quinta-feira, dezembro 30, 2004

Quiromancia

Tenho um tio-avô que é um sujeito muito especial. Figura sempre carismática e misteriosa, tinha lugar de destaque nos almoços domincais na casa de minha avó paterna, sua irmã.
Dele, a primeira coisa que soube era que lia o futuro nas mãos das pessoas, habilidade que eu pessoalmente considerava extraordinária.
Ainda menino, ele leu meu futuro e muito atento guardei cada palavra sua: 'tens tino para o comércio, tino para a política, tino para oficial das forças armadas, mas escolherá outra carreira por teimosia'. Muito esperto e muito certo também.
Nunca revelava detinos terríveis, mas uma vez chamou um dos meus tios pra dizer que o filho dele corria perigo quando terminasse o ginásio: a saúde poderia falhar. Meu tio ouviu com respeito, mas não fez nada. No momento indicado pelo tio-avô meu primo apaixonou-se e, destino cruel, não foi correspondido: resultado, reprovação no vestibular e psiquiatra.
Lembro-me das estórias da juventude dele que a minha avó contava e de como todos nós ficávamos loucos pra confirmar com ele se era verdade, mas nenhum de nós tinha coragem.
Uma dessas diz que ele aprendeu a ler o futuro nas mãos com uma cigana espanhola. Quando contava com 22 anos apaixonou-se por ela e largou tudo para seguí-la e de cidade em cidade exercia o ofício singular de cigano. Minha avó chegou a afirmar que nessa época ele visitava o lar uma vez por ano, vestindo-se tipicamente e gabando-se de ter aprendido a língua cigana, fato que sinceramente admirei porque minha avó disse que ele fez isso para declarar seu amor na língua maternal da amada.
De todas essas estórias e lendas envolvendo esse meu tio-avô, ainda acrescenta-se uma mais recente, de um ano atrás, quando ele insistiu para ler minha mão e não me poupou de contar o triste destino que estaria a minha frente no fim da vida: 'querido sobrinho, tu que nasceste para concluir tarefas difíceis e importantes, vais arriscar a vida seriamente pra salvar tua família de um naufrágio'. Na hora olhei nos olhos dele pra ver se ele estava brincando, mas a expressão facial era dura e preocupada e ele segurava minha mão esquerda com força. Mas poucos dias depois já não pensava mais no assunto.
Imagino que assim como a saúde do meu primo era muito mais sua saúde sentimental, salvar a família de um naufrágio pode significar algo ainda mais lúdico, como mostrar a poesia aos filhos, ou passar a ouvir a esposa à noite antes de dormir, como que uma tomada final de consciência, ou quem sabe é algo mais sério, como um acidente mesmo, mas no mar acho difícil, e ele sabe bem disso. De qualquer modo já tenho o aviso na linguagem poética do meu tio-avô de coração cigano.