segunda-feira, maio 21, 2007

Um coração a sangrar

"Os poderosos podem destruir uma, duas, ou até mesmo três flores, mas jamais deterão a primavera"
Che Guevara


Para mim é impossível olhar o mapa da América Latina sem lembrar da feliz alcunha que Eduardo Galeano usou para referir-se ao nosso continente: um coração eternamente a sangrar.
Nunca antes da leitura do clássico da literatura de jornalismo político, "As veias abertas da América Latina’, da autoria de Galeano, tinha percebido a grandeza e a robustez do mito que meu continente corajosamente encarnou e encarna: à dura missão de ter tomado para si o sonho iluminista de liberdade, igualdade e fraternidade não poderia nunca mensurar as vezes em que seu grito de horror face à injustiça fora impiedosamente sufocado no decorrer destes 5 séculos de tenaz existência.
Desde o Rio Grande até a Terra do Fogo, fomos marcados pela sina do sonho, da fantasia, da traição pelo covarde e da capitulação ao inimigo que nos ambiciona o corpo e as virtudes, mas mesmo depois de tantas mentiras, depois de tantas traições, de tantas lágrimas, seguimos irremediavelmente como adeptos do sonho, como se não houvesse para um latino a hipótese de desistir do seu sorriso e da sua esperança, o que certamente é difícil de perceber a um estrangeiro, mas que para nós faz sentido instintivamente.
Quando os movimentos de esquerda ganharam força na América Latina a partir do final dos anos 50 e principalmente nos anos 60, não havia propriamente um levante para se instaurar uma grande União Soviética latina, mas sim um desejo unânime de igualdade social e democracia efetiva, em substituição aos velhos sistemas de dominação política das aristocracias tradicionais, com suas eleições forjadas e seus governantes submissos a interesses particulares e dos estrangeiros, enquanto o interesse do povo latino-americano ficava à mercê das sobras que houvessem, a tentar a felicidade apenas com o surrealismo ocasional de suas vidas, o culto aos grandes futebolistas, as festas religiosas e com um pouco de sorte uma pequena querida a sorrir-lhes.
As grandes veias abertas da América Latina foram notadas pela juventude filha de sua influente classe média quando deparou-se com questões como desenvolvimento sustentável, recursos naturais e remessa de lucros para o estrangeiro, entre outras fontes de mazelas. Os recursos que faltavam ao Estado para promover inclusão social dos pobres, para investir em educação, para emprestar aos que sonhavam em ter seu negócio, ou mesmo para investir em infra-estrutura, como boas estradas e bons portos, escapava entre os dedos de uma mão que assinou indulgentemente generosas anistias fiscais para empresas estrangeiras explorarem o inesgotavelmente rico subsolo do nosso continente, uma mão que tomou suborno para censurar a imprensa e fechar partidos políticos, uma mão que foi apertada pelos seus senhores em cumprimento pela opressão da inteligência e da liberdade latino-americanas.
Houve, entretanto, quem prezava imenso pela nossa terra para encarar todos esses crimes e querer levar a vida como se nada estivesse a acontecer, houve gente que não se contentou em ouvir mentiras e ser covarde, houve gente que mereceu ser assim chamada.
Assim, houve luta armada contra as ditaduras e contra a opressão de maneira geral em Cuba, no México, na Argentina, no Chile, na Bolívia, no Brasil e em mais tantos outros lugares onde heróis anônimos resolveram gritar que nada daquilo estava certo e que era tempo de nos unirmos para fazermos valer nossa liberdade de decidir por nós mesmos, de pensarmos na nossa felicidade, para que pudéssemos sonhar com um futuro de prosperidade e mais que tudo, com um futuro de honradez política e social.
Muitas dessas lutas foram brutalmente sufocadas e mesmo que algumas vezes tenha havido sucesso nos seus propósitos, não é isso que fez umas maiores ou mais nobres que as outras. É sempre a coragem de sermos quem somos que nos faz livres, não um papel onde estão escritos direitos, ou nossos bens, ou a trama sofisticada de interesses que reúne pessoas que se chamam umas às outras de amigas.
Foi a covardia que nos assassinou muitas vezes. Mesmo que em qualquer campo da convivência humana sempre exista os que se protegem atrás das pedras e esperam passar a fera e outros que se lançam contra ela, porque não querem passar a vida a comer raízes e restos do chão e precisam mesmo de carne, não é sensato deixar escapar a lição de que aos fracos cabe precisamente a mediocridade e a submissão.
Hoje temos nossas jovens democracias cheias de uma ânsia imensa de recuperar o tempo perdido, de incluir os pobres nos grupos de consumo, de prover educação a todos e em todos os níveis, de integrar os países irmãos, de valorizar a nossa cultura e o nosso povo como melhores expoentes da nossa verdade, de tudo que temos para dar ao mundo, não mais o sangue das nossas veias abertas, mas sim o sorriso confiante e afetuoso que lançamos a um futuro quando as duras lições do passado serão lembradas apenas pelo estudo da história.
Um coração sempre apaixonado e corajoso em honra aos grandes leões da América Latina.

