quarta-feira, dezembro 08, 2004

Gente humilde

Já vão longe os anos em que fazia questão de ir ao Vitorino Braga cortar o cabelo na barbearia do meu tio Paulo. Apesar de ter lá vivido em sua casa por alguns meses e sermos da mesma família e da mesma opinião sobre tantas coisas, o contato é mais escasso agora. Mas sei que tudo continua muito bem por lá, apesar das tristezas que sempre rondam as casas e das mudanças que são a coisa constante da vida. Não vive lá mais meu primo Paulo César, que hoje ensina e pratica o alpinismo em Palmas, no Tocantins, mas orgulhava-se, então, da sua profissão de barbeiro ao contar pra mim num dia de novembro: 'corto cabelo há 10 anos, não são 10 semanas e nem 10 meses, são 10 anos'. Ou mesmo de quando na rua levantamos uma imensa bandeira com uma cruz de malta para celebrar o ótimo campeonato brasileiro que o Vasco estava fazendo naquele ano. De tudo que não mudou, lembro perfeitamente da gente boa e humilde do Vitorino Braga que freqüenta já há tantos anos o salão de barba e cabelo do meu tio. Eu via-os entrar, esperavam e conversavam animadamente. Uns um pouco tristes, tentavam sempre disfarçar, perguntando dos de casa ou, se estivessem entre o ânimo e a tristeza, reclamariam da prefeitura ou do aumento do transporte urbano. Outros mais animados estavam rindo, sempre faziam questão de contar piadas e até usar caixinhas de fósforo para lembrar um samba e parecia que tudo ficava mais feliz. Meu bom tio Paulo sempre ouvia... e ria, e eu, um pouco desacostumado com aqueles gestos mais largos deles, com o jeito alegre de falar e rir, com aquela espontaneidade e entusiasmo que vinham não sei donde, ria também.
Humildade não é ser pobre, como quer o senso comum. Há pobres tão orgulhosos e presunsosos que estão em pé de igualdade com muitos desembargadores e ministros de estado! Assim como há gente rica, realmente rica, que não ostenta a riqueza, nem a utiliza para favorecer-se de qualquer maneira.
Humildade é uma virtude, a maior de todas, aliás. Uma pessoa humilde sabe das suas limitações, seja financeira, cultural, de sensibilidade ou de inteligência na humildade de não levantar ao céu infinito seu ego e seus motivos pessoais.
A vaidade, o individualismo e o medo fervem juntos para destruir essa virtude. A vaidade de ser reconhecido, o individualismo de querer pra si e o medo da solidão e de que os outros descubram a fraude altruísta com que se pretente acobertar tudo isso.
Antes tinha visto espectros dessa humildade, mas os clientes do meu tio mostraram uma virtude perene e decidida, mesmo com a vida tão cheia de limitações e sofrimentos, mesmo com tanto motivo para ficar chateados com tudo e com todos. Por isso, sempre que a vida aponta num caminho mais amargo, olho pra trás e lembro que é preciso falar baixo e ter muita humildade.