Diametralmente oposto ao que faz sentido, descanso de manhã na beira de uma piscida cheia de licor de menta, apropriamente climatizada aos 20.º celsius. Ao meu lado esquerdo há um imenso chafariz em forma de uma criança ajoelhada com corpo de peixe, segurando um que põe mais licor pra fora da boca e lá na beira calma pardais bebem animadamente e eu me divirto com a dança luxuriosa deles, destacadamente longe de sua natureza.
À frente um precipício sem fim, diante da piscina apenas uns poucos metros, faz chegar a mim uma brisa delicadamente fria, mas sem nenhum excesso. Invade-me o desejo por um mergulho, mas é agradável naufragar na inércia, sem toalhas resta-me o vento para secar meu corpo e essa brisa não dará cabo do serviço.
Deste modo, inertemente deitado na cadeira de veraneio, vendo os passarinhos felizes e o azul do céu que não despenca nunca no precipício, invado as prioridades da ordem do dia: salvar o mundo inteiro da alienação jogando a população mundial na boca convenientemente salivada do fatalismo; juntar os cacos dos corações das meninas apaixonadas; reunir o amor do mundo inteiro em cápsulas e distribuir gratuitamente nas esquinas mais escuras nas nossas lindas metrópoles.
Dia agitado, mas nem por isso menos excitante: vamos revolucionar e depois, um banho de piscina e um novo olhar sobre o precipício: a paz de ter salvado o mundo inteiro há de redimir o recital contínuo e irritante da 'dialética' dentro de mim.
Mas o mundo precisa da dor como eu preciso daqueles olhares cruelmente doces de quem me ama. E não serei eu o homem que privará o mundo da dor.
Privo antes os meus chegados amigos da minha presença e os meus familiares de notícias confiáveis sobre o meu paradeiro e para a segurança social de todos é melhor assim.
Agora, abortada a ordem do dia, volto à cadeira, o sol ainda está fraco. Dentro do meu peito ainda o ar fresco do maior dos suspiros e expiro agora devagar, pensando insanamente em mergulhar, mas falta vento.
sexta-feira, dezembro 31, 2004
quinta-feira, dezembro 30, 2004
Quiromancia
Tenho um tio-avô que é um sujeito muito especial. Figura sempre carismática e misteriosa, tinha lugar de destaque nos almoços domincais na casa de minha avó paterna, sua irmã.
Dele, a primeira coisa que soube era que lia o futuro nas mãos das pessoas, habilidade que eu pessoalmente considerava extraordinária.
Ainda menino, ele leu meu futuro e muito atento guardei cada palavra sua: 'tens tino para o comércio, tino para a política, tino para oficial das forças armadas, mas escolherá outra carreira por teimosia'. Muito esperto e muito certo também.
Nunca revelava detinos terríveis, mas uma vez chamou um dos meus tios pra dizer que o filho dele corria perigo quando terminasse o ginásio: a saúde poderia falhar. Meu tio ouviu com respeito, mas não fez nada. No momento indicado pelo tio-avô meu primo apaixonou-se e, destino cruel, não foi correspondido: resultado, reprovação no vestibular e psiquiatra.
Lembro-me das estórias da juventude dele que a minha avó contava e de como todos nós ficávamos loucos pra confirmar com ele se era verdade, mas nenhum de nós tinha coragem.
Uma dessas diz que ele aprendeu a ler o futuro nas mãos com uma cigana espanhola. Quando contava com 22 anos apaixonou-se por ela e largou tudo para seguí-la e de cidade em cidade exercia o ofício singular de cigano. Minha avó chegou a afirmar que nessa época ele visitava o lar uma vez por ano, vestindo-se tipicamente e gabando-se de ter aprendido a língua cigana, fato que sinceramente admirei porque minha avó disse que ele fez isso para declarar seu amor na língua maternal da amada.
De todas essas estórias e lendas envolvendo esse meu tio-avô, ainda acrescenta-se uma mais recente, de um ano atrás, quando ele insistiu para ler minha mão e não me poupou de contar o triste destino que estaria a minha frente no fim da vida: 'querido sobrinho, tu que nasceste para concluir tarefas difíceis e importantes, vais arriscar a vida seriamente pra salvar tua família de um naufrágio'. Na hora olhei nos olhos dele pra ver se ele estava brincando, mas a expressão facial era dura e preocupada e ele segurava minha mão esquerda com força. Mas poucos dias depois já não pensava mais no assunto.
Imagino que assim como a saúde do meu primo era muito mais sua saúde sentimental, salvar a família de um naufrágio pode significar algo ainda mais lúdico, como mostrar a poesia aos filhos, ou passar a ouvir a esposa à noite antes de dormir, como que uma tomada final de consciência, ou quem sabe é algo mais sério, como um acidente mesmo, mas no mar acho difícil, e ele sabe bem disso. De qualquer modo já tenho o aviso na linguagem poética do meu tio-avô de coração cigano.
Dele, a primeira coisa que soube era que lia o futuro nas mãos das pessoas, habilidade que eu pessoalmente considerava extraordinária.
Ainda menino, ele leu meu futuro e muito atento guardei cada palavra sua: 'tens tino para o comércio, tino para a política, tino para oficial das forças armadas, mas escolherá outra carreira por teimosia'. Muito esperto e muito certo também.
Nunca revelava detinos terríveis, mas uma vez chamou um dos meus tios pra dizer que o filho dele corria perigo quando terminasse o ginásio: a saúde poderia falhar. Meu tio ouviu com respeito, mas não fez nada. No momento indicado pelo tio-avô meu primo apaixonou-se e, destino cruel, não foi correspondido: resultado, reprovação no vestibular e psiquiatra.
Lembro-me das estórias da juventude dele que a minha avó contava e de como todos nós ficávamos loucos pra confirmar com ele se era verdade, mas nenhum de nós tinha coragem.
Uma dessas diz que ele aprendeu a ler o futuro nas mãos com uma cigana espanhola. Quando contava com 22 anos apaixonou-se por ela e largou tudo para seguí-la e de cidade em cidade exercia o ofício singular de cigano. Minha avó chegou a afirmar que nessa época ele visitava o lar uma vez por ano, vestindo-se tipicamente e gabando-se de ter aprendido a língua cigana, fato que sinceramente admirei porque minha avó disse que ele fez isso para declarar seu amor na língua maternal da amada.
De todas essas estórias e lendas envolvendo esse meu tio-avô, ainda acrescenta-se uma mais recente, de um ano atrás, quando ele insistiu para ler minha mão e não me poupou de contar o triste destino que estaria a minha frente no fim da vida: 'querido sobrinho, tu que nasceste para concluir tarefas difíceis e importantes, vais arriscar a vida seriamente pra salvar tua família de um naufrágio'. Na hora olhei nos olhos dele pra ver se ele estava brincando, mas a expressão facial era dura e preocupada e ele segurava minha mão esquerda com força. Mas poucos dias depois já não pensava mais no assunto.
Imagino que assim como a saúde do meu primo era muito mais sua saúde sentimental, salvar a família de um naufrágio pode significar algo ainda mais lúdico, como mostrar a poesia aos filhos, ou passar a ouvir a esposa à noite antes de dormir, como que uma tomada final de consciência, ou quem sabe é algo mais sério, como um acidente mesmo, mas no mar acho difícil, e ele sabe bem disso. De qualquer modo já tenho o aviso na linguagem poética do meu tio-avô de coração cigano.
quarta-feira, dezembro 29, 2004
Atirando com as duas mãos
Tive um professor na faculdade que era polêmico na mesma medida que respeitado pelo seu conhecimento jurídico.
Retirante nordestino, conseguiu estribar-se no exército, onde foi educado e aprendeu a atirar com as duas mãos, chegando a ser oficial, acho eu que tenente.
Seguindo seu espírito inquieto, fez faculdade de direito, abandonou o quartel, foi promotor de justiça, juiz do trabalho, por fim juiz federal. Na vida acadêmica tirou o mestrado e em seguida o doutorado. Escreveu livros lidos nacionalmente, formou juristas de renome nas suas aulas de direito administrativo, morreu aos 48 anos de câncer no estômago.
A viúva de 38 anos acumula hoje as pensões de professor universitário e juiz federal, algo em torno de R$27 mil reais no bruto.
Frente aos réus e seus alunos, mesmo frente aos advogados e promotores e colegas docentes, uma figura imponente e por vezes arrogante, pálido no caixão era um morto tão impotente quanto qualquer outro.
A fragilidade dessa vida só merece a gana de vivê-la com alguma intensidade e com menos medo. Vamos esquecer as rugas, pois a opção a elas é a morte, vamos ver no dinheiro um meio e não um fim, vamos tentar viver um romance de verdade dessa vez?
Eu sempre peço demais das pessoas!
Mas esse professor não era apenas mais um figurão arrogante, era um idealista de baioneta na mão também.
Por vezes notei meus colegas com lágrimas nos olhos e ele também nas formaturas. Amava secretamente seus alunos acreditando que eles poderiam exprimir generosamente o ideal que a academia tinha rotulado de não-puro ao direito.
Lembro de ter visto uma vez ele referir-se a uma colega minha como muito parecida com a sua filha mais nova e dizendo isso aproximou-se dela rapidamente e retirando o cabelo que lhe caía pela fronte repetia: "você se parece muito com minha filha caçula, querida". Tinha os olhos marejados mas quase ninguém percebeu porque muito astutamente emendou com uma piada, mas eu vi e sabia que isso era porque vivia longe das filhas que eram seu grande amor.
Tínhamos enfim um homem idealista e sentimental na couraça de um truculento juiz e professor de direito, que sofrera por toda vida para ter sua carreira, sua família, seu patrimônio tão dignamente construído.
E morto aos 48 anos por um câncer no estômago.
Retirante nordestino, conseguiu estribar-se no exército, onde foi educado e aprendeu a atirar com as duas mãos, chegando a ser oficial, acho eu que tenente.
Seguindo seu espírito inquieto, fez faculdade de direito, abandonou o quartel, foi promotor de justiça, juiz do trabalho, por fim juiz federal. Na vida acadêmica tirou o mestrado e em seguida o doutorado. Escreveu livros lidos nacionalmente, formou juristas de renome nas suas aulas de direito administrativo, morreu aos 48 anos de câncer no estômago.
A viúva de 38 anos acumula hoje as pensões de professor universitário e juiz federal, algo em torno de R$27 mil reais no bruto.
Frente aos réus e seus alunos, mesmo frente aos advogados e promotores e colegas docentes, uma figura imponente e por vezes arrogante, pálido no caixão era um morto tão impotente quanto qualquer outro.
A fragilidade dessa vida só merece a gana de vivê-la com alguma intensidade e com menos medo. Vamos esquecer as rugas, pois a opção a elas é a morte, vamos ver no dinheiro um meio e não um fim, vamos tentar viver um romance de verdade dessa vez?
Eu sempre peço demais das pessoas!
Mas esse professor não era apenas mais um figurão arrogante, era um idealista de baioneta na mão também.
Por vezes notei meus colegas com lágrimas nos olhos e ele também nas formaturas. Amava secretamente seus alunos acreditando que eles poderiam exprimir generosamente o ideal que a academia tinha rotulado de não-puro ao direito.
Lembro de ter visto uma vez ele referir-se a uma colega minha como muito parecida com a sua filha mais nova e dizendo isso aproximou-se dela rapidamente e retirando o cabelo que lhe caía pela fronte repetia: "você se parece muito com minha filha caçula, querida". Tinha os olhos marejados mas quase ninguém percebeu porque muito astutamente emendou com uma piada, mas eu vi e sabia que isso era porque vivia longe das filhas que eram seu grande amor.
Tínhamos enfim um homem idealista e sentimental na couraça de um truculento juiz e professor de direito, que sofrera por toda vida para ter sua carreira, sua família, seu patrimônio tão dignamente construído.
E morto aos 48 anos por um câncer no estômago.
quinta-feira, dezembro 23, 2004
A pequenina luz indecifrável
Olho nos teus olhos, amiga. Vejo fogo e lágrima e apelo! Amiga, lembra daquelas lindas palavras que sairam da tua boca, mesmo por sofrimento, são tuas! Deixas-me aqui no peito a tua sensação de desatino, de deixar no mar as boias e a nado atravessar o canal que separa o real do absurdo...
A tempestade cai indiferente às vítimas que faz e os incêndios e os cadáveres e o medo das crianças não fará com que os trovões fiquem no céu, eles vão despencar de qualquer jeito e meus braços tentam intimidá-los debilmente, numa demonstração de coragem e de fé que meu coração ordena.
Quantas vezes tentei compreender esses pensamentos de ruína e tristeza, de ciúmes, de paixão doente, de ser verde por dentro e negro por fora sem que ninguém note nada e caminhando morto entre os vivos ter de fingir todo o tempo para que não fiquem perguntando "você está bem?".
Na vida tão curta que já tive, vivi dores fundas, amiga, e vejo-as agora em ti numa reprise a preto-e-branco sem permissão pra ir ao banheiro antes do fim da sessão, e obrigado a rememorar o roteiro, as falas, as intrigas e as surpresas que prendem a atenção dos que vêem pela primeira vez, mas que para mim são piadas de péssimo gosto.
Quem me dera poder arrancar-te desse limbo de maldade, desse labirinto, abraçar-te forte e dar ao seu olhar uma vista linda de fim de tarde pra ele se acostumar de novo com a beleza que é seu destino natural, segurar forte seu corpo pela cintura e levantar-te pra que a chuva chegue ainda antes no teu rosto, girando nós dois numa única peça da alegria.