domingo, maio 06, 2007

Jeito juizforano de amar

"Flores no azul", Manuel Santiago, 1969, acervo do MMP

Íamos muito animados, um velho amigo de faculdade e eu, pelas ruas do Alto dos Passos, até que resolvemos ir ao Cine Alameda e para minha surpresa havia lá uma moça sentada junto às mesas da cafeteria que assim que nos viu saltou da cadeira para um abraço e um beijo cordial, nem mais e nem menos. Senti-me mal com aquilo a princípio, pela gentileza fria, mas depois percebi que não era por mal, era apenas como era para ser. Não havia mais nada naqueles olhos depois de 2 anos de um silêncio algo grosseiro que nos raspou dos ossos um do outro. Antes havia um mundo inteiro em qualquer banalidade onde colocasse os olhos e dedicasse um pensamento, uma palavra sua e havia certeza, um suspiro seu e havia então ainda uma esperança na doçura do mundo.
Numa tarde ordinária daquele tempo em que andamos juntos, resolvi visitá-la depois de deixar o campus e cheguei à sua casa num início de noite outonal, uma dessas encantadoras noitinhas de maio de Juiz de Fora. A sua mãe recebeu-me na porta e avisou: "ela queimou-se com água fervente, tem cuidado" . A namorada estava na sala a ver TV, os olhos algo vermelhos e na boca um beicinho ainda infantil a espelhar o tanto daquela dor continuada somada ao susto que levou. A queimadura não tinha sido séria, apenas um pouco de água espirou da panela de pressão e queimou-lhe superficialmente a pele do seio esquerdo. Naquela hora já havia tomado todos os cuidados, inclusive aplicado uma pomada sobre a parte ferida. Com o coração apertado de vê-la assim tão frágil, tão amedrontada, pedi-lhe para dar um beijo e ela sorriu-me assentindo, então beijei com todo cuidado para que aquilo não doesse mais. Não tardou, despedi-me e mais tarde liguei para conversar um pouco e dar boa noite. Dormi a pensar sempre como poderia fazer com que ela se sentisse melhor. Como se estivesse a arder o meu corpo inteiro, queimou de repente apaixonado o meu coração. No dia seguinte liguei para sua confeitaria favorita e pedi para fazerem a torta de nozes e avelãs que a deixava nas nuvens. Depois das aulas, que freqüentei sem nenhum expediente, fui correndo para a porta do seu colégio apanhá-la. Surgiu assim que a sineta tocou e ao ver-me abriu seu grande e generoso sorriso de surpresa e avançou junto com uma amiga na minha direção e beijou-me com uma exclamação grande do meu nome e fez-me uma festinha no cabelo. Acho que nunca antes desse momento tinha me dado conta do quanto dela já havia em mim, do quanto éramos ligados, não era mais essa treta de amor romântico, éramos os melhores amigos: eu cuidava dela e ela de mim. Fomos à confeitaria e paguei-lhe um pedaço da torta de nozes, conversamos docemente sobre qualquer tolice e foi maravilhoso vê-la de novo a moça equilibrada e bem temperada que sempre foi, ainda com a queimadura a incomodar, mas já senhora de si, independente dos meus cuidados, embora gostasse deles: eis a chave de tanta harmonia.
Nesse último encontro, vi uma moça mais madura e mais sedutora, mas a sorrir ao mundo o mesmo encanto de sua inquebrantável pureza e a deslumbrar como sempre com seu porte de princesa do Piemonte. Como pareceu duro tratá-la com a necessária frieza, mas não cabia nada mais que isso, não há nada além disso: nem amor, nem saudade, nem ressentimentos, mas ao mesmo tempo como há em cada qual tanto de cada um!
Aquela moça que ficou lá sentada era a minha grande amiga.

