quarta-feira, dezembro 01, 2004

Tragédias anônimas

Uma mulher apaixonada é sempre o que há de mais pleno e significativo na vida e na mesma medida a morte da mulher apaixonada, ao menos da sua paixão, é a maior tragédia do mundo.
Já observei, nessa mesma linha de sentimentos, como pagenzinhos aflitos atrás dela, que uma das coisas mais contagiantes que existem é essa tristeza de uma mulher querida, que para ser querida não precisa nem ser conhecida, basta ser sabida.
Contagiando mais que gargalhada, a tristeza dessa mulher espalha-se a partir dos olhos com destemor e sem nenhum constrangimento engalfinha-se nos braços, deixa-os presos, como algemas compreensivas que não oprimem diretamente mas retiram toda a força e o ânimo: estar tão triste quem nasceu para ser o símbolo da alegria.
Li no diário de uma delas que seu coração andava fora do corpo perdido e que ela reclamava a devolução a quem achasse. Bom, eu não achei, mas tirei do drama dela e do afeto (igualmente contagioso) que ela me deixou a meditação sobre esse dilema: amar ou não amar? Eis a questão.
Para os que não estão apaixonados é fácil dizer: ‘ame profundamente, não tenha medo de ir às últimas conseqüências, pois é assim que a vida faz sentido e vale a pena’. Um pouco edonista, mas enfim, não está de todo errado. Entretanto quem sente na pele a indizível dor de perder quem se ama, de ver aquele amor condenado a ser uma lembrança adota o ditado imemorial dos amigos insensíveis de quem teve o coração quebrado: “o amor é uma florzinha roxa, que cresce no coração de um trouxa”.
Como se não bastasse essa aflição contra o amor, o pensamento não deixa nunca esquecer: qual será a cicatriz? O último beijo, o olhar quando foi proclamado o fim, o enfeite de natal que tinha na casa dela quando tentou-se o reencontro... Não importa, cicatrizes não querem dizer nada, a não ser que são só a prova de que houve uma ferida e se há sentido nisso, que seja para lembrar que só há dor se antes houve alegria, de fato, em compensação à tristeza houve muita alegria.
De alguma maneira, eu sei que ela não perderá nem a paixão eterna de não trair-se, nem sua inteligência e na sua fineza ao amar. Eu sei bem disso e arrisco-me a afirmar uma sentença dessas porque eu pude conhecer a grandeza do sentimento que ela inspira e gente assim foi feita pra ser amada.
Então que houve com o mocinho dela? Pois é impossível dizer aqui, melhor perguntar diretamente pra ele (se é que não está com a péssima mania dos ex-namorados de responder por enigmas a coisas relativas ao namoro).
“O amor, essa triste necessidade/ abriga-se nos sentimentos mordazes/ que não há como vencer”, e é precisamente assim quando a areia termina de cair da parte de cima da ampuleta e percebe-se que no colo restou um amor imenso não mais correspondido.
Outra ampuleta, entretanto, começa a deixar a areia cair, é a ampuleta do esquecimento de tudo isso que quando sossegar significará liberdade e esperança.
E esperança existe no seu coração, verde como a urtiga, fresca como a praia nua na madrugada, nova e plena como será seu novo amor.
No seu diário, rezo sempre para ler algo assim: ‘há três semanas conheci um rapaz muito gentil que sempre insiste em beijar-me quatro vezes quando nos cumprimentamos... acho um pouco babado demais, mas ele tem um ótimo perfume!’
Talvez amanhã.