Quem me dera, amiga, dar-te outro destino, mas nessa hora, nessa tristíssima e negra hora, tens de estar bem sozinha contigo mesma para ouvir na voz do silêncio a razão do amor, da vida, das certezas e de todos os dramas do mundo e nessa voz mágica que os que te amam liberam em ondas contínuas e uniformes tens de ouvir nosso amor e mais, a certeza do teu amor e da tua boa vontade para deixar-lhe outra esperança.
A tempestade cai indiferente às vítimas que faz e os incêndios e os cadáveres e o medo das crianças não fará com que os trovões fiquem no céu, eles vão despencar de qualquer jeito e meus braços tentam intimidá-los debilmente, numa demonstração de coragem e de fé que meu coração ordena.
Quantas vezes tentei compreender esses pensamentos de ruína e tristeza, de ciúmes, de paixão doente, de ser verde por dentro e negro por fora sem que ninguém note nada e caminhando morto entre os vivos ter de fingir todo o tempo para que não fiquem perguntando "você está bem?".
Na vida tão curta que já tive, vivi dores fundas, amiga, e vejo-as agora em ti numa reprise a preto-e-branco sem permissão pra ir ao banheiro antes do fim da sessão, e obrigado a rememorar o roteiro, as falas, as intrigas e as surpresas que prendem a atenção dos que vêem pela primeira vez, mas que para mim são piadas de péssimo gosto.
Quem me dera poder arrancar-te desse limbo de maldade, desse labirinto, abraçar-te forte e dar ao seu olhar uma vista linda de fim de tarde pra ele se acostumar de novo com a beleza que é seu destino natural, segurar forte seu corpo pela cintura e levantar-te pra que a chuva chegue ainda antes no teu rosto, girando nós dois numa única peça da alegria.
Quem me dera, amiga, dar-te outro destino, mas nessa hora, nessa tristíssima e negra hora, tens de estar bem sozinha contigo mesma para ouvir na voz do silêncio a razão do amor, da vida, das certezas e de todos os dramas do mundo e nessa voz mágica que os que te amam liberam em ondas contínuas e uniformes tens de ouvir nosso amor e mais, a certeza do teu amor e da tua boa vontade para deixar-lhe outra esperança.
quarta-feira, dezembro 22, 2004
Ter um pomar
Nas discussões ordinárias do dia-a-dia sempre vem como tema o próximo sonho de consumo. "Eu quero um carro novo...";"eu quero uma viagem pra Europa...";"eu quero uma casa com piscina e churrasqueira...";"Eu quero uma mulher pra usar e pra exibir". Pois se é pra exgerar no sonho do que se quer consumir, eu quero ter um pomar.
Olha que pouca gente sabe a alegria que é ter um pomar! Com jabuticabeiras, goiabeiras, parreiras, laranjeiras, pessegueiras, figueiras, coqueiros, abacateiros, mangueiras, ameixeiras, mamoeiros, macieiras, oliveiras, pereiras, pitangueiras, jambeiras, aceroleiras... efim, um pomar com todas as árvores frutíferas que há, num clima de cultivo que congregue todas, na paz do impossível e do perfeito!
Pois um pomar que se preze tem de ter o maior número possível de espécimes frutíferas, tudo estrategicamente plantado para o melhor aproveitamento do solo e o maior prazer da refeição: deste modo, cabem estar mais à vista as goiabeiras e as mangueiras e mais espalhadas as pitangueiras como que servindo de sobremesa ao prato principal, tudo regado à mais fresca água de côco.
A verdade é que os pomares são templos da vida. Na infância tão corada de alegria e aventura, eram a casa fora da casa de quem teve o seu pomar, onde de cima das árvores devorava-se as goiabas ou pitangas, tomando cuidado com as caixas de marimbondos. Ambiciona-se a pitanga mais distante, questão de orgulho pra um bom 'predador' de frutas: a maior e mais vermelha de todas e quando chega-se até ela, do outro lado uma bicada de passarinho tirava toda a glória e nesse minuto, mais que em qualquer outro (e não são poucos) quer-se ser um passarinho, pra tirar o melhor das melhores frutas sem quase nenhum esforço além de esfolá-las com o biquinho.
Trata-se, ao menos pra uma criança, de um jardim do Éden: comida caindo pelos galhos, sem nenhuma preocupação, aventura de encontrar e melhor das frutas!
Eu, que quando menino, nunca me importara em me socializar muito, adorava a solidão e a beleza dos pomares, que é tão particular e tão avessa à baixaria que coloco guela abaixo via feira de supermercado, ou é avessa às bandeiras de causas cansadas... essa gente nunca freqüentou pomares...
Quero ter um pomar, mesmo que isso seja pretensão demais, afinal os expulsos são os que mais dão valor ao paraíso.
Olha que pouca gente sabe a alegria que é ter um pomar! Com jabuticabeiras, goiabeiras, parreiras, laranjeiras, pessegueiras, figueiras, coqueiros, abacateiros, mangueiras, ameixeiras, mamoeiros, macieiras, oliveiras, pereiras, pitangueiras, jambeiras, aceroleiras... efim, um pomar com todas as árvores frutíferas que há, num clima de cultivo que congregue todas, na paz do impossível e do perfeito!
Pois um pomar que se preze tem de ter o maior número possível de espécimes frutíferas, tudo estrategicamente plantado para o melhor aproveitamento do solo e o maior prazer da refeição: deste modo, cabem estar mais à vista as goiabeiras e as mangueiras e mais espalhadas as pitangueiras como que servindo de sobremesa ao prato principal, tudo regado à mais fresca água de côco.
A verdade é que os pomares são templos da vida. Na infância tão corada de alegria e aventura, eram a casa fora da casa de quem teve o seu pomar, onde de cima das árvores devorava-se as goiabas ou pitangas, tomando cuidado com as caixas de marimbondos. Ambiciona-se a pitanga mais distante, questão de orgulho pra um bom 'predador' de frutas: a maior e mais vermelha de todas e quando chega-se até ela, do outro lado uma bicada de passarinho tirava toda a glória e nesse minuto, mais que em qualquer outro (e não são poucos) quer-se ser um passarinho, pra tirar o melhor das melhores frutas sem quase nenhum esforço além de esfolá-las com o biquinho.
Trata-se, ao menos pra uma criança, de um jardim do Éden: comida caindo pelos galhos, sem nenhuma preocupação, aventura de encontrar e melhor das frutas!
Eu, que quando menino, nunca me importara em me socializar muito, adorava a solidão e a beleza dos pomares, que é tão particular e tão avessa à baixaria que coloco guela abaixo via feira de supermercado, ou é avessa às bandeiras de causas cansadas... essa gente nunca freqüentou pomares...
Quero ter um pomar, mesmo que isso seja pretensão demais, afinal os expulsos são os que mais dão valor ao paraíso.
terça-feira, dezembro 21, 2004
Irmandade
Vão longe os anos que estivemos nas mesmas frentes de batalha e lutamos com cólera de paixão. Na minha adolescência tão cheia de ideal, ensinaram-me que a arrogância dificulta os processos: antes eu não sabia disso...
Mais que isso, descobri na amizade verdadeira e na defesa do ideal um aliado poderoso contra a ansiedade de buscar um sentido para todas as coisas: saí moldado com a mais cara das armaduras e a mais afiada das espadas da fábrica de heróis.
Mas hoje já não sou mais um herói, não vou salvar ninguém de nenhum destino trágico já que não quero privar ninguém de aprender. Dentre os meus sentimentos há lugar para a Justiça e para a Paz e acho que essa herança é o melhor dos quinhões que se poderia receber.
Ontem vi o rosto do meu ideal de liderança! Grande Roberto, quantos anos!
A boca gulosa do tempo mastigou de uma vez só tudo aquilo que foi sem destruí-lo, mas transformou-o noutra espécie, na das coisas mutantes, tudo muda.
Longe, tão longe de agora, depois de eu me transformar nesse rapaz sério e falante, tenho os olhos fixos no horizonte e sem mais querer degolar os impostores: deixe os bobos alegrando a corte. Hoje os dias são magros e retirei toda magia do meu quarto... não acredito mais nisso.
Recebi um convite do reino dos céticos para ser coroado Rei! Pois é! Isso porque acabei de tirar o título de pós-doutor em Tecnocracia pela Universidade Católica dos Self-made-men com distinção!
Mas não maldigo a treva, nem a argila que obstruía meus ouvidos, as marés vieram e meu transatlântico pode continuar explorando a rota Angra-Itajaí e fazer a felicidade das jovens recém-divorciadas milionárias que constantemente são objeto do meu flerte mais cômico!
Então, depois de todo esse blablablá... o grande Roberto vai pra Curitiba, o senhor doutor aqui vai para a linda e romântica cidade de Belo Horizonte e esse tempo tão longo e tão importante para formar em mim a certeza do amor pela beleza de tudo, pela virtude, pelo ideal, pela vitória, todo isso cristaliza agora.
Jamais deixarei de ser um incurável estóico. Sim, sou isso, um estóico! E assim, redimido do alto título de tecnocrata, guardo comigo, escondido nalguma parte invisível aos outros, a nossa fé.
Mais que isso, descobri na amizade verdadeira e na defesa do ideal um aliado poderoso contra a ansiedade de buscar um sentido para todas as coisas: saí moldado com a mais cara das armaduras e a mais afiada das espadas da fábrica de heróis.
Mas hoje já não sou mais um herói, não vou salvar ninguém de nenhum destino trágico já que não quero privar ninguém de aprender. Dentre os meus sentimentos há lugar para a Justiça e para a Paz e acho que essa herança é o melhor dos quinhões que se poderia receber.
Ontem vi o rosto do meu ideal de liderança! Grande Roberto, quantos anos!
A boca gulosa do tempo mastigou de uma vez só tudo aquilo que foi sem destruí-lo, mas transformou-o noutra espécie, na das coisas mutantes, tudo muda.
Longe, tão longe de agora, depois de eu me transformar nesse rapaz sério e falante, tenho os olhos fixos no horizonte e sem mais querer degolar os impostores: deixe os bobos alegrando a corte. Hoje os dias são magros e retirei toda magia do meu quarto... não acredito mais nisso.
Recebi um convite do reino dos céticos para ser coroado Rei! Pois é! Isso porque acabei de tirar o título de pós-doutor em Tecnocracia pela Universidade Católica dos Self-made-men com distinção!
Mas não maldigo a treva, nem a argila que obstruía meus ouvidos, as marés vieram e meu transatlântico pode continuar explorando a rota Angra-Itajaí e fazer a felicidade das jovens recém-divorciadas milionárias que constantemente são objeto do meu flerte mais cômico!
Então, depois de todo esse blablablá... o grande Roberto vai pra Curitiba, o senhor doutor aqui vai para a linda e romântica cidade de Belo Horizonte e esse tempo tão longo e tão importante para formar em mim a certeza do amor pela beleza de tudo, pela virtude, pelo ideal, pela vitória, todo isso cristaliza agora.
Jamais deixarei de ser um incurável estóico. Sim, sou isso, um estóico! E assim, redimido do alto título de tecnocrata, guardo comigo, escondido nalguma parte invisível aos outros, a nossa fé.
segunda-feira, dezembro 20, 2004
Dramas velados
Antes mesmo de surgirem os afetos, antes da alegria por tantas afinidades, eu soube que seria assim. Soube que entre nossos olhos frios de aragem que carregamos desde o nascimento haveria paixão e drama.
Presas no íntimo da minha garganta, as frases mais amáveis e gentis não chegaram aos teus ouvidos e eu te privei do toque exato das mãos no teu rosto, na moldura inevitável da cena de amor.
Nós dois, cada um no seu caminho, mendigando tão erradamente aceitação para as nossas idéias e sentimentos, encontramos um ao outro com os olhos arregalados e cheios de vento. Em ti o terror e a angústia calada de outro fim, e aqui o bem perene de acreditar nessa virtude amorosa para não ceder ao fatalismo.
Eu usei a brutalidade dos meus braços para passar com perfeição os teus vestidos, para que a sua beleza brilhasse mais. Eu permiti que a acidez do meu ceticismo fosse misturada à basicidade da arte do encontro para encher meu peito de você. Eu ouvi canções de amor e dancei com você no meu quarto quando tive medo... e dancei tanto que os bailes mais longos foram apenas instantes de ensaio frente à nossa dança.
Já me perguntei se há dignidade na caverna escura do meu coração, tão acostumado às paixões agressivas e aos sentimentos fortes... Paixão, cólera, asco, veneno... alquimia desesperadamente humana, tão nossa e que eu não nego à minha natureza, que liga-nos perigosamente e nos machuca um ao outro...
Seus olhos vão brilhar mais sem o choro e eu os prefiro assim, secos de tristeza e dúvidas... úmidos das tuas andanças poéticas e dos teus sentimentos instantâneos e de esperança.
Mecanicamente os bom-dias chegam, os carros na rua se apressam pontualmente, as luzes dos postes se apagam, acendem-se as luzes do escritório, claridade na janela: tudo sem poesia, mas nem por isso sem a esperança secreta de que ela nasça em qualquer distração, e então, quando os nomes das coisas fizerem sentido e quando as luzes mais claras não ferirem a vista, quero que você esteja comigo.
Presas no íntimo da minha garganta, as frases mais amáveis e gentis não chegaram aos teus ouvidos e eu te privei do toque exato das mãos no teu rosto, na moldura inevitável da cena de amor.
Nós dois, cada um no seu caminho, mendigando tão erradamente aceitação para as nossas idéias e sentimentos, encontramos um ao outro com os olhos arregalados e cheios de vento. Em ti o terror e a angústia calada de outro fim, e aqui o bem perene de acreditar nessa virtude amorosa para não ceder ao fatalismo.
Eu usei a brutalidade dos meus braços para passar com perfeição os teus vestidos, para que a sua beleza brilhasse mais. Eu permiti que a acidez do meu ceticismo fosse misturada à basicidade da arte do encontro para encher meu peito de você. Eu ouvi canções de amor e dancei com você no meu quarto quando tive medo... e dancei tanto que os bailes mais longos foram apenas instantes de ensaio frente à nossa dança.