terça-feira, abril 24, 2007

Perdão apaixonado

O cego rabequista, José Rodrigues, 1855

Subia a Alferes Chiquinho com a costumeira disposição que me move nos domingos de manhã, à perspectiva de ter com os parentes o nosso almoço bento na casa da avó Adalgisa. Hábito imemorial, essa assembléia é no melhor estilo da minha família, com muita cortesia, assuntos amenos e sorrisos, bem à moda da minha avó, essa sábia anciã cheia de garbo e elegância.
Já perto do destino, avistei uma pequena figura na varanda, apoiada no balcão que mirava a rua e num instante encontrou-me e fez-me seu alvo, era a dona Ziza, claro. Acenei de longe e apressei-me para subir as escadas.
Já perto dela, pareci ler nos seus olhos: "malandro, vais nos deixar de novo!", mas não era isso, numa quase melancolia que não é nada típica dela, pareceram dizer-me "meu filho, será que te volto a ver depois dessa viagem?". Por certo era a mesma coisa, mas com impressões bem diferentes. "A sua bênção, avó", pedi como venho pedindo deste que aprendi a falar, e ela, generosa como sempre, deu-ma.
Naquele instante é que ficou mais claro como era cara a decisão de partir de novo, como havia um preço superior ao aparente e esse é justamente o fazer sofrer quem nos ama.
Eu por mim, resolvo-me muito bem com as minhas dores e saudades, porque compreendo as razões da minha empreitada, seus fundamentos, todo segredo da paixão que me move, já que não sou de desistir do que acredito, mas a eles não é assim tão claro, como não poderia deixar de ser, e consideram que uma carreira aqui é que valia, que há muitas oportunidades e que os bens precisam de alguém que lhes dê governo, mas o facto é que são todas excusas para não perderem o filho, o neto, o sobrinho, o amigo, o irmão.
Assim, gostava de poder pedir perdão aos avós, aos pais, aos irmãos, amigos, parentes, perdão ao pequenino afilhado que já agora aponta para tornar-se um homenzinho de bem, mas o que tem que ser, tem que ser, e o que tem que ser tem uma força incrível, como bem me disse um moçambicano quando estive no Algarve.
Amparados por vezes nas minhas palavras pontuais e amigas, foi quase desleal cativar os amigos de novo para agora deixar-lhes, foi mesmo uma trama intrincada oferecer aos parentes de novo um convívio que já era saudoso para em seguida tirar-lhes e por tudo isso, eu espero mesmo que me perdoem.
Eu, que sou um experto em partir, estou para experimentar em poucos dias a sensação de ser deixado, já que meu querido Daniel vai para Brasília, vai começar uma carreira no serviço público lá ou para onde quer que o mandem, ainda não se sabe. Certo é, entretanto, que aqui vai ficar um vazio imenso, que eu já consigo prever em todo lado onde costumamos andar e onde pode-se encontrá-lo, nessas horas talvez exista uma espécie de egoísmo que eu possa compreender, o de ter por perto quem se ama. Nenhum querer para si é tão próximo do amor de verdade, mas ainda assim não se justifica e eu sei que se gostamos mesmo de alguém, o bom é vê-lo feliz a fazer o que gosta e acredita, a estar com quem realmente ama, na terra que escolheu para si.
Assim, não foi pela falta de alegria da mãe ou as anedotas disfarçadas do pai que compreendi o alcance do meu crime, mas sim pelas palavras interditas da Dona Ziza e essa absurda solidão que significa ver partir quem nos faz ser quem somos.

