sexta-feira, dezembro 17, 2004

Ouvre d'art

Impossível não reconhecer que a música brasileira vem mudando muito rápido nesse período entre o fim do século XX e o início do XXI.
Desde o início da década de 90 e até antes, os sertanejos tinham alcançado a categoria de músicos de sucesso. Chitãozinho e Xororó, Leandro e Leonardo, Zézé di Camargo e Luciano são só os três nomes mais representativos da categoria de duplas sertanejas que envolveram todo o Brasil nas suas canções românticas e em alguns momentos muito felizes, ingênuas e carinhosas, como é o caso da linda 'No rancho fundo', talvez um ranço do puríssimo e brasileiríssimo berço da música sertaneja, que é a música sertaneja de raiz, cujos maiores expoentes foram Tonico e Tinoco.
Mas em 1996 Daniela Mercury e o axé music de uma maneira geral surgem para aprensentar novos ritmos ao país. O carnaval da Bahia estava no seu auge e o Gera Samba, depois rebatizado de É o tchan! surgia com suas músicas, digamos, boas de dançar e ruins de aturar.
Nesse mesmo período os grupos de pagade alcançavam o seu melhor momento também. Grupos como o Raça Negra e o Molejo estouravam sucessos todos os meses, num surto nunca dantes visto. O pagode, sempre popular nas periferias, ganhava a classe média brasileira.
No início desse século, entretanto, outro movimento de gueto foi visível, este na verdade teve seu ápice de sucesso mais curto, que foi o Funk. Sempre com letras abusadas e ofensivas, ritmo agressivo e ambiente extremamente marginal, esses funqueiros conseguiram emplacar alguns sucessos inegáveis, obras de DJ Serginho e do Bonde do Tigrão na maioria.
Entretanto essa música popularesca vem sendo paulatinamente rejeitada pela preferência da juventude mais recente, abrindo-se novo fôlego para o bom e velho Rock'n'roll e para a música pop internacional e nacional.
Marginalizadas pelos seus críticos, Axé music, Música sertaneja, Pagode e Funk recrudescem vertiginosamente na preferência da juventude de classe média, voltando aos seus nascedouros, aos seus berços primitivos, nas periferias regionais ou sociais.
Sobra agora verificar o que permanece e o que surge de bom na música do Brasil.
De realmente novo na música e que possoui valor para levantar-se e defender sua verdade para sempre, num movimento autêntico e perene de revolução da música brasileira, é impossível não notar a existência da banda carioca Los Hermanos.
Sobre os Los Hermanos não é pouco dizer que unem talento à sanha de provar a sua verdade. Não há ambição de sucesso pelo sucesso, apesar dela existir, lógico.
Reclusa ao ambiente underground carioca no período na segunda metade da década de noventa, o seu primeiro sucesso, "Anna Julia", com uma letrinha de dor-de-cotuvelo mas singela, fez a banda conhecida em todo Brasil, tomando o primeiro lugar das paradas por meses seguidos no ano de 1999.
No primeiro disco, chamado "Los Hermanos", há músicas interessantes que acabaram ofuscadas pelo sucesso de "Anna Julia", como "Quem sabe" e "Onze dias", mas revelam desde já uma profundidade e uma poesia que não pareciam comuns até então.
Mesclando elementos nacionais como o samba de partido alto, com Bossa Nova e Rock'n'roll, principalmente nas vertentes de hardcore e rock clássico, Los Hermanos eram um elemento estranho na cena musical de 1999, dominada pelo Axé music, pelos pagodeiros e sertanejos.
Em 2000, com "O bloco do eu sozinho", Los Hermanos apresenta um disco simplesmente ímpar na história da música brasileira. Com elementos originais de um hardcore imiscuído em bossa nova, num tom sempre intenso nas composições e músicas, as canções são extremamente inteligentes e plenas de poesia.
O "Bloco...", entretanto, não fez o mesmo sucesso do primeiro disco, apesar de ter recebido vários prêmios importantes. O fracasso do segundo disco pode ser compreendido à problemas internos na banda e também à incompetência da sua gravadora no lançamento e divulgação.
Nesse momento, muitos achavam que a banda estava com os dias contados, mas eis que em 2003 surge "Ventura", o terceiro disco, que não traz nem as precipitações do primeiro, nem as tristezas tão agudas do segundo, reunindo entretanto o melhor do talento indizível desses músicos: uma verdadeira obra de arte. "Ventura" traz canções como "Cara estranho" e "Último Romance" que são aclamadas pelo público e crítica como baloartes de uma nova maneira de fazer-se música brasileira popular, com uma sensibilidade ímpar em unir letra, música e interpretação num trio poderosíssimo e de uma originalidade quanto ao estilo difícil de perseguir ou mesmo criticar com fundamento. De modo geral, as canções são simples, falam de sentimentos e situações marcantes da vida, mas a vertente de adequar tudo à nossa natureza brasileira e à modernidade faz de Los Hermanos os grandes revolucionários do estilo, relegando a segundo plano o restante do pop rock nacional e inclusive causando dores de cabeça nos outros compositores, já que as comparações são inevitáveis e no mais das vezes desfavoráveis aos concorrentes.
Sorte a nossa não ter morrido em 1999.