Já me perguntei se há dignidade na caverna escura do meu coração, tão acostumado às paixões agressivas e aos sentimentos fortes... Paixão, cólera, asco, veneno... alquimia desesperadamente humana, tão nossa e que eu não nego à minha natureza, que liga-nos perigosamente e nos machuca um ao outro...
Seus olhos vão brilhar mais sem o choro e eu os prefiro assim, secos de tristeza e dúvidas... úmidos das tuas andanças poéticas e dos teus sentimentos instantâneos e de esperança.
Mecanicamente os bom-dias chegam, os carros na rua se apressam pontualmente, as luzes dos postes se apagam, acendem-se as luzes do escritório, claridade na janela: tudo sem poesia, mas nem por isso sem a esperança secreta de que ela nasça em qualquer distração, e então, quando os nomes das coisas fizerem sentido e quando as luzes mais claras não ferirem a vista, quero que você esteja comigo.
sexta-feira, dezembro 17, 2004
Ouvre d'art
Impossível não reconhecer que a música brasileira vem mudando muito rápido nesse período entre o fim do século XX e o início do XXI.
Desde o início da década de 90 e até antes, os sertanejos tinham alcançado a categoria de músicos de sucesso. Chitãozinho e Xororó, Leandro e Leonardo, Zézé di Camargo e Luciano são só os três nomes mais representativos da categoria de duplas sertanejas que envolveram todo o Brasil nas suas canções românticas e em alguns momentos muito felizes, ingênuas e carinhosas, como é o caso da linda 'No rancho fundo', talvez um ranço do puríssimo e brasileiríssimo berço da música sertaneja, que é a música sertaneja de raiz, cujos maiores expoentes foram Tonico e Tinoco.
Mas em 1996 Daniela Mercury e o axé music de uma maneira geral surgem para aprensentar novos ritmos ao país. O carnaval da Bahia estava no seu auge e o Gera Samba, depois rebatizado de É o tchan! surgia com suas músicas, digamos, boas de dançar e ruins de aturar.
Nesse mesmo período os grupos de pagade alcançavam o seu melhor momento também. Grupos como o Raça Negra e o Molejo estouravam sucessos todos os meses, num surto nunca dantes visto. O pagode, sempre popular nas periferias, ganhava a classe média brasileira.
No início desse século, entretanto, outro movimento de gueto foi visível, este na verdade teve seu ápice de sucesso mais curto, que foi o Funk. Sempre com letras abusadas e ofensivas, ritmo agressivo e ambiente extremamente marginal, esses funqueiros conseguiram emplacar alguns sucessos inegáveis, obras de DJ Serginho e do Bonde do Tigrão na maioria.
Entretanto essa música popularesca vem sendo paulatinamente rejeitada pela preferência da juventude mais recente, abrindo-se novo fôlego para o bom e velho Rock'n'roll e para a música pop internacional e nacional.
Marginalizadas pelos seus críticos, Axé music, Música sertaneja, Pagode e Funk recrudescem vertiginosamente na preferência da juventude de classe média, voltando aos seus nascedouros, aos seus berços primitivos, nas periferias regionais ou sociais.
Sobra agora verificar o que permanece e o que surge de bom na música do Brasil.
De realmente novo na música e que possoui valor para levantar-se e defender sua verdade para sempre, num movimento autêntico e perene de revolução da música brasileira, é impossível não notar a existência da banda carioca Los Hermanos.
Sobre os Los Hermanos não é pouco dizer que unem talento à sanha de provar a sua verdade. Não há ambição de sucesso pelo sucesso, apesar dela existir, lógico.
Reclusa ao ambiente underground carioca no período na segunda metade da década de noventa, o seu primeiro sucesso, "Anna Julia", com uma letrinha de dor-de-cotuvelo mas singela, fez a banda conhecida em todo Brasil, tomando o primeiro lugar das paradas por meses seguidos no ano de 1999.
No primeiro disco, chamado "Los Hermanos", há músicas interessantes que acabaram ofuscadas pelo sucesso de "Anna Julia", como "Quem sabe" e "Onze dias", mas revelam desde já uma profundidade e uma poesia que não pareciam comuns até então.
Mesclando elementos nacionais como o samba de partido alto, com Bossa Nova e Rock'n'roll, principalmente nas vertentes de hardcore e rock clássico, Los Hermanos eram um elemento estranho na cena musical de 1999, dominada pelo Axé music, pelos pagodeiros e sertanejos.
Em 2000, com "O bloco do eu sozinho", Los Hermanos apresenta um disco simplesmente ímpar na história da música brasileira. Com elementos originais de um hardcore imiscuído em bossa nova, num tom sempre intenso nas composições e músicas, as canções são extremamente inteligentes e plenas de poesia.
O "Bloco...", entretanto, não fez o mesmo sucesso do primeiro disco, apesar de ter recebido vários prêmios importantes. O fracasso do segundo disco pode ser compreendido à problemas internos na banda e também à incompetência da sua gravadora no lançamento e divulgação.
Nesse momento, muitos achavam que a banda estava com os dias contados, mas eis que em 2003 surge "Ventura", o terceiro disco, que não traz nem as precipitações do primeiro, nem as tristezas tão agudas do segundo, reunindo entretanto o melhor do talento indizível desses músicos: uma verdadeira obra de arte. "Ventura" traz canções como "Cara estranho" e "Último Romance" que são aclamadas pelo público e crítica como baloartes de uma nova maneira de fazer-se música brasileira popular, com uma sensibilidade ímpar em unir letra, música e interpretação num trio poderosíssimo e de uma originalidade quanto ao estilo difícil de perseguir ou mesmo criticar com fundamento. De modo geral, as canções são simples, falam de sentimentos e situações marcantes da vida, mas a vertente de adequar tudo à nossa natureza brasileira e à modernidade faz de Los Hermanos os grandes revolucionários do estilo, relegando a segundo plano o restante do pop rock nacional e inclusive causando dores de cabeça nos outros compositores, já que as comparações são inevitáveis e no mais das vezes desfavoráveis aos concorrentes.
Sorte a nossa não ter morrido em 1999.
Desde o início da década de 90 e até antes, os sertanejos tinham alcançado a categoria de músicos de sucesso. Chitãozinho e Xororó, Leandro e Leonardo, Zézé di Camargo e Luciano são só os três nomes mais representativos da categoria de duplas sertanejas que envolveram todo o Brasil nas suas canções românticas e em alguns momentos muito felizes, ingênuas e carinhosas, como é o caso da linda 'No rancho fundo', talvez um ranço do puríssimo e brasileiríssimo berço da música sertaneja, que é a música sertaneja de raiz, cujos maiores expoentes foram Tonico e Tinoco.
Mas em 1996 Daniela Mercury e o axé music de uma maneira geral surgem para aprensentar novos ritmos ao país. O carnaval da Bahia estava no seu auge e o Gera Samba, depois rebatizado de É o tchan! surgia com suas músicas, digamos, boas de dançar e ruins de aturar.
Nesse mesmo período os grupos de pagade alcançavam o seu melhor momento também. Grupos como o Raça Negra e o Molejo estouravam sucessos todos os meses, num surto nunca dantes visto. O pagode, sempre popular nas periferias, ganhava a classe média brasileira.
No início desse século, entretanto, outro movimento de gueto foi visível, este na verdade teve seu ápice de sucesso mais curto, que foi o Funk. Sempre com letras abusadas e ofensivas, ritmo agressivo e ambiente extremamente marginal, esses funqueiros conseguiram emplacar alguns sucessos inegáveis, obras de DJ Serginho e do Bonde do Tigrão na maioria.
Entretanto essa música popularesca vem sendo paulatinamente rejeitada pela preferência da juventude mais recente, abrindo-se novo fôlego para o bom e velho Rock'n'roll e para a música pop internacional e nacional.
Marginalizadas pelos seus críticos, Axé music, Música sertaneja, Pagode e Funk recrudescem vertiginosamente na preferência da juventude de classe média, voltando aos seus nascedouros, aos seus berços primitivos, nas periferias regionais ou sociais.
Sobra agora verificar o que permanece e o que surge de bom na música do Brasil.
De realmente novo na música e que possoui valor para levantar-se e defender sua verdade para sempre, num movimento autêntico e perene de revolução da música brasileira, é impossível não notar a existência da banda carioca Los Hermanos.
Sobre os Los Hermanos não é pouco dizer que unem talento à sanha de provar a sua verdade. Não há ambição de sucesso pelo sucesso, apesar dela existir, lógico.
Reclusa ao ambiente underground carioca no período na segunda metade da década de noventa, o seu primeiro sucesso, "Anna Julia", com uma letrinha de dor-de-cotuvelo mas singela, fez a banda conhecida em todo Brasil, tomando o primeiro lugar das paradas por meses seguidos no ano de 1999.
No primeiro disco, chamado "Los Hermanos", há músicas interessantes que acabaram ofuscadas pelo sucesso de "Anna Julia", como "Quem sabe" e "Onze dias", mas revelam desde já uma profundidade e uma poesia que não pareciam comuns até então.
Mesclando elementos nacionais como o samba de partido alto, com Bossa Nova e Rock'n'roll, principalmente nas vertentes de hardcore e rock clássico, Los Hermanos eram um elemento estranho na cena musical de 1999, dominada pelo Axé music, pelos pagodeiros e sertanejos.
Em 2000, com "O bloco do eu sozinho", Los Hermanos apresenta um disco simplesmente ímpar na história da música brasileira. Com elementos originais de um hardcore imiscuído em bossa nova, num tom sempre intenso nas composições e músicas, as canções são extremamente inteligentes e plenas de poesia.
O "Bloco...", entretanto, não fez o mesmo sucesso do primeiro disco, apesar de ter recebido vários prêmios importantes. O fracasso do segundo disco pode ser compreendido à problemas internos na banda e também à incompetência da sua gravadora no lançamento e divulgação.
Nesse momento, muitos achavam que a banda estava com os dias contados, mas eis que em 2003 surge "Ventura", o terceiro disco, que não traz nem as precipitações do primeiro, nem as tristezas tão agudas do segundo, reunindo entretanto o melhor do talento indizível desses músicos: uma verdadeira obra de arte. "Ventura" traz canções como "Cara estranho" e "Último Romance" que são aclamadas pelo público e crítica como baloartes de uma nova maneira de fazer-se música brasileira popular, com uma sensibilidade ímpar em unir letra, música e interpretação num trio poderosíssimo e de uma originalidade quanto ao estilo difícil de perseguir ou mesmo criticar com fundamento. De modo geral, as canções são simples, falam de sentimentos e situações marcantes da vida, mas a vertente de adequar tudo à nossa natureza brasileira e à modernidade faz de Los Hermanos os grandes revolucionários do estilo, relegando a segundo plano o restante do pop rock nacional e inclusive causando dores de cabeça nos outros compositores, já que as comparações são inevitáveis e no mais das vezes desfavoráveis aos concorrentes.
Sorte a nossa não ter morrido em 1999.
quinta-feira, dezembro 16, 2004
Acabou o talco
Chega um tempo na vida em que é preciso fazer escolhas grandes: qual o melhor shampoo, a camisa mais adequada pra hoje à noite, qual a música que ela vai adorar ouvir quando estivermos juntos?
Na esquina da rua Halfeld com a Getúlio Vargas encontrei um velho amigo para pôr a conversa em dia e foi uma noite muito agradável a de terça-feira. Inevitavelmente lembrei-lhe que estamos vivendo uma época de decisões grandes e como estava angustiado com aquilo tudo. É um tema tão relevante que deveria ser trazido pra cá, mas não trouxe antes porque achava que estava faltando um componente à discussão e agora tenho-o aqui na minha frente.
Na sinuosidade das coisas simples não se entrevê como é importante não esquecê-las! Que importa se daqui a 10 anos serei o maior magnata do petróleo que já viveu se hoje a minha ambição não traz as respostas que eu tanto quero?
A angústia a a ansiedade ficam, então, deitadas comigo e dão beijos rápidos e sem nenhum carinho para que eu me perca das coisas que são mais relevantes, num jogo sempre previsível e incoerente.
Eu decidi que naquela noite duas cervejas eram suficientes para rir um pouco e na medida dessa decisão quantos assuntos voaram naquela mesa! Não é mais o tempo de deixar que outros decidam, afinal não há mais talco pra mim já há muito tempo.
Lembro bem de ter lido num livro de auto-ajuda que o que diferencia os homens não é o talento, mas suas escolhas, e das muitas bobagens que são escritas nesses livros, essa não deve ser esnobada.
Escolher certo é tudo que eu quero e não ter de escolher sempre é a ambição secreta.
Na esquina da rua Halfeld com a Getúlio Vargas encontrei um velho amigo para pôr a conversa em dia e foi uma noite muito agradável a de terça-feira. Inevitavelmente lembrei-lhe que estamos vivendo uma época de decisões grandes e como estava angustiado com aquilo tudo. É um tema tão relevante que deveria ser trazido pra cá, mas não trouxe antes porque achava que estava faltando um componente à discussão e agora tenho-o aqui na minha frente.
Na sinuosidade das coisas simples não se entrevê como é importante não esquecê-las! Que importa se daqui a 10 anos serei o maior magnata do petróleo que já viveu se hoje a minha ambição não traz as respostas que eu tanto quero?
A angústia a a ansiedade ficam, então, deitadas comigo e dão beijos rápidos e sem nenhum carinho para que eu me perca das coisas que são mais relevantes, num jogo sempre previsível e incoerente.