sábado, abril 21, 2007

Liberdade



Hoje é o Dia de Tiradentes, o que vale dizer que é o dia de Minas Gerais. Eu, que antes de ser brasileiro, sou mineiro, tenho muito orgulho das Minas Gerais, da sua gente, das suas cidades, dos seus campos, dos seus ares de eterno outono apaixonado.
Nos versos de Guimarães Rosa, a mineiridade:

Ser Mineiro

Ser Mineiro é não dizer o que faz, nem o que vai fazer.
É fingir que não sabe aquilo que sabe,
É falar pouco e escutar muito,
É passar por bobo e ser inteligente,
É vender queijos e possuir bancos.
Um bom Mineiro não laça boi com embira,
Não dá rasteira no vento,
Não pisa no escuro,
Não anda no molhado,
Não estica conversa com estranhos,
Só acredita na fumaça quando vê fogo,
Só arrisca quando tem certeza,
Não troca um pássaro na mão por dois voando.
Ser Mineiro é dizer UAI,
É ser diferente e ter marca registrada, é ter história.
Ser Mineiro é ter simplicidade e pureza, humildade e modéstia,
Coragem e bravura, fidalguia e elegância.
Ser Mineiro é ver o nascer do sol e o brilhar da lua,
É ouvir o cantar dos pássaros e o mugir do gado,
É sentir o despertar do tempo e o amanhecer da vida.
Ser Mineiro é ser religioso, conservador,
É cultivar as letras e as artes, é ser poeta e literato,
É gostar de política e amar a liberdade,
É viver nas montanhas, é ter vida interior.
É ser gente .

Para honrar nossa história, devemos reverenciar aqueles que vieram antes de nós, que nos deram nossas terras, nossos costumes, mas sobretudo aqueles que moldaram pelo exemplo de vida e morte o nosso caráter de amor à liberdade e à justiça.
No dia de hoje devemos lembrar-nos de quem deu a vida para não negar sua fé de que somos um povo livre e soberano, de que ninguém deve decidir por nós e que o amor a um ideal é maior e transcende a própria vida.
"Numa manhã de sábado, 21 de Abril de 1792, Tiradentes percorreu em procissão as ruas engalanadas do centro da cidade do Rio de Janeiro, no trajeto entre a cadeia pública e o largo da Lampadosa, atual praça Tiradentes, onde fora armado o patíbulo. Executado e esquartejado, com seu sangue lavrou-se a certidão de que estava cumprida a sentença, e foi declarada infame sua memória. Sua cabeça foi erguida em um poste em Vila Rica, os restos mortais foram distribuídos ao longo do Caminho Novo: Cebolas, Varginha do Lourenço, Barbacena e Queluz, antiga Carijós, lugares onde fizera seus discursos revolucionários, arrasaram a casa em que morava e declararam infames os seus descendentes." In Wikipédia – A enciclopédia livre, http://pt.wikipedia.org/wiki/Tiradentes.
Tiradentes foi para a forca de cabeça erguida, de chin up, a mirar nos olhos seus julgadores covardes, convencido de que não morreria em vão.


