Dentre os livros que li por obrigação, sem dúvida, 'Triste fim de Policarpo Quaresma' é o mais querido de todos. Não apenas por ser muito engraçado e ao mesmo tempo dramático, mas porque a graça e o drama são bem temperados sob o enredo do ideal.
Fiel ao seu estilo, Lima Barreto escreveu um romance que em linhas gerais conta as desventuras de um ufanista, um brasileiro apaixonado, certo da superioridade inquestinável do Brasil em todos os quesitos imagináveis de comparação entre nações. Disso todos que leram sabem muito bem. Afinal, por ser leitura obrigatória, é muito conhecido.
No entento, o valor maior do romance passa dispercebido pela maioria dos seus leitores, normalmente sedentos de caracterizar o estilo e a técnica literárias para aprovação no vestibular. O desmantalamento e a humilhação do ideal e do idealista tem um toque cruel muito apropriado às dimensões de cada qual.
Há três meses atrás comecei a ler de novo esse romance, mas tive de interromper a leitura por razões de mediocridade externa maior, de todo jeito rememorei esses fatos e interrompi a leitura quando o Marechal Floriano critica a proposta de Policarpo de aproveitamento da 'vocação natural' do país para a agricultura, além de palpites sobre educação, folclore e outros temas afetos.
A imagem de líder supremo da nação do Marechal Floriano era mais que um símbolo para Policarpo, na verdade simbolizava todos aqueles ideais positivistas da época vitaminados pelo nacionalismo militarista e 'revolucionário' da república recém-fundada.
Trata-se de uma frase de importância cabal para todo o romance, mais que isso, trata-se de uma locução extremamente cruel e agressiva: 'você, Quaresma, é um visonário'.
Esse julgamento do marechal-de-ferro foi o cão que detonou toda uma crise de conceitos e sentimentos em Policarpo, afinal, os que mais estimamos são os que mais podem ferir-nos.
Apesar de não ter relido o final do livro, sei bem que o fim é triste, afinal o próprio título já adianta! Mas, data venia da brincadeira, a desilusão dá uma bela gravata no major Quaresma, suficiente para levá-lo a um fim ainda pior mais à frente.
Talvez por afeiçoar-nos ao personagem, pelo seu jeito meigo e simples e pelo seu ideal tão grandioso, ficamos tristes com ele também e amarguramos junto dos seus aquele destino. De todo jeito, foi ele quem escolheu, a verdade é essa. Todos fazemos escolhas, todos os dias e nossas escolhas são o espelho fiel da nossa conduta, assim como escolhas desastradas demonstram uma personalidade desequilibrada e fraca, escolhas coerentes e brandas demonstram uma conduta perspicaz e inteligente. Mas de coerência e brandura o curral está cheio, basta o gado que é brando e coerente ao ponto de esperar ir ao pasto quando tem fome ao não destruir a cerca.
Provavelmente o ideal seria ser coerente e corajoso, cada qual na sua hora, mas essa mediação de comportamento é muito difícil e com certeza muito confusa. De todo jeito, o que é desagradável mesmo é a covardia de não ousar, afinal, antes ser um Policarpo Quaresma que um nelore pertido na imensidão do Mato Grosso.