Eu decidi que naquela noite duas cervejas eram suficientes para rir um pouco e na medida dessa decisão quantos assuntos voaram naquela mesa! Não é mais o tempo de deixar que outros decidam, afinal não há mais talco pra mim já há muito tempo.
Lembro bem de ter lido num livro de auto-ajuda que o que diferencia os homens não é o talento, mas suas escolhas, e das muitas bobagens que são escritas nesses livros, essa não deve ser esnobada.
Escolher certo é tudo que eu quero e não ter de escolher sempre é a ambição secreta.
quarta-feira, dezembro 15, 2004
Medo
Quando meu irmão Fernando e eu éramos crianças poucos conseguiam notar claramente as nossas diferenças de personalidade, enquanto que era fácil ver as semelhancas, como nós dois éramos orgulhosos, e aqui o motivo de inúmeras brigas homéricas, e ao mesmo tempo amorosos com a família, conforme atestam as testemunhas.
Mesmo num Fernando bem pequenino eu já sabia do traço maior que nos diferenciava: meu irmão era medroso. Tanto assim que nunca gostou de andar a cavalo, prática que eu adoro, ou mesmo teve coragem de aventurar-se além do que é seguro, prática que eu adoto inclusive filosoficamente. Lembro-me de um episódio da infância que ilustra bem: estávamos num domingo à tarde num churrasco em família, no sítio do meu pai junto à cachoeira. Eu adorava explorar todas as partes da cachoeira, todas as quedas e o ápice é entrar no vão das quedas d'água, sim, ficar lá dentro vendo a água cair na frente. O detalhe é que para entrar nesse vão é preciso coragem e apesar de ser maravilhoso, apesar de ser surpreendente, apesar de ser a coisa mais emocionante de se fazer por lá, o Fernando nunca quis ir ao vão da cachoeira. Entrou algumas vezes sim, mas forçado por mim, e quando lá estava maravilhou-se.
Meu irmão querido, único e nem por isso menos amado, mostrou-me bem cedo as conseqüências de se ter medo e elas são terríveis, terríveis mesmo.
O medo é a reação contra o perigo, protege, portanto. Mas digamos que o medo ganhe dimensões maiores que o estritamente necessário para essa proteção instintiva e ganhe ares de comando da personalidade, ou seja, orienta a conduta.
Medo de ousar é a causa de grande parte da tristeza de uma vida sem realizações, da vagueza de poder ser grande mas auto-abortar o sonho por faltar confiança. Daí não vale e o talento tão legítimo perece.
O medo que orienta a conduta é meu inimigo contra a liberdade, senta-se ao meu lado e canta as canções que me intimidam, abre à minha frente o horizonte das piores probabilidades e diz que lá está o meu destino, mas acontece que quem escolhe sou eu e, talvez por natureza, talvez por formação, não dou ouvidos à perdedores.
Como disse Dolores Abarruri, heroína da Guerra Civil Espanhola, inclusive a última guerra por um ideal, "é melhor morrer de pé do que viver de joelhos".
Mesmo num Fernando bem pequenino eu já sabia do traço maior que nos diferenciava: meu irmão era medroso. Tanto assim que nunca gostou de andar a cavalo, prática que eu adoro, ou mesmo teve coragem de aventurar-se além do que é seguro, prática que eu adoto inclusive filosoficamente. Lembro-me de um episódio da infância que ilustra bem: estávamos num domingo à tarde num churrasco em família, no sítio do meu pai junto à cachoeira. Eu adorava explorar todas as partes da cachoeira, todas as quedas e o ápice é entrar no vão das quedas d'água, sim, ficar lá dentro vendo a água cair na frente. O detalhe é que para entrar nesse vão é preciso coragem e apesar de ser maravilhoso, apesar de ser surpreendente, apesar de ser a coisa mais emocionante de se fazer por lá, o Fernando nunca quis ir ao vão da cachoeira. Entrou algumas vezes sim, mas forçado por mim, e quando lá estava maravilhou-se.
Meu irmão querido, único e nem por isso menos amado, mostrou-me bem cedo as conseqüências de se ter medo e elas são terríveis, terríveis mesmo.
O medo é a reação contra o perigo, protege, portanto. Mas digamos que o medo ganhe dimensões maiores que o estritamente necessário para essa proteção instintiva e ganhe ares de comando da personalidade, ou seja, orienta a conduta.
Medo de ousar é a causa de grande parte da tristeza de uma vida sem realizações, da vagueza de poder ser grande mas auto-abortar o sonho por faltar confiança. Daí não vale e o talento tão legítimo perece.
O medo que orienta a conduta é meu inimigo contra a liberdade, senta-se ao meu lado e canta as canções que me intimidam, abre à minha frente o horizonte das piores probabilidades e diz que lá está o meu destino, mas acontece que quem escolhe sou eu e, talvez por natureza, talvez por formação, não dou ouvidos à perdedores.
Como disse Dolores Abarruri, heroína da Guerra Civil Espanhola, inclusive a última guerra por um ideal, "é melhor morrer de pé do que viver de joelhos".
terça-feira, dezembro 14, 2004
Ato heróico
'Amor' e 'amizade' são palavras que tem o mesmo radical latino, o radical primitivo 'am' que remete a 'ambos', significando 'dois'. Essa origem dessas palavras talvez demonstre que amar por si mesmo é algo impossível, há que ser recíproco. Na verdade é um tipo de o amor por si mesmo, conseqüência dos arquéticos que se cria para ser a bem amada. É sabido ser bem menor que o amor pelo outro, e nessa condição ainda ser correspondido. Daí ser apropriado o nome de egoísmo para esse sentimento.
Com o perdão do tom professoral, coloco como verdade que o amor é um sentimento para o outro e não pra nós mesmos que tem sua contrapartida: dá-se e recebe-se amor. O maior de todos os sentimentos não é pra mim mesmo, mas pra bem amada, pros amigos, pra todos que cativaram e fizeram valer o momento de alegria além da alegria com a ternura e a confiança que ficam na memória e são as colunas firmes de todo relacionamento humano e que me tem na mesma conta.
Amar é partilhar, portanto. Talvez o socialismo leninista tenha acabado por falta de amor, na verdade isso é bem mais provável do que qualquer teoria conspiratória anti-americana. Amar sem ter medo, amar sem querer pra si, amar porque esse é o destino e o fim maior de qualquer sonho.
Nisso tenho um exemplo simples que todos já refletiram sobre: o do velho rico. Imagine um homem que por toda a vida sacrificou o convívio com os amigos e o apoio sentimental à família e, por isso mesmo, amesquinhou-se e perdeu toda a sensibilidade quanto aos sentimentos dos outros, quanto a perceber que o mundo girava em outra órbita que não a da sua posição na lista da revista Forbes. Pois bem, na velhice esse homem vai compreender que cada dia a mais é um a menos e que se a fortuna era incerta e veio como resultado do seu trabalho, a morte não requer nenhum esforço e não pode ser evitada com leões-de-chácara mal encarados. Daí, na infinita melancolia da solidão, sem amizade, sem amor, sem todos os sentimentos que lhe ofereceram e ele negou pela ganância de fortuna, ele pode cair em alucinação e pedir um beijinho ao seu cofre, mas, como se sabe, os cofres são frios.
Na verdade, para quem compreende que a grande aventura da vida é uma aventura por uma vida plena dos melhores sentimentos, e sendo o amor o mais forte e mais revolucionário de todos, o grande amor é também o grande sonho dos românticos.
Um amor sobre o qual são colocadas todas as expectativas do mundo, alguém que ame e se deixe amar, aceitando e sendo aceito, preenchendo-se como as rodas dentadas nas engrenagens preenchem-se multiplicando o esforço de cada qual numa força poderosa.
A poderosa força desse amor dá sentido à vida e é essa esperança que faz com que tanta gente se lance na heróica empresa de salvar o seu amor do cruel destino. Aqui chamo a atenção pra diferenciar esses heróis românticos dos maníacos que querem adequar a bem amada ao seu jeito e preconceitos: não se trata disso.
É precisamente o sonho de não vê-la mais sofrer, de ver o seu sorriso sempre alto e brilhante e o seu coração pulsando forte, não mais pelo medo, pela angústia, pela humilhação, mas pela paixão no reencontro.
Nesse minuto há milhares de pessoas angustiando-se com o sofrimento do seu amor, partilhando-o e desejando tirar-lhe essas tristezas como se fossem suas, apaixonando-se pelo desafio de fazer feliz quem não nasceu para chorar, mas para ser amada e para sorrir.
Heróis da revolução comunista do amor onde o querer pra si cede lugar ao querer pra nós, com o perdão de todos os egocêntricos fugazes de plantão.
Com o perdão do tom professoral, coloco como verdade que o amor é um sentimento para o outro e não pra nós mesmos que tem sua contrapartida: dá-se e recebe-se amor. O maior de todos os sentimentos não é pra mim mesmo, mas pra bem amada, pros amigos, pra todos que cativaram e fizeram valer o momento de alegria além da alegria com a ternura e a confiança que ficam na memória e são as colunas firmes de todo relacionamento humano e que me tem na mesma conta.
Amar é partilhar, portanto. Talvez o socialismo leninista tenha acabado por falta de amor, na verdade isso é bem mais provável do que qualquer teoria conspiratória anti-americana. Amar sem ter medo, amar sem querer pra si, amar porque esse é o destino e o fim maior de qualquer sonho.
Nisso tenho um exemplo simples que todos já refletiram sobre: o do velho rico. Imagine um homem que por toda a vida sacrificou o convívio com os amigos e o apoio sentimental à família e, por isso mesmo, amesquinhou-se e perdeu toda a sensibilidade quanto aos sentimentos dos outros, quanto a perceber que o mundo girava em outra órbita que não a da sua posição na lista da revista Forbes. Pois bem, na velhice esse homem vai compreender que cada dia a mais é um a menos e que se a fortuna era incerta e veio como resultado do seu trabalho, a morte não requer nenhum esforço e não pode ser evitada com leões-de-chácara mal encarados. Daí, na infinita melancolia da solidão, sem amizade, sem amor, sem todos os sentimentos que lhe ofereceram e ele negou pela ganância de fortuna, ele pode cair em alucinação e pedir um beijinho ao seu cofre, mas, como se sabe, os cofres são frios.
Na verdade, para quem compreende que a grande aventura da vida é uma aventura por uma vida plena dos melhores sentimentos, e sendo o amor o mais forte e mais revolucionário de todos, o grande amor é também o grande sonho dos românticos.
Um amor sobre o qual são colocadas todas as expectativas do mundo, alguém que ame e se deixe amar, aceitando e sendo aceito, preenchendo-se como as rodas dentadas nas engrenagens preenchem-se multiplicando o esforço de cada qual numa força poderosa.
A poderosa força desse amor dá sentido à vida e é essa esperança que faz com que tanta gente se lance na heróica empresa de salvar o seu amor do cruel destino. Aqui chamo a atenção pra diferenciar esses heróis românticos dos maníacos que querem adequar a bem amada ao seu jeito e preconceitos: não se trata disso.
É precisamente o sonho de não vê-la mais sofrer, de ver o seu sorriso sempre alto e brilhante e o seu coração pulsando forte, não mais pelo medo, pela angústia, pela humilhação, mas pela paixão no reencontro.
Nesse minuto há milhares de pessoas angustiando-se com o sofrimento do seu amor, partilhando-o e desejando tirar-lhe essas tristezas como se fossem suas, apaixonando-se pelo desafio de fazer feliz quem não nasceu para chorar, mas para ser amada e para sorrir.
Heróis da revolução comunista do amor onde o querer pra si cede lugar ao querer pra nós, com o perdão de todos os egocêntricos fugazes de plantão.
segunda-feira, dezembro 13, 2004
Corrupção e libertinagem
Há dois erros essenciais na formação dos juristas do Brasil que pode comprometer muito mais do que o bom nome dos advogados e sobre eles poucos parecem estar preocupados a ponto de tomar medidas para corrigí-los.
Trata-se precisamente do inchaço no número de cursos de direito no país e posteriormente pela intenção dos alunos em entrar para carreiras públicas pelos altos vencimentos.
Sabe-se muito bem que a educação não é mercadoria: a formação científica de alguém não pode ser comprometida pelo interesse financeiro de empresários que não se importam nem um pouco com ela. Essa falta de comprometimento está escancarada na abertura de cursos de direito que não possuem a mínima condição de funcionar, sem escritório-escola e sem biblioteca com doutrina apropriada, além de professores despreparados.
Isso significa que os direitos de milhares de pessoas podem estar em risco pela inépcia desses profissionais, isso sem levar em conta a que falácia esses mesmos alunos suportaram, pois pagaram por cursos de direito que não lhes ensinou devidamente o direito. É preciso que o MEC tome providências imediatas fechando essas faculdades desqualificadas e impedindo uma catástrofe que prejudicará um sem-número de pessoas.
Noutra ponta, acredito que mais grave devido ao componente moral, ou melhor, à falta dele, estão so gananciosos que não tem o mínimo talento para exercer qualquer profissão que exige o grau de bacharel.
Durante a faculdade conheci muita gente assim, pessoas que não gostavam de discutir direito, achavam chato, detestavam mesmo, mas o olho-gordo nos vencimentos das carreiras públicas impulsionou até a formatura e impulsiona até esse minuto, quando muitos deles estão estudando para os concursos.
Nada contra o direito de querer uma vida estável, com um bom salário, tranqüilidade, mas os interesses pessoais estão abaixo do interesse público de ter como funcionário um jurista de verdade, que acredite no que faz e não em alguém que faz aquilo pelo dinheiro, isso porque pessoas sem ideal são mais sucetíveis a serem corrpompidas e isso é o que o interesse público, com certeza, não quer.