Libertas quae sera tamen!

sábado, abril 14, 2007

Crônica histórico-passional para Gabriela


Situado no extremo ocidente do continente europeu, Portugal é a terra que foi bravamente defendida por Viriato contra os romanos no século II antes de Cristo, é a que foi tomada dos mouros por Afonso Henriques no século XII, o país que pioneiramente estabeleceu uma rota comercial para as Índias em 1498 com Vasco da Gama e, entre outros feitos notáveis, foi o país que descobriu o Brasil em 1500 numa expedição chefiada por Álvares Cabral e colonizou-o até 1822. Bem, isso acho que todos sabem bem, está nos livros de história e é provável que qualquer um que teve instrução saiba, mas existe um Portugal oculto, oculto nos sentimentos e no próprio Brasil, que não se alcança tão pragmaticamente.
Antes de revelá-lo, cumpre anotar que procurou-se (e procura-se) apagar o legado português no Brasil o quanto é possível. Seja na literatura, seja na música, seja nas leis e até na visão absurda de alguns de desnaturar o idioma, ou culpar eternamente Portugal pelas chagas nacionais, em tudo vê-se alguma submissão na presença portuguesa e uma ojeriza a tudo que seja português, uma impressão que sinto que vem se apagando pela grande aproximação que tem se operado entre os países e seus nacionais.
Há episódios que construíram essas diferenças entre os dois lados do atlântico, no que vale lembrar um importantíssimo que passou-se na minha terra: a inconfidência mineira. Portugal reprimiu a insurreição com mão de ferro, o líder Tiradentes foi esquartejado e partes do seu corpo foram espalhados pela estrada real, sendo que sua cabeça ficou exposta por muitos dias na praça central de Vila Rica, atual Ouro Preto. Sem o ouro brasileiro Portugal estaria em péssima situação com credores e com a economia interna, basta lembrar que foi o nosso ouro que financiou a reconstrução de Lisboa, destruída por um terremoto na metade do século XVIII. Os brasileiros, evidentemente, não engoliram nada bem aquilo, daí os conflitos. Na época da independência também houve problemas. Após o regente Pedro ter feito o Brasil independende e transformado-o logo num império, surgiram conflitos pelo seu interesse na política ultramarina, já que era herdeiro do trono português e havia temor de que unificasse as coroas e com isso o Brasil voltasse a condição de colônia. Entrou para a história a noite das garrafadas, quando os brasileiros expulsaram um grupo de portugueses de um bordel do Rio e os moradores das casas próximas todos foram lançando garrafas nos lusitanos e mandando que voltassem para a terra deles.
Foram cenas circunstanciais que não dizem nada do que realmente passou-se na relação cultural entre as nações que para mim ainda parecem uma só em muitos sentidos, sem méritos de submissão ou qualquer contexto político.
É evidente que o Brasil criou valores próprios e em muitas coisas, realmente muitas, superou largamente Portugal, mas parece-me que é justamente nas coisas em que há afinidades que estão as virtudes.
Dá-nos a história exemplos incansáveis dessas virtudes: a resistência aos invasores romanos e mouros e espanhóis fez perpetrar uma cultura de fé na ressureição da pátria, em tudo a fé nesse amor que nada pode destruir a esperança, assim como episódios de coragem incondicional, como o cerco do Porto nas guerras constitucionalistas quando o povo dessa cidade ficou sitiado por vários meses por tropas miguelistas e resistiu para fazer partir de lá a vitória final do direito legítimo...
Num dos momentos mais trágicos da história portuguesa, quando da captura do jovem rei Dom Sebastião em África, houve uma consternação geral sobre o que seria do país, já que o herdeiro do trono era espanhol e com a unificação das coroas, fez Portugal parte de Espanha, de 1580 a 1620. Acreditava-se que o rei conseguiria regressar e chegaria numa manhã de nevoeiro para libertar Portugal, entretanto, isso nunca se verificou. Nesse ano de 1580 também compadecia Camões que escreveu um poema no qual dizia que morria junto com o seu país. O futuro, entretanto, fez a redenção de ambos, mas é fora de questão que foi um episódio extremamente marcante no modo de ser do português e marcou ainda mais a cisma com os espanhóis que perdura até hoje.
Portugal cresce também nas letras, em Camões, em Gil Vicente, em Bocage, em Castelo Branco, Eça de Queirós, mais recentemente também em Florbela, Pessoa e Eugénio de Andrade: esse fabuloso portuense de adoção! Foi no rastro deles que seguiram os nossos primeiros poetas e romancistas e de onde descende a nossa literatura para hoje haver uma comunhão muito sadia, além de mútuo respeito, entre os países.
Do gênio português, feito no arquétipo da saudade, do amor ao belo e da devoção à Deus, há um tanto imenso que temos também, essencialmente a questão do amor apaixonado e da introspecção, ambos ligados à saudade, à ilusão e ao sonho, todos componetes típicos do poema 'Mar Portuguez' de Pessoa, compõe-se dos mesmos elementos a intimidade sentimental do brasileiro. Claro que houve contribuições de outros países, isso é evidente, por exemplo, no modo brasileiro de falar português: é mais musical, no que foi alterado do século XIX em muito pelos imigrantes italianos, já que o Brasil foi o país que mais recebeu estrangeiros dessa nacionalidade no mundo. Há também presença de culturas não européias, como a indígena e a africana, mas não consigo perceber com o mesmo entusiasmo dos sociólogos a decisiva e marcante contribuição delas para o caráter nacional, há sim uma participação, mas sempre marginal se comparadas ao incomensurável legado lusitano.
Nesse passo, encontra-se Portugal aqui quando se abre a boca para dizer ‘bom dia’, assim como nos momentos de aperto ou alegria quando aflora a fé ao santo de devoção, há Portugal nas ruas antigas e estreitas, nas praças, nos prédios antigos, nas igrejas, mas encontra-se Portugal sobretudo quando olhamo-nos no espelho e enxergamos ainda no nosso olhar aquela esperança corajosa dos antepassados quando para cá vieram, nas suas palavras de saudade e amor, na sua inquebrantável fidelidade e bravura, quanta nobreza herdamos: há um imenso Portugal no coração!
Assim, Gabi, fez-se nosso antigo enredo e inescapável destino, quase historiadora.

