos com a mãe de todas as céticas no assunto, a senhora Do Carmo, matrona e mal amada, que é minha vizinha e chega mesmo ao cúmulo, óbvio que para caçoar, de dizer aos homens a máxima dos que tem medo de tubarões: homem bom é homem morto! Cúmulo do ódio.
Já se vê, portanto, que não há sentimentos bons no ar...
Pois bem, vamos ao ponto: relatei aos amigos, reunidos no Bar do Figo, sobre a visita ao escritório da senhora Hildegart Goscht, vinda da zona rural de Domingos Martins reclamar de um instrumento de cessão de direitos patrimoniais que os irmãos homens enfiaram debaixo do nariz das irmãs para ficar com as terras da família e despojá-las desse direito, no mesmo instrumento constava a doação dos pais deles, por óbvio. Isso tudo os irmãos faziam felizes e de consciência limpa, já que na tradição dos pomeranos, povo alemão que vive próximo à fronteira sul com a Polônia e que mandou milhares de pares aqui para o Espírito Santo, só aos homens cabe herdar as terras, às mulheres cabe uma grande festa de casamento e nada mais!
Contado o caso, a Dona do Carmo exaltou-se absurdamente e em vários sentidos, que são uns covardes, machistas, aproveitadores... E a mim coube defender o gênero masculino, o que fiz mostrando, sem tolices, que a cultura se impõe à sociedade, não que a senhora Hildegart ficaria lesada, cuidaríamos de anular aquilo, mas os irmãos achavam que exerciam um direito!
E que assim como os irmãos Goscht cumpriam um ritual, também os homens em geral cumprem um ritual quando se envolvem com uma mulher: o ritual de buscar nelas algum amor, algum amparo para as dores que o mundo impinge, alguma esperança! Se por acaso a coisa descamba num final ruim, é porque o homem (ou a mulher no lado oposto) frustrou-se nessa busca e não teve generosidade de ser franco, de dizer "passe bem, não te amo", e esse não é o pior dos pecados.
O que não falta, de certo, são mulheres que não sabem se fazer amar, as que são tristemente enfadonhas, que dizem bobagens na proporção que respiram, que esnobam e fingem... felizmente há outro tipo que penso que predomina, para a felicidade geral da masculinidade: as bem amadas. Essas são, mais que tudo, amigas do homem, e se tem uma coisa que um homem de bom coração sabe ser é leal com os amigos de verdade, por isso ama com fé! Pois o amor pleno de amizade é o melhor de todos e o mais sincero também se for visto que amizade e amor diferem na intimidade e na exclusividade que há num e não há noutra.
Muitas são as mulheres que do berço ao túmulo insistem num amor diferente desse, e por isso, magoam muito quem as quer amar, de modo que se chamam "mal amadas", mas o amor mau foi fruto da sua falta de percepção de um amor mais verdadeiro, mais livre e que existe por si.
A dona do Carmo segue o seu percurso ao túmulo, mas a dona Hildegart não guarda nenhum remorso dos irmãos.
Que pena que me dá dessas mulheres! Quanta mentira contaram pra elas, a ponto de terem ficado traumatizadas e terem classificado tudo quanto é homem com mau e mentiroso! As que perdem são elas, pois tomam por mau um que eventualmente é bom, já que nem todos os homens são iguais, contrariando aí outra máxima feminina muito em voga desde sempre.
Há uma certa inflexão cheia de esperança de amor no ceticismo delas! Não que eu tenha alguma paciência para discutir e argumentar... gente radical fecha-se numa arrogância cristalizada... nada rompe facilmente e, digamos que para evitar a fadiga, não tenho ânimo de salvar-lhes de um destinho trágico, mas contemplo os seus grandes olhos de fatalismo com respeito.
Nesse tom tem se dado os meus embates sobre a nobreza masculina no campo dos sentimentos com a mãe de todas as céticas no assunto, a senhora Do Carmo, matrona e mal amada, que é minha vizinha e chega mesmo ao cúmulo, óbvio que para caçoar, de dizer aos homens a máxima dos que tem medo de tubarões: homem bom é homem morto! Cúmulo do ódio.
Já se vê, portanto, que não há sentimentos bons no ar...
Pois bem, vamos ao ponto: relatei aos amigos, reunidos no Bar do Figo, sobre a visita ao escritório da senhora Hildegart Goscht, vinda da zona rural de Domingos Martins reclamar de um instrumento de cessão de direitos patrimoniais que os irmãos homens enfiaram debaixo do nariz das irmãs para ficar com as terras da família e despojá-las desse direito, no mesmo instrumento constava a doação dos pais deles, por óbvio. Isso tudo os irmãos faziam felizes e de consciência limpa, já que na tradição dos pomeranos, povo alemão que vive próximo à fronteira sul com a Polônia e que mandou milhares de pares aqui para o Espírito Santo, só aos homens cabe herdar as terras, às mulheres cabe uma grande festa de casamento e nada mais!
Contado o caso, a Dona do Carmo exaltou-se absurdamente e em vários sentidos, que são uns covardes, machistas, aproveitadores... E a mim coube defender o gênero masculino, o que fiz mostrando, sem tolices, que a cultura se impõe à sociedade, não que a senhora Hildegart ficaria lesada, cuidaríamos de anular aquilo, mas os irmãos achavam que exerciam um direito!
E que assim como os irmãos Goscht cumpriam um ritual, também os homens em geral cumprem um ritual quando se envolvem com uma mulher: o ritual de buscar nelas algum amor, algum amparo para as dores que o mundo impinge, alguma esperança! Se por acaso a coisa descamba num final ruim, é porque o homem (ou a mulher no lado oposto) frustrou-se nessa busca e não teve generosidade de ser franco, de dizer "passe bem, não te amo", e esse não é o pior dos pecados.
O que não falta, de certo, são mulheres que não sabem se fazer amar, as que são tristemente enfadonhas, que dizem bobagens na proporção que respiram, que esnobam e fingem... felizmente há outro tipo que penso que predomina, para a felicidade geral da masculinidade: as bem amadas. Essas são, mais que tudo, amigas do homem, e se tem uma coisa que um homem de bom coração sabe ser é leal com os amigos de verdade, por isso ama com fé! Pois o amor pleno de amizade é o melhor de todos e o mais sincero também se for visto que amizade e amor diferem na intimidade e na exclusividade que há num e não há noutra.
Muitas são as mulheres que do berço ao túmulo insistem num amor diferente desse, e por isso, magoam muito quem as quer amar, de modo que se chamam "mal amadas", mas o amor mau foi fruto da sua falta de percepção de um amor mais verdadeiro, mais livre e que existe por si.
A dona do Carmo segue o seu percurso ao túmulo, mas a dona Hildegart não guarda nenhum remorso dos irmãos.
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