Lamentavelmente não posso apontar soluções aqui que não firam direitos dos cidadãos de prestar concurso se devidamente adequados ao edital e não acho que um edital possa exigir ideal dos candidatos principalmente porque todos vão dizer que tem, embora muitos estejam mentindo, apesar de acreditar que deveria ser pensado algum tipo de referência ou treinamento para apontar pessoas que estão apenas pelos vencimentos de outras que acreditam no direito e na lei. O que vale é um trabalho sempre decidido, uma verdadeira profissão de fé por parte da Ordem dos Advogados, do Ministério Público e da Magistratura no sentido de conscientizar sobre a importância das carreiras jurídicas e de como os membros podem depor mais do que contra elas, podem causar nos cidadãos uma insegurança quanto à sua isenção e competência que prejudica a fé em todos os tipos de prestação estatal e até mesmo no sentido da moralidade, pois se os profissionais da lei são corruptos e desidiosos o que se dirá do cidadão comum?
Abandonar o problema não vai salvar o Brasil do lamaçal da corrupção que prejudica a todos. Estima-se que de cada R$1,00 arrecadado, apenas R$0,50 são aplicados no destino final, pior, o volume de subornos movimenta um 'mercado' que cresce sem parar e movimenta bilhões de reais!
No fim quem paga é o cidadão honesto, que trabalha, cumpre seus deveres e acredita no país.
Chega de sub-bacharéis e de cretinos se fingindo de juristas, pelo bem do Brasil.
Trata-se precisamente do inchaço no número de cursos de direito no país e posteriormente pela intenção dos alunos em entrar para carreiras públicas pelos altos vencimentos.
Sabe-se muito bem que a educação não é mercadoria: a formação científica de alguém não pode ser comprometida pelo interesse financeiro de empresários que não se importam nem um pouco com ela. Essa falta de comprometimento está escancarada na abertura de cursos de direito que não possuem a mínima condição de funcionar, sem escritório-escola e sem biblioteca com doutrina apropriada, além de professores despreparados.
Isso significa que os direitos de milhares de pessoas podem estar em risco pela inépcia desses profissionais, isso sem levar em conta a que falácia esses mesmos alunos suportaram, pois pagaram por cursos de direito que não lhes ensinou devidamente o direito. É preciso que o MEC tome providências imediatas fechando essas faculdades desqualificadas e impedindo uma catástrofe que prejudicará um sem-número de pessoas.
Noutra ponta, acredito que mais grave devido ao componente moral, ou melhor, à falta dele, estão so gananciosos que não tem o mínimo talento para exercer qualquer profissão que exige o grau de bacharel.
Durante a faculdade conheci muita gente assim, pessoas que não gostavam de discutir direito, achavam chato, detestavam mesmo, mas o olho-gordo nos vencimentos das carreiras públicas impulsionou até a formatura e impulsiona até esse minuto, quando muitos deles estão estudando para os concursos.
Nada contra o direito de querer uma vida estável, com um bom salário, tranqüilidade, mas os interesses pessoais estão abaixo do interesse público de ter como funcionário um jurista de verdade, que acredite no que faz e não em alguém que faz aquilo pelo dinheiro, isso porque pessoas sem ideal são mais sucetíveis a serem corrpompidas e isso é o que o interesse público, com certeza, não quer.
Lamentavelmente não posso apontar soluções aqui que não firam direitos dos cidadãos de prestar concurso se devidamente adequados ao edital e não acho que um edital possa exigir ideal dos candidatos principalmente porque todos vão dizer que tem, embora muitos estejam mentindo, apesar de acreditar que deveria ser pensado algum tipo de referência ou treinamento para apontar pessoas que estão apenas pelos vencimentos de outras que acreditam no direito e na lei. O que vale é um trabalho sempre decidido, uma verdadeira profissão de fé por parte da Ordem dos Advogados, do Ministério Público e da Magistratura no sentido de conscientizar sobre a importância das carreiras jurídicas e de como os membros podem depor mais do que contra elas, podem causar nos cidadãos uma insegurança quanto à sua isenção e competência que prejudica a fé em todos os tipos de prestação estatal e até mesmo no sentido da moralidade, pois se os profissionais da lei são corruptos e desidiosos o que se dirá do cidadão comum?
Abandonar o problema não vai salvar o Brasil do lamaçal da corrupção que prejudica a todos. Estima-se que de cada R$1,00 arrecadado, apenas R$0,50 são aplicados no destino final, pior, o volume de subornos movimenta um 'mercado' que cresce sem parar e movimenta bilhões de reais!
No fim quem paga é o cidadão honesto, que trabalha, cumpre seus deveres e acredita no país.
Chega de sub-bacharéis e de cretinos se fingindo de juristas, pelo bem do Brasil.
sexta-feira, dezembro 10, 2004
Você, Quaresma, é um visionário
Dentre os livros que li por obrigação, sem dúvida, 'Triste fim de Policarpo Quaresma' é o mais querido de todos. Não apenas por ser muito engraçado e ao mesmo tempo dramático, mas porque a graça e o drama são bem temperados sob o enredo do ideal.
Fiel ao seu estilo, Lima Barreto escreveu um romance que em linhas gerais conta as desventuras de um ufanista, um brasileiro apaixonado, certo da superioridade inquestinável do Brasil em todos os quesitos imagináveis de comparação entre nações. Disso todos que leram sabem muito bem. Afinal, por ser leitura obrigatória, é muito conhecido.
No entento, o valor maior do romance passa dispercebido pela maioria dos seus leitores, normalmente sedentos de caracterizar o estilo e a técnica literárias para aprovação no vestibular. O desmantalamento e a humilhação do ideal e do idealista tem um toque cruel muito apropriado às dimensões de cada qual.
Há três meses atrás comecei a ler de novo esse romance, mas tive de interromper a leitura por razões de mediocridade externa maior, de todo jeito rememorei esses fatos e interrompi a leitura quando o Marechal Floriano critica a proposta de Policarpo de aproveitamento da 'vocação natural' do país para a agricultura, além de palpites sobre educação, folclore e outros temas afetos.
A imagem de líder supremo da nação do Marechal Floriano era mais que um símbolo para Policarpo, na verdade simbolizava todos aqueles ideais positivistas da época vitaminados pelo nacionalismo militarista e 'revolucionário' da república recém-fundada.
Trata-se de uma frase de importância cabal para todo o romance, mais que isso, trata-se de uma locução extremamente cruel e agressiva: 'você, Quaresma, é um visonário'.
Esse julgamento do marechal-de-ferro foi o cão que detonou toda uma crise de conceitos e sentimentos em Policarpo, afinal, os que mais estimamos são os que mais podem ferir-nos.
Apesar de não ter relido o final do livro, sei bem que o fim é triste, afinal o próprio título já adianta! Mas, data venia da brincadeira, a desilusão dá uma bela gravata no major Quaresma, suficiente para levá-lo a um fim ainda pior mais à frente.
Talvez por afeiçoar-nos ao personagem, pelo seu jeito meigo e simples e pelo seu ideal tão grandioso, ficamos tristes com ele também e amarguramos junto dos seus aquele destino. De todo jeito, foi ele quem escolheu, a verdade é essa. Todos fazemos escolhas, todos os dias e nossas escolhas são o espelho fiel da nossa conduta, assim como escolhas desastradas demonstram uma personalidade desequilibrada e fraca, escolhas coerentes e brandas demonstram uma conduta perspicaz e inteligente. Mas de coerência e brandura o curral está cheio, basta o gado que é brando e coerente ao ponto de esperar ir ao pasto quando tem fome ao não destruir a cerca.
Provavelmente o ideal seria ser coerente e corajoso, cada qual na sua hora, mas essa mediação de comportamento é muito difícil e com certeza muito confusa. De todo jeito, o que é desagradável mesmo é a covardia de não ousar, afinal, antes ser um Policarpo Quaresma que um nelore pertido na imensidão do Mato Grosso.
Fiel ao seu estilo, Lima Barreto escreveu um romance que em linhas gerais conta as desventuras de um ufanista, um brasileiro apaixonado, certo da superioridade inquestinável do Brasil em todos os quesitos imagináveis de comparação entre nações. Disso todos que leram sabem muito bem. Afinal, por ser leitura obrigatória, é muito conhecido.
No entento, o valor maior do romance passa dispercebido pela maioria dos seus leitores, normalmente sedentos de caracterizar o estilo e a técnica literárias para aprovação no vestibular. O desmantalamento e a humilhação do ideal e do idealista tem um toque cruel muito apropriado às dimensões de cada qual.
Há três meses atrás comecei a ler de novo esse romance, mas tive de interromper a leitura por razões de mediocridade externa maior, de todo jeito rememorei esses fatos e interrompi a leitura quando o Marechal Floriano critica a proposta de Policarpo de aproveitamento da 'vocação natural' do país para a agricultura, além de palpites sobre educação, folclore e outros temas afetos.
A imagem de líder supremo da nação do Marechal Floriano era mais que um símbolo para Policarpo, na verdade simbolizava todos aqueles ideais positivistas da época vitaminados pelo nacionalismo militarista e 'revolucionário' da república recém-fundada.
Trata-se de uma frase de importância cabal para todo o romance, mais que isso, trata-se de uma locução extremamente cruel e agressiva: 'você, Quaresma, é um visonário'.
Esse julgamento do marechal-de-ferro foi o cão que detonou toda uma crise de conceitos e sentimentos em Policarpo, afinal, os que mais estimamos são os que mais podem ferir-nos.
Apesar de não ter relido o final do livro, sei bem que o fim é triste, afinal o próprio título já adianta! Mas, data venia da brincadeira, a desilusão dá uma bela gravata no major Quaresma, suficiente para levá-lo a um fim ainda pior mais à frente.
Talvez por afeiçoar-nos ao personagem, pelo seu jeito meigo e simples e pelo seu ideal tão grandioso, ficamos tristes com ele também e amarguramos junto dos seus aquele destino. De todo jeito, foi ele quem escolheu, a verdade é essa. Todos fazemos escolhas, todos os dias e nossas escolhas são o espelho fiel da nossa conduta, assim como escolhas desastradas demonstram uma personalidade desequilibrada e fraca, escolhas coerentes e brandas demonstram uma conduta perspicaz e inteligente. Mas de coerência e brandura o curral está cheio, basta o gado que é brando e coerente ao ponto de esperar ir ao pasto quando tem fome ao não destruir a cerca.
Provavelmente o ideal seria ser coerente e corajoso, cada qual na sua hora, mas essa mediação de comportamento é muito difícil e com certeza muito confusa. De todo jeito, o que é desagradável mesmo é a covardia de não ousar, afinal, antes ser um Policarpo Quaresma que um nelore pertido na imensidão do Mato Grosso.
quinta-feira, dezembro 09, 2004
Acervo Secreto
Desde que visitei o Museu Mariano Procópio pela primeira vez, aos 13 anos, soube que era um lugar especialíssimo. Não porque o pequeno fascistinha que em mim habitava via nas memórias da elite de outrora o sentido da mantença na nossa atual condição, mas porque lá era a casa do meu país em muitos sentidos, da própria natureza originária do Brasil.
Fundado no início do século XX pelo herdeiro de uma das maiores fortunas do país, o senhor Alfredo Ferreira Lage, o Mariano Procópio foi o primeiro museu de Minas Gerais possuindo um acervo eclético e muito rico.
Muito graças ao amor do fundador e seu pai pela história e memória da cultura nacional, as peças foram colecionadas durante duas gerações inteiras, sendo que a cereja desse bolo, com certeza, são as peças da Corte Imperial do Brasil, leiloadas logo depois do golpe que institiu a república: trata-se de um acervo maravilhoso, com gravuras francesas em porcelana, armas de época, telas a óleo dos séculos XVIII e XIX, jóias e roupas oficiais, incluindo o manto de coroação de Dom Pedro II.
O bom gosto e a beleza das peças de uma maneira geral afastam qualquer classificação como museu de nostalgia ao Império do Brasil. O acervo como um todo é riquíssimo e incomensuravelmente belo. Dentre as telas a óleo da minha predileção, a mais querida é "Stella", de autoria do Visconde de Taunay. A pintura é um retrato que o visconde fez de sua filha antes dela se casar e também esse quadro serve como cartão postal do museu, cartão esse que tenho comigo e uso de marcador de livro. Pelo sem número de vezes fiquei decifrando a expressão enigmática de Stella no quadro, de uma doçura e pureza infinitas misturadas a uma sutil tristeza, quase imperceptível: obra de um tempo em que a sensibilidade, o talento e a beleza tinham seu lugar à cabeceira da mesa.
Também há obras de pintores estrangeiros famosos e pinturas brasileiras célebres como "Tiradentes", de Pedro Américo.
Sem dúvida o lugar mais charmoso e agradável de todo o museu é a câmara de exposição das pinturas famosas, sem dúvida, um lugar priviliegiado nessa terra desde a sua construção com o teto à 10 metros de altura, seja pela boa formação, nem grande e nem pequena, que proporciona um conjunto e dá alguma simetria muito apropriada à exposição.
Mas a verdade é que a grande parte do acervo encontra-se guardada, devidamente protegida nos três andares subterrâneos de câmaras frigoríficas de conservação. Esse material que não está exposto, que fique bem claro: apenas for falta de espaço, engloba peças de arte dos séculos XVIII e XIX, esculturas, pinturas, comendas, medalhas, enfim, relíqueas do nosso país.
Entre os tesouros desse acervo secreto, destaco um que sempre vem a minha lembrança por ser relativo a um evento muito importante e significativo: um imenso estandarte em prata, cobre e com detalhes em ouro, comemorativo à participação do Imperador Dom Pedro II na exposição universal de Paris de 1889, a mesma exposição universal em que foi inaugurada a Torre Eiffel, comemorando-se os 100 anos da Revolução Francesa. O estandarte agradace a contribuição do Brasil ao desenvolvimento tecnológico, assim como parabenizava o imperador por seu interesse na evolução científica.