segunda-feira, abril 09, 2007

Chocolate suíço



Fez-me lembrar a Corte Suíça, em Westminster, Londres, um presente de aniversário que ganhei: uma caixa de finos chocolates suíços. Ainda não cheguei a comer deles porque isso do aniversário coincidir com a páscoa fez com que o cheiro do chocolate chegasse mesmo a enjoar... mas acho que são deliciosos, após umas semanas vou provar daquilo.
Conhecida pelo chocolate de boa qualidade, pelos relógios precisos, pela neutralidade e pelos bancos, a Suíça é muito querida dos britânicos. Em 1991 um marco com os brasões de todos os cantões suíços, além de mais um que representa a bandeira do país, foi colocado numa das entradas da praça Leicester para homenagear os 700 anos de independência do país, daí em diante esse largo passou a se chamar Swiss Court. Quanto a bandeira da suíça, vale revelar que é uma velha conhecida minha: tentem imaginar fazer um exame de desenho da bandeira do Brasil com o céu austral no lábaro aos 8 anos e vão perceber a minha inveja das crianças suíças.
É pela Corte Suíça que se tem a mais bela entrada da praça Leicester, um sítio cheio de cinemas, teatros e bistrôs, muito concorrido por cineastas, escritores e artistas plásticos, além dos estudantes e turistas, claro! Junto a esse marco gastei muitas horas a conversar com os amigos, usei como ponto de encontro e mesmo quando estava com a minha bike parava por lá para sentir as minhas saudades.
Numa dessas conheci uma garçonete grega que esperava pela irmã ali, iriam comemorar juntas o aniversário dela. Percebi daquela vez que, ao contrário do que se dá com os ingleses – não duvidem disso! – os gregos não prezam lá muito pela pontualidade, um horário estabelecido pode se atrasar até em 1 hora e meia e ainda será aceitável.
A nossa conversa foi sobre os países de origem, sobre Platão e a Acrópole, sobre Ipanema e Chico Buarque, até ela falar que era seu aniversário, o que me deu uma grande impressão e me fez sentir aliviado de não ter a perspectiva de passar o meu no estrangeiro, onde certamente ninguém se importaria com isso e também por fazer doer mais a ausência de quem se ama e em quem se ama. Sorte dela que ainda tinha ali