terça-feira, dezembro 14, 2004

Ato heróico

'Amor' e 'amizade' são palavras que tem o mesmo radical latino, o radical primitivo 'am' que remete a 'ambos', significando 'dois'. Essa origem dessas palavras talvez demonstre que amar por si mesmo é algo impossível, há que ser recíproco. Na verdade é um tipo de o amor por si mesmo, conseqüência dos arquéticos que se cria para ser a bem amada. É sabido ser bem menor que o amor pelo outro, e nessa condição ainda ser correspondido. Daí ser apropriado o nome de egoísmo para esse sentimento.
Com o perdão do tom professoral, coloco como verdade que o amor é um sentimento para o outro e não pra nós mesmos que tem sua contrapartida: dá-se e recebe-se amor. O maior de todos os sentimentos não é pra mim mesmo, mas pra bem amada, pros amigos, pra todos que cativaram e fizeram valer o momento de alegria além da alegria com a ternura e a confiança que ficam na memória e são as colunas firmes de todo relacionamento humano e que me tem na mesma conta.
Amar é partilhar, portanto. Talvez o socialismo leninista tenha acabado por falta de amor, na verdade isso é bem mais provável do que qualquer teoria conspiratória anti-americana. Amar sem ter medo, amar sem querer pra si, amar porque esse é o destino e o fim maior de qualquer sonho.
Nisso tenho um exemplo simples que todos já refletiram sobre: o do velho rico. Imagine um homem que por toda a vida sacrificou o convívio com os amigos e o apoio sentimental à família e, por isso mesmo, amesquinhou-se e perdeu toda a sensibilidade quanto aos sentimentos dos outros, quanto a perceber que o mundo girava em outra órbita que não a da sua posição na lista da revista Forbes. Pois bem, na velhice esse homem vai compreender que cada dia a mais é um a menos e que se a fortuna era incerta e veio como resultado do seu trabalho, a morte não requer nenhum esforço e não pode ser evitada com leões-de-chácara mal encarados. Daí, na infinita melancolia da solidão, sem amizade, sem amor, sem todos os sentimentos que lhe ofereceram e ele negou pela ganância de fortuna, ele pode cair em alucinação e pedir um beijinho ao seu cofre, mas, como se sabe, os cofres são frios.
Na verdade, para quem compreende que a grande aventura da vida é uma aventura por uma vida plena dos melhores sentimentos, e sendo o amor o mais forte e mais revolucionário de todos, o grande amor é também o grande sonho dos românticos.
Um amor sobre o qual são colocadas todas as expectativas do mundo, alguém que ame e se deixe amar, aceitando e sendo aceito, preenchendo-se como as rodas dentadas nas engrenagens preenchem-se multiplicando o esforço de cada qual numa força poderosa.
A poderosa força desse amor dá sentido à vida e é essa esperança que faz com que tanta gente se lance na heróica empresa de salvar o seu amor do cruel destino. Aqui chamo a atenção pra diferenciar esses heróis românticos dos maníacos que querem adequar a bem amada ao seu jeito e preconceitos: não se trata disso.
É precisamente o sonho de não vê-la mais sofrer, de ver o seu sorriso sempre alto e brilhante e o seu coração pulsando forte, não mais pelo medo, pela angústia, pela humilhação, mas pela paixão no reencontro.
Nesse minuto há milhares de pessoas angustiando-se com o sofrimento do seu amor, partilhando-o e desejando tirar-lhe essas tristezas como se fossem suas, apaixonando-se pelo desafio de fazer feliz quem não nasceu para chorar, mas para ser amada e para sorrir.
Heróis da revolução comunista do amor onde o querer pra si cede lugar ao querer pra nós, com o perdão de todos os egocêntricos fugazes de plantão.