A ampliação do museu para a exposição do restante das obras vem sendo negociada há quase 10 anos e implica tão somente na cessão pela 4ª. Brigada de Infantaria Motorizada de um magnfífico palácio do século XIX que atualmente serve de residência ao oficial comandante, um resquício sujo e pretensioso do elitismo militarista à época da ditadura...
Fiodor Dostoievski disse algo significativo a esse respeito na sua obra "A Possessão": “Se um grande povo não acredita que a verdade se encontra nele mesmo [...] se não acredita que ele sozinho está apto e destinado a levantar-se e salvar todo o resto pela sua verdade, transforma-se de uma vez em material etnográfico, e náo mais em um grande povo [...] Uma nação que perde essa fé deixa de ser uma nação.”
VIVA O BRASIL, apesar dos dissidentes e dos generais.
Fundado no início do século XX pelo herdeiro de uma das maiores fortunas do país, o senhor Alfredo Ferreira Lage, o Mariano Procópio foi o primeiro museu de Minas Gerais possuindo um acervo eclético e muito rico.
Muito graças ao amor do fundador e seu pai pela história e memória da cultura nacional, as peças foram colecionadas durante duas gerações inteiras, sendo que a cereja desse bolo, com certeza, são as peças da Corte Imperial do Brasil, leiloadas logo depois do golpe que institiu a república: trata-se de um acervo maravilhoso, com gravuras francesas em porcelana, armas de época, telas a óleo dos séculos XVIII e XIX, jóias e roupas oficiais, incluindo o manto de coroação de Dom Pedro II.
O bom gosto e a beleza das peças de uma maneira geral afastam qualquer classificação como museu de nostalgia ao Império do Brasil. O acervo como um todo é riquíssimo e incomensuravelmente belo. Dentre as telas a óleo da minha predileção, a mais querida é "Stella", de autoria do Visconde de Taunay. A pintura é um retrato que o visconde fez de sua filha antes dela se casar e também esse quadro serve como cartão postal do museu, cartão esse que tenho comigo e uso de marcador de livro. Pelo sem número de vezes fiquei decifrando a expressão enigmática de Stella no quadro, de uma doçura e pureza infinitas misturadas a uma sutil tristeza, quase imperceptível: obra de um tempo em que a sensibilidade, o talento e a beleza tinham seu lugar à cabeceira da mesa.
Também há obras de pintores estrangeiros famosos e pinturas brasileiras célebres como "Tiradentes", de Pedro Américo.
Sem dúvida o lugar mais charmoso e agradável de todo o museu é a câmara de exposição das pinturas famosas, sem dúvida, um lugar priviliegiado nessa terra desde a sua construção com o teto à 10 metros de altura, seja pela boa formação, nem grande e nem pequena, que proporciona um conjunto e dá alguma simetria muito apropriada à exposição.
Mas a verdade é que a grande parte do acervo encontra-se guardada, devidamente protegida nos três andares subterrâneos de câmaras frigoríficas de conservação. Esse material que não está exposto, que fique bem claro: apenas for falta de espaço, engloba peças de arte dos séculos XVIII e XIX, esculturas, pinturas, comendas, medalhas, enfim, relíqueas do nosso país.
Entre os tesouros desse acervo secreto, destaco um que sempre vem a minha lembrança por ser relativo a um evento muito importante e significativo: um imenso estandarte em prata, cobre e com detalhes em ouro, comemorativo à participação do Imperador Dom Pedro II na exposição universal de Paris de 1889, a mesma exposição universal em que foi inaugurada a Torre Eiffel, comemorando-se os 100 anos da Revolução Francesa. O estandarte agradace a contribuição do Brasil ao desenvolvimento tecnológico, assim como parabenizava o imperador por seu interesse na evolução científica.
A ampliação do museu para a exposição do restante das obras vem sendo negociada há quase 10 anos e implica tão somente na cessão pela 4ª. Brigada de Infantaria Motorizada de um magnfífico palácio do século XIX que atualmente serve de residência ao oficial comandante, um resquício sujo e pretensioso do elitismo militarista à época da ditadura...
Fiodor Dostoievski disse algo significativo a esse respeito na sua obra "A Possessão": “Se um grande povo não acredita que a verdade se encontra nele mesmo [...] se não acredita que ele sozinho está apto e destinado a levantar-se e salvar todo o resto pela sua verdade, transforma-se de uma vez em material etnográfico, e náo mais em um grande povo [...] Uma nação que perde essa fé deixa de ser uma nação.”
VIVA O BRASIL, apesar dos dissidentes e dos generais.
quarta-feira, dezembro 08, 2004
Gente humilde
Já vão longe os anos em que fazia questão de ir ao Vitorino Braga cortar o cabelo na barbearia do meu tio Paulo. Apesar de ter lá vivido em sua casa por alguns meses e sermos da mesma família e da mesma opinião sobre tantas coisas, o contato é mais escasso agora. Mas sei que tudo continua muito bem por lá, apesar das tristezas que sempre rondam as casas e das mudanças que são a coisa constante da vida. Não vive lá mais meu primo Paulo César, que hoje ensina e pratica o alpinismo em Palmas, no Tocantins, mas orgulhava-se, então, da sua profissão de barbeiro ao contar pra mim num dia de novembro: 'corto cabelo há 10 anos, não são 10 semanas e nem 10 meses, são 10 anos'. Ou mesmo de quando na rua levantamos uma imensa bandeira com uma cruz de malta para celebrar o ótimo campeonato brasileiro que o Vasco estava fazendo naquele ano. De tudo que não mudou, lembro perfeitamente da gente boa e humilde do Vitorino Braga que freqüenta já há tantos anos o salão de barba e cabelo do meu tio. Eu via-os entrar, esperavam e conversavam animadamente. Uns um pouco tristes, tentavam sempre disfarçar, perguntando dos de casa ou, se estivessem entre o ânimo e a tristeza, reclamariam da prefeitura ou do aumento do transporte urbano. Outros mais animados estavam rindo, sempre faziam questão de contar piadas e até usar caixinhas de fósforo para lembrar um samba e parecia que tudo ficava mais feliz. Meu bom tio Paulo sempre ouvia... e ria, e eu, um pouco desacostumado com aqueles gestos mais largos deles, com o jeito alegre de falar e rir, com aquela espontaneidade e entusiasmo que vinham não sei donde, ria também.
Humildade não é ser pobre, como quer o senso comum. Há pobres tão orgulhosos e presunsosos que estão em pé de igualdade com muitos desembargadores e ministros de estado! Assim como há gente rica, realmente rica, que não ostenta a riqueza, nem a utiliza para favorecer-se de qualquer maneira.
Humildade é uma virtude, a maior de todas, aliás. Uma pessoa humilde sabe das suas limitações, seja financeira, cultural, de sensibilidade ou de inteligência na humildade de não levantar ao céu infinito seu ego e seus motivos pessoais.
A vaidade, o individualismo e o medo fervem juntos para destruir essa virtude. A vaidade de ser reconhecido, o individualismo de querer pra si e o medo da solidão e de que os outros descubram a fraude altruísta com que se pretente acobertar tudo isso.
Antes tinha visto espectros dessa humildade, mas os clientes do meu tio mostraram uma virtude perene e decidida, mesmo com a vida tão cheia de limitações e sofrimentos, mesmo com tanto motivo para ficar chateados com tudo e com todos. Por isso, sempre que a vida aponta num caminho mais amargo, olho pra trás e lembro que é preciso falar baixo e ter muita humildade.
Humildade não é ser pobre, como quer o senso comum. Há pobres tão orgulhosos e presunsosos que estão em pé de igualdade com muitos desembargadores e ministros de estado! Assim como há gente rica, realmente rica, que não ostenta a riqueza, nem a utiliza para favorecer-se de qualquer maneira.
Humildade é uma virtude, a maior de todas, aliás. Uma pessoa humilde sabe das suas limitações, seja financeira, cultural, de sensibilidade ou de inteligência na humildade de não levantar ao céu infinito seu ego e seus motivos pessoais.
A vaidade, o individualismo e o medo fervem juntos para destruir essa virtude. A vaidade de ser reconhecido, o individualismo de querer pra si e o medo da solidão e de que os outros descubram a fraude altruísta com que se pretente acobertar tudo isso.
Antes tinha visto espectros dessa humildade, mas os clientes do meu tio mostraram uma virtude perene e decidida, mesmo com a vida tão cheia de limitações e sofrimentos, mesmo com tanto motivo para ficar chateados com tudo e com todos. Por isso, sempre que a vida aponta num caminho mais amargo, olho pra trás e lembro que é preciso falar baixo e ter muita humildade.
terça-feira, dezembro 07, 2004
A construção do absoluto
Da inesquecível lição de Rossini, meu dileto ex-professor de história, 'o frio da madrugada é amigo, pois como o nosso coração, também ele existe, pulsa e preenche o vazio aparente da noite, mas tudo dorme e lhe é alheio'.
Como esses ventos foram úteis à nossa gloriosa civilização ocidental! Não foi senão nas madrugadas que os grandes poemas desse mundo conheceram o papel, não foi senão nas madrugadas que os apaixonados engendraram seus sonhos poderosos e moveram com eles multidões de milhões de outros sonhos e paixões...
A paixão: doença cruel e continuada. Nenhum raciocínio contaminado de paixão pode ser mesmo confiável... (dizer o óbvio é ridículo, mas necessário). A paixão de estender-se a todos os limites do mundo, como quiseram os romanos, a paixão de libertar a França da opressão do absolutismo, a paixão da fazer a América livre para os americanos, a paixão de oprimir o mundo e moldá-lo ao sonho do pangermanismo, como desastradamente quiseram os nazistas. Paixões que moldaram o mundo inteiro.
Sem paixões estaríamos na savana, comendo carne crua, restos deixados por predadores mais poderosos. Imaginem: nem computador, nem campeonato brasileiro, nem cinema e nem nada em que a pata científica construiu conhecimento e evolução tecnológica.
Sem paixões viveríamos 40 anos apenas e teríamos ao menos 20 filhos, dos quais apenas 1 ou 2 chegaria à idade de reproduzir-se...
Sem paixões as tardes seriam longas e sem maldade poderíamos nos divertir com a nossa ignorância de não saber que iríamos morrer um dia... sem a aganonia de temer o futuro... O futuro era a próxima refeição e ali estava a maior preocupação dos ancestrais. Para nós, basta abrir o armário da cozinha, mas eles gastavam o dia inteiro com aquilo.
Sem paixões nossa debilidade sentimental estaria ainda presa à violência e à satisfação imediata dos desejos, sentimentos animalizados.
Sem paixões seríamos macacos inteligentíssimos... mas ainda somos macacos inteligentíssimos. Morremos, temos desejos e preguiça... Mas fingimos que não: 'você se imortaliza nos seus descendentes'; 'há uma hora pra tudo na vida'; 'o trabalho dignifica e enobrece o homem'; 'há que haver boa disposição para juntos construirmos o país do futuro'.
Não vou demonizar as paixões, não tenho direito de retomar a velha discussão sobre a razão e a paixão. Mas aqui queima em mim a frustação do nosso orgulho ser despropositado.
Continuamos morrendo, apesar das mentiras, desejando, apesar de sermos reprimidos, e labutando para fazer girar a estúpida roda da acumulação, enquanto nossos mais admiráveis talentos ficam submersos ante à luta para ganhar o pão ou ao medo de ir compor o exército industrial de reserva.
Mas o vento da madrugada continua: ainda muitas mocinhas vão se apaixonar por calhordas e se suicidar em seis meses; muitos rapazes sonharão fortunas imensas para não temer e escravizarão famílias de 'trabalhadores' com suas CTPS devidamente assinadas; muitos políticos esquecerão a nobre linhagem que os antecedeu e decidirão mentir covardemente, pois há sempre um degrau a mais na abstrada escada da política; muitos namorados mentirão para estar com outras por não haver confiança e haver oportunidade de se afirmar pra si mesmo.
Entra pela minha janela de madrugada esse vento depois de passar por tantas janelas. Eu docemente inspiro sua prostituta constituição e reconheço nesse minuto perfeito todas as paixões e dores do mundo.
Como esses ventos foram úteis à nossa gloriosa civilização ocidental! Não foi senão nas madrugadas que os grandes poemas desse mundo conheceram o papel, não foi senão nas madrugadas que os apaixonados engendraram seus sonhos poderosos e moveram com eles multidões de milhões de outros sonhos e paixões...
A paixão: doença cruel e continuada. Nenhum raciocínio contaminado de paixão pode ser mesmo confiável... (dizer o óbvio é ridículo, mas necessário). A paixão de estender-se a todos os limites do mundo, como quiseram os romanos, a paixão de libertar a França da opressão do absolutismo, a paixão da fazer a América livre para os americanos, a paixão de oprimir o mundo e moldá-lo ao sonho do pangermanismo, como desastradamente quiseram os nazistas. Paixões que moldaram o mundo inteiro.
Sem paixões estaríamos na savana, comendo carne crua, restos deixados por predadores mais poderosos. Imaginem: nem computador, nem campeonato brasileiro, nem cinema e nem nada em que a pata científica construiu conhecimento e evolução tecnológica.
Sem paixões viveríamos 40 anos apenas e teríamos ao menos 20 filhos, dos quais apenas 1 ou 2 chegaria à idade de reproduzir-se...
Sem paixões as tardes seriam longas e sem maldade poderíamos nos divertir com a nossa ignorância de não saber que iríamos morrer um dia... sem a aganonia de temer o futuro... O futuro era a próxima refeição e ali estava a maior preocupação dos ancestrais. Para nós, basta abrir o armário da cozinha, mas eles gastavam o dia inteiro com aquilo.
Sem paixões nossa debilidade sentimental estaria ainda presa à violência e à satisfação imediata dos desejos, sentimentos animalizados.
Sem paixões seríamos macacos inteligentíssimos... mas ainda somos macacos inteligentíssimos. Morremos, temos desejos e preguiça... Mas fingimos que não: 'você se imortaliza nos seus descendentes'; 'há uma hora pra tudo na vida'; 'o trabalho dignifica e enobrece o homem'; 'há que haver boa disposição para juntos construirmos o país do futuro'.
Não vou demonizar as paixões, não tenho direito de retomar a velha discussão sobre a razão e a paixão. Mas aqui queima em mim a frustação do nosso orgulho ser despropositado.
Continuamos morrendo, apesar das mentiras, desejando, apesar de sermos reprimidos, e labutando para fazer girar a estúpida roda da acumulação, enquanto nossos mais admiráveis talentos ficam submersos ante à luta para ganhar o pão ou ao medo de ir compor o exército industrial de reserva.
Mas o vento da madrugada continua: ainda muitas mocinhas vão se apaixonar por calhordas e se suicidar em seis meses; muitos rapazes sonharão fortunas imensas para não temer e escravizarão famílias de 'trabalhadores' com suas CTPS devidamente assinadas; muitos políticos esquecerão a nobre linhagem que os antecedeu e decidirão mentir covardemente, pois há sempre um degrau a mais na abstrada escada da política; muitos namorados mentirão para estar com outras por não haver confiança e haver oportunidade de se afirmar pra si mesmo.
Entra pela minha janela de madrugada esse vento depois de passar por tantas janelas. Eu docemente inspiro sua prostituta constituição e reconheço nesse minuto perfeito todas as paixões e dores do mundo.
segunda-feira, dezembro 06, 2004
Circuito São Mateus - Alto dos Passos
Ontem estive no Alto dos Passos quase à noitinha. Saí de casa às 19hs e fui direto, como um namorado fiel voltando pra casa, nem olhei pro lado oposto da calçada, segui firme pra ver qualquer filme no Alameda: o que 8 horas seguidas de estudo não fazem com um ser humano?
Subi a Rua São Mateus até a Monsenhor Gustavo Freire, onde dobrei à esquerda e comecei a olhar dentro dos botequins daquele lado da rua pra confirmar o traço marcante e bonito de São Mateus: os botequins são o recinto onde as gerações se encontram! Rapazes da minha idade assistindo à rodada do Campeonato Brasileiro ao lado de senhores com mais de 60 primaveras, tudo na mais santa paz, tirando o fato de que entre os mais novos há muito poucos botafoguenses.
Mais à frente, do lado direito da rua, o ‘quiosque da praia’ animado com o samba de fim de domingo, sem futebol, com com um cavaquinho afinado, espalhava pelas imediações aquele lamento inteligente dos sambistas antigos, cantavam uma música do Chico Buarque: ‘quem te viu, quem te vê’.
E embalado naquela alegria toda, com aquela alma tão boa e tão generosa de São Mateus, cheguei à quase esquina da Rua Camões, onde topei com uma adolescente de 12 anos que estava correndo em disparada, sabe-se lá Deus por quê! Aperecia que o pai tinha visto seu beijo com o namoradinho e ela corria pra combinar a defesa com a mãe!
Alto dos Passos dos adolescentes! Lá no Alameda era o mesmo: a galera de 12 a 18 tomando sorvetinho, sentada nos bancos com uma sanha de flerte difícil de superar.
Como sempre, vê-se conhecidos lá no Alameda no domingo, mas raramente amigos e ontem vi conhecidos, aqueles que se cumprimenta com a cabeça e um sorriso leve.
Durante o filme consegui desligar-me daquele ambiente todo pra rir um pouco de uma mulher decadente, insegura e feia na seqüência de ‘O diário de Bridget Jones’, o ‘Bridget Jones: no limite da razão’. Os ingleses são mesmo ótimos!
Fim de filme: donzela (bondade minha) com mocinho e música feliz! Filmes sobre ingleses produzidos pelos americados: poucas coisas tem tantos esteriótipos ofensivos e engraçados, parece até que a síndrome dos americados de abordar assuntos delicados desaparece, como a fragilidade feminina descarada, porque afinal são os ingleses!
Depois de sair do Alameda já não levava comigo aquele clima bobo, estava imerso de novo no ambiente Alto dos Passos e em seguida em São Mateus, onde dentro do Bar São Mateus um rapaz convencia uma moça a escutar música no apartamento dele e dois velhos choramingavam a derrota do Vasco da Gama (nosso drama comum).
Viva o cinema! Duas horas de risos falhos, dramas mentirosos, efeitos especiais e música por encomenda! Uma informação final: em nenhuma cena vi uma cara tão assustada e ao mesmo tempo tão feliz quanto à da menina da rua Camões, apesar da Renée Zellweger ter tentado duas dúzias de vezes.
Subi a Rua São Mateus até a Monsenhor Gustavo Freire, onde dobrei à esquerda e comecei a olhar dentro dos botequins daquele lado da rua pra confirmar o traço marcante e bonito de São Mateus: os botequins são o recinto onde as gerações se encontram! Rapazes da minha idade assistindo à rodada do Campeonato Brasileiro ao lado de senhores com mais de 60 primaveras, tudo na mais santa paz, tirando o fato de que entre os mais novos há muito poucos botafoguenses.
Mais à frente, do lado direito da rua, o ‘quiosque da praia’ animado com o samba de fim de domingo, sem futebol, com com um cavaquinho afinado, espalhava pelas imediações aquele lamento inteligente dos sambistas antigos, cantavam uma música do Chico Buarque: ‘quem te viu, quem te vê’.
E embalado naquela alegria toda, com aquela alma tão boa e tão generosa de São Mateus, cheguei à quase esquina da Rua Camões, onde topei com uma adolescente de 12 anos que estava correndo em disparada, sabe-se lá Deus por quê! Aperecia que o pai tinha visto seu beijo com o namoradinho e ela corria pra combinar a defesa com a mãe!
Alto dos Passos dos adolescentes! Lá no Alameda era o mesmo: a galera de 12 a 18 tomando sorvetinho, sentada nos bancos com uma sanha de flerte difícil de superar.
Como sempre, vê-se conhecidos lá no Alameda no domingo, mas raramente amigos e ontem vi conhecidos, aqueles que se cumprimenta com a cabeça e um sorriso leve.
Durante o filme consegui desligar-me daquele ambiente todo pra rir um pouco de uma mulher decadente, insegura e feia na seqüência de ‘O diário de Bridget Jones’, o ‘Bridget Jones: no limite da razão’. Os ingleses são mesmo ótimos!
Fim de filme: donzela (bondade minha) com mocinho e música feliz! Filmes sobre ingleses produzidos pelos americados: poucas coisas tem tantos esteriótipos ofensivos e engraçados, parece até que a síndrome dos americados de abordar assuntos delicados desaparece, como a fragilidade feminina descarada, porque afinal são os ingleses!
Depois de sair do Alameda já não levava comigo aquele clima bobo, estava imerso de novo no ambiente Alto dos Passos e em seguida em São Mateus, onde dentro do Bar São Mateus um rapaz convencia uma moça a escutar música no apartamento dele e dois velhos choramingavam a derrota do Vasco da Gama (nosso drama comum).
Viva o cinema! Duas horas de risos falhos, dramas mentirosos, efeitos especiais e música por encomenda! Uma informação final: em nenhuma cena vi uma cara tão assustada e ao mesmo tempo tão feliz quanto à da menina da rua Camões, apesar da Renée Zellweger ter tentado duas dúzias de vezes.
sexta-feira, dezembro 03, 2004
Uma menininha chamada Alice
Todos os dias, no ponto onde tomo o circular, tenho como colega de espera uma menininha muito linda, de uns 5 ou 6 anos, chamada Alice.
Trazida pela avó e sempre em companhia de um amiguinho de escola e a sua mãe, ficam todos lá esperando chegar o ônibus. As duas mulheres conversam sobre banalidades, e as crianças ficam rindo e brincando.
Alice é uma criança adorável, não sei se porquê o seu jeito lembra muito o de minha prima Lívia, a quem tenho em estima como minha irmãzinha, ou se porquê lembra as fotos de infância de Ana Rita, que também é muito querida. O fato é que não consigo resistir às suas peripécias, aos sorrisos, à rapidez e graça com que corre para subir os degraus e chegar logo ao primeiro lugar do coletivo!
Ancestralmente gostamos de crianças, mesmo com os protestos dos miseráveis egocêntricos. O jeito inocente, a candura e o afeto inato delas amolece qualquer coração de pedra que algum dia recebeu carinho e mesmo os que dizem que não querem ter filhos, no fundo da alma sabem que uma criança traz à memória nossa mais doce e pura natureza e prova-nos que nalguma medida fomos autênticos.
Nunca é demais lembrar que os inimigos do café vivem dizendo que seu sabor é amargo. O que acontece é que nós nos acostumamos com o gosto, nosso paladar ao café, portanto, fica viciado. As crianças provam isso muito bem, pois, quando experimentam, falam depressa que o gosto é ruim, forte e amargo. E o pior é a artimanha dos pais pra viciar seus filhos em café! A técnica é a seguinte: sempre tomam puro na frente dos pequenos e ministram a eles pequenas doses misturadas com leite. Dia a dia a proporção de café vai aumentando, até chegar à igualdade de partes, ou ao suportável para não cuspir a mistura.
Quando estiver no colégio, o rapazinho descobrirá logo que se tomado puro, seus efeitos são ainda mais flagrantes: disposição, concentração, alerta. Com o passar do bimestre letivo, ele descobrirá que café e estudo às 2 da manhã são irmãos siameses: bingo, teremos já um tomador de café pra vida toda, apesar de originalmente, ter sido uma criança que não gostava nada do gosto estranho do café.
Imagino a linda Alice, tomando seu café com leite antes de sair com a avó para ir tomar o ônibus... Será que ela ficará como todas as outras meninas que se preocupam mais em parecer do que em ser, será que ela se revelará uma romântica inveterada quando vier o primeiro amor, será que seu ímpeto a levará para além de qualquer destino previsível? Sinceramente, não ouso responder a nada disso, mas do fundo do coração sei que assim como o hábito do café, outros hábitos cobrirão sua pele como vespas agressivas contra o inimigo...Pensamentos fatalistas! O melhor é vê-la agora, na infinita graça dos seus sorrisos que fazem da minha manhã uma promessa de alegria e admirá-la anonimamente como a linda filha que eu poderia ter e que me faria mais apaixonado do que nunca.
Trazida pela avó e sempre em companhia de um amiguinho de escola e a sua mãe, ficam todos lá esperando chegar o ônibus. As duas mulheres conversam sobre banalidades, e as crianças ficam rindo e brincando.
Alice é uma criança adorável, não sei se porquê o seu jeito lembra muito o de minha prima Lívia, a quem tenho em estima como minha irmãzinha, ou se porquê lembra as fotos de infância de Ana Rita, que também é muito querida. O fato é que não consigo resistir às suas peripécias, aos sorrisos, à rapidez e graça com que corre para subir os degraus e chegar logo ao primeiro lugar do coletivo!
Ancestralmente gostamos de crianças, mesmo com os protestos dos miseráveis egocêntricos. O jeito inocente, a candura e o afeto inato delas amolece qualquer coração de pedra que algum dia recebeu carinho e mesmo os que dizem que não querem ter filhos, no fundo da alma sabem que uma criança traz à memória nossa mais doce e pura natureza e prova-nos que nalguma medida fomos autênticos.
Nunca é demais lembrar que os inimigos do café vivem dizendo que seu sabor é amargo. O que acontece é que nós nos acostumamos com o gosto, nosso paladar ao café, portanto, fica viciado. As crianças provam isso muito bem, pois, quando experimentam, falam depressa que o gosto é ruim, forte e amargo. E o pior é a artimanha dos pais pra viciar seus filhos em café! A técnica é a seguinte: sempre tomam puro na frente dos pequenos e ministram a eles pequenas doses misturadas com leite. Dia a dia a proporção de café vai aumentando, até chegar à igualdade de partes, ou ao suportável para não cuspir a mistura.
Quando estiver no colégio, o rapazinho descobrirá logo que se tomado puro, seus efeitos são ainda mais flagrantes: disposição, concentração, alerta. Com o passar do bimestre letivo, ele descobrirá que café e estudo às 2 da manhã são irmãos siameses: bingo, teremos já um tomador de café pra vida toda, apesar de originalmente, ter sido uma criança que não gostava nada do gosto estranho do café.
Imagino a linda Alice, tomando seu café com leite antes de sair com a avó para ir tomar o ônibus... Será que ela ficará como todas as outras meninas que se preocupam mais em parecer do que em ser, será que ela se revelará uma romântica inveterada quando vier o primeiro amor, será que seu ímpeto a levará para além de qualquer destino previsível? Sinceramente, não ouso responder a nada disso, mas do fundo do coração sei que assim como o hábito do café, outros hábitos cobrirão sua pele como vespas agressivas contra o inimigo...Pensamentos fatalistas! O melhor é vê-la agora, na infinita graça dos seus sorrisos que fazem da minha manhã uma promessa de alegria e admirá-la anonimamente como a linda filha que eu poderia ter e que me faria mais apaixonado do que nunca.
quinta-feira, dezembro 02, 2004
Compenetrado nos gibis
Há três semanas não pára de chover ou fazer mau tempo. Os dias feios são mais longos, como são ainda mais chatas, as chatas feias.
Penso nas pobres crianças que adoram ir jogar bola e tem de ficar em casa à mercê da rede globo... muito cruel. O meu sentimento de solidariedade humana não quer pra eles o destino que eu tive!
Acho que foram os gibis que me salvaram, em especial os do Cebolinha! Grande Cebolinha, com aquela troca do ‘r’ pelo ‘l’ e aquele companheirismo com o Cascão combinado com a ambição deslavada de ser o dono da rua! Também o Tio Patinhas é uma grandissíssima inspiração na infância, afinal, sucesso é a melhor das influências!
Hoje não leio mais gibi, quando muito uma tirinha de jornal que nem tem tanta graça assim. Mas ainda encontro na vida personagens que saíram de gibis, como é o caso de um professor de inglês que eu tive.
O sujeito que é nascido na charmosa cidade de Leopoldina, passou a adolescência em Nova Iorque, para onde a mãe emigrou meses antes com o sonho latino de ir para o primeiro mundo. Lá passou pelas mais variadas experiências, inclusive a de guardador de carros de luxo num restaurante caro, onde gostava de fazer gracinhas com os possantes, e depois mentia para o dono com o maior cinismo do mundo, só menor que o seu amor pelo automobilismo e pela aventura.
Crescendo com essa personalidade noir, nem bom, nem mau, treinava karatê em plena febre de ‘Karatê Kid’ e escutava thriller. Depois de mais crescido, por algum motivo que ele fez questão de não revelar, voltou para “a terra que lhe serviu de berço”, como dizia Dias Gomes, fazendo juras de amor e fidelidade eterna ao Brasil, que se não tinha dinheiro, ao menos ‘é quente no verão e no inverno’, nas palavras do ex-emigrante.
Aqui, dedica-se desde sempre ao ensino do Karatê e do idioma inglês. Quanto ao primeiro não cabe falar da sua competência, mas quanto ao segundo podemos dizer que serviria como atividade paralela, jamais como talento maior da vida...
Apesar disso cabe acrescentar que o meu ex-professor é uma daquelas pessoas que não passa da adolescência! Desenha quadrinhos, fala de si mesmo o tempo todo, adora brinquedos, sendo que atualmente seu brinquedo é o carro, que tem luz azul no fundo externo e mais mil e um acessórios extravagantes, o mais notável é o duplo cano de descarga. Talvez seu amor maior nem seja o carro, mas a esposa para quem fez uma música mixada por outro professor lá da escola que pode ser classificado como uma mistura de mau gosto com carência de cão manhoso.
Enfim, esse professor era um chato de galocha! Desses que só se encontra nos quadrinhos, sendo o amigo do personagem central e fazendo um monte de besteiras só pro protagonista poder mostrar que é bonzinho!E só depois dele não ser mais meu professor, nesses dias tristes do início de dezembro, percebi que esse ilustre personagem saído dos quadrinhos é mais uma prova de que a arte imita a vida, mas não a substitui nunca.
Penso nas pobres crianças que adoram ir jogar bola e tem de ficar em casa à mercê da rede globo... muito cruel. O meu sentimento de solidariedade humana não quer pra eles o destino que eu tive!
Acho que foram os gibis que me salvaram, em especial os do Cebolinha! Grande Cebolinha, com aquela troca do ‘r’ pelo ‘l’ e aquele companheirismo com o Cascão combinado com a ambição deslavada de ser o dono da rua! Também o Tio Patinhas é uma grandissíssima inspiração na infância, afinal, sucesso é a melhor das influências!
Hoje não leio mais gibi, quando muito uma tirinha de jornal que nem tem tanta graça assim. Mas ainda encontro na vida personagens que saíram de gibis, como é o caso de um professor de inglês que eu tive.
O sujeito que é nascido na charmosa cidade de Leopoldina, passou a adolescência em Nova Iorque, para onde a mãe emigrou meses antes com o sonho latino de ir para o primeiro mundo. Lá passou pelas mais variadas experiências, inclusive a de guardador de carros de luxo num restaurante caro, onde gostava de fazer gracinhas com os possantes, e depois mentia para o dono com o maior cinismo do mundo, só menor que o seu amor pelo automobilismo e pela aventura.
Crescendo com essa personalidade noir, nem bom, nem mau, treinava karatê em plena febre de ‘Karatê Kid’ e escutava thriller. Depois de mais crescido, por algum motivo que ele fez questão de não revelar, voltou para “a terra que lhe serviu de berço”, como dizia Dias Gomes, fazendo juras de amor e fidelidade eterna ao Brasil, que se não tinha dinheiro, ao menos ‘é quente no verão e no inverno’, nas palavras do ex-emigrante.
Aqui, dedica-se desde sempre ao ensino do Karatê e do idioma inglês. Quanto ao primeiro não cabe falar da sua competência, mas quanto ao segundo podemos dizer que serviria como atividade paralela, jamais como talento maior da vida...
Apesar disso cabe acrescentar que o meu ex-professor é uma daquelas pessoas que não passa da adolescência! Desenha quadrinhos, fala de si mesmo o tempo todo, adora brinquedos, sendo que atualmente seu brinquedo é o carro, que tem luz azul no fundo externo e mais mil e um acessórios extravagantes, o mais notável é o duplo cano de descarga. Talvez seu amor maior nem seja o carro, mas a esposa para quem fez uma música mixada por outro professor lá da escola que pode ser classificado como uma mistura de mau gosto com carência de cão manhoso.
Enfim, esse professor era um chato de galocha! Desses que só se encontra nos quadrinhos, sendo o amigo do personagem central e fazendo um monte de besteiras só pro protagonista poder mostrar que é bonzinho!E só depois dele não ser mais meu professor, nesses dias tristes do início de dezembro, percebi que esse ilustre personagem saído dos quadrinhos é mais uma prova de que a arte imita a vida, mas não a substitui nunca.
quarta-feira, dezembro 01, 2004
Tragédias anônimas
Uma mulher apaixonada é sempre o que há de mais pleno e significativo na vida e na mesma medida a morte da mulher apaixonada, ao menos da sua paixão, é a maior tragédia do mundo.
Já observei, nessa mesma linha de sentimentos, como pagenzinhos aflitos atrás dela, que uma das coisas mais contagiantes que existem é essa tristeza de uma mulher querida, que para ser querida não precisa nem ser conhecida, basta ser sabida.
Contagiando mais que gargalhada, a tristeza dessa mulher espalha-se a partir dos olhos com destemor e sem nenhum constrangimento engalfinha-se nos braços, deixa-os presos, como algemas compreensivas que não oprimem diretamente mas retiram toda a força e o ânimo: estar tão triste quem nasceu para ser o símbolo da alegria.
Li no diário de uma delas que seu coração andava fora do corpo perdido e que ela reclamava a devolução a quem achasse. Bom, eu não achei, mas tirei do drama dela e do afeto (igualmente contagioso) que ela me deixou a meditação sobre esse dilema: amar ou não amar? Eis a questão.
Para os que não estão apaixonados é fácil dizer: ‘ame profundamente, não tenha medo de ir às últimas conseqüências, pois é assim que a vida faz sentido e vale a pena’. Um pouco edonista, mas enfim, não está de todo errado. Entretanto quem sente na pele a indizível dor de perder quem se ama, de ver aquele amor condenado a ser uma lembrança adota o ditado imemorial dos amigos insensíveis de quem teve o coração quebrado: “o amor é uma florzinha roxa, que cresce no coração de um trouxa”.
Como se não bastasse essa aflição contra o amor, o pensamento não deixa nunca esquecer: qual será a cicatriz? O último beijo, o olhar quando foi proclamado o fim, o enfeite de natal que tinha na casa dela quando tentou-se o reencontro... Não importa, cicatrizes não querem dizer nada, a não ser que são só a prova de que houve uma ferida e se há sentido nisso, que seja para lembrar que só há dor se antes houve alegria, de fato, em compensação à tristeza houve muita alegria.
De alguma maneira, eu sei que ela não perderá nem a paixão eterna de não trair-se, nem sua inteligência e na sua fineza ao amar. Eu sei bem disso e arrisco-me a afirmar uma sentença dessas porque eu pude conhecer a grandeza do sentimento que ela inspira e gente assim foi feita pra ser amada.
Então que houve com o mocinho dela? Pois é impossível dizer aqui, melhor perguntar diretamente pra ele (se é que não está com a péssima mania dos ex-namorados de responder por enigmas a coisas relativas ao namoro).
“O amor, essa triste necessidade/ abriga-se nos sentimentos mordazes/ que não há como vencer”, e é precisamente assim quando a areia termina de cair da parte de cima da ampuleta e percebe-se que no colo restou um amor imenso não mais correspondido.
Outra ampuleta, entretanto, começa a deixar a areia cair, é a ampuleta do esquecimento de tudo isso que quando sossegar significará liberdade e esperança.
E esperança existe no seu coração, verde como a urtiga, fresca como a praia nua na madrugada, nova e plena como será seu novo amor.
No seu diário, rezo sempre para ler algo assim: ‘há três semanas conheci um rapaz muito gentil que sempre insiste em beijar-me quatro vezes quando nos cumprimentamos... acho um pouco babado demais, mas ele tem um ótimo perfume!’
Talvez amanhã.
Já observei, nessa mesma linha de sentimentos, como pagenzinhos aflitos atrás dela, que uma das coisas mais contagiantes que existem é essa tristeza de uma mulher querida, que para ser querida não precisa nem ser conhecida, basta ser sabida.
Contagiando mais que gargalhada, a tristeza dessa mulher espalha-se a partir dos olhos com destemor e sem nenhum constrangimento engalfinha-se nos braços, deixa-os presos, como algemas compreensivas que não oprimem diretamente mas retiram toda a força e o ânimo: estar tão triste quem nasceu para ser o símbolo da alegria.
Li no diário de uma delas que seu coração andava fora do corpo perdido e que ela reclamava a devolução a quem achasse. Bom, eu não achei, mas tirei do drama dela e do afeto (igualmente contagioso) que ela me deixou a meditação sobre esse dilema: amar ou não amar? Eis a questão.
Para os que não estão apaixonados é fácil dizer: ‘ame profundamente, não tenha medo de ir às últimas conseqüências, pois é assim que a vida faz sentido e vale a pena’. Um pouco edonista, mas enfim, não está de todo errado. Entretanto quem sente na pele a indizível dor de perder quem se ama, de ver aquele amor condenado a ser uma lembrança adota o ditado imemorial dos amigos insensíveis de quem teve o coração quebrado: “o amor é uma florzinha roxa, que cresce no coração de um trouxa”.
Como se não bastasse essa aflição contra o amor, o pensamento não deixa nunca esquecer: qual será a cicatriz? O último beijo, o olhar quando foi proclamado o fim, o enfeite de natal que tinha na casa dela quando tentou-se o reencontro... Não importa, cicatrizes não querem dizer nada, a não ser que são só a prova de que houve uma ferida e se há sentido nisso, que seja para lembrar que só há dor se antes houve alegria, de fato, em compensação à tristeza houve muita alegria.
De alguma maneira, eu sei que ela não perderá nem a paixão eterna de não trair-se, nem sua inteligência e na sua fineza ao amar. Eu sei bem disso e arrisco-me a afirmar uma sentença dessas porque eu pude conhecer a grandeza do sentimento que ela inspira e gente assim foi feita pra ser amada.
Então que houve com o mocinho dela? Pois é impossível dizer aqui, melhor perguntar diretamente pra ele (se é que não está com a péssima mania dos ex-namorados de responder por enigmas a coisas relativas ao namoro).
“O amor, essa triste necessidade/ abriga-se nos sentimentos mordazes/ que não há como vencer”, e é precisamente assim quando a areia termina de cair da parte de cima da ampuleta e percebe-se que no colo restou um amor imenso não mais correspondido.
Outra ampuleta, entretanto, começa a deixar a areia cair, é a ampuleta do esquecimento de tudo isso que quando sossegar significará liberdade e esperança.
E esperança existe no seu coração, verde como a urtiga, fresca como a praia nua na madrugada, nova e plena como será seu novo amor.
No seu diário, rezo sempre para ler algo assim: ‘há três semanas conheci um rapaz muito gentil que sempre insiste em beijar-me quatro vezes quando nos cumprimentamos... acho um pouco babado demais, mas ele tem um ótimo perfume!’
Talvez amanhã.
terça-feira, novembro 30, 2004
Sempre há tempo para confundir-se
Definitivamente há um tormento que não pouca ninguém... Os franceses chamam de 'carrefour de la vie' e não tem nada a ver com supermercado...
Numa campanha pela Ática, Alexandre , o grande, após dominar uma cidade deparou-se com um monumento curioso: no topo de um altar em praça pública havia um imenso nó, feito com corda grossíssima e lá estava posto como um troféu. Os anciãos da cidade disseram que aquele nó estava ali há centenas de anos e era um desafio: apenas o verdadeiro senhor da cidade seria capaz de desatá-lo, que parecia muitíssimo complicado.
Alexandre olhou-o por alguns segundos, sacou a espada e partiu em pedaços: "eis o vosso nó górgio desfeito".
Acho que há momentos na vida que não é preciso ficar contemplando indefinidamente os problemas... O melhor é resolvê-los, não se apegar a eles.
Numa campanha pela Ática, Alexandre , o grande, após dominar uma cidade deparou-se com um monumento curioso: no topo de um altar em praça pública havia um imenso nó, feito com corda grossíssima e lá estava posto como um troféu. Os anciãos da cidade disseram que aquele nó estava ali há centenas de anos e era um desafio: apenas o verdadeiro senhor da cidade seria capaz de desatá-lo, que parecia muitíssimo complicado.
Alexandre olhou-o por alguns segundos, sacou a espada e partiu em pedaços: "eis o vosso nó górgio desfeito".
Acho que há momentos na vida que não é preciso ficar contemplando indefinidamente os problemas... O melhor é resolvê-los, não se apegar a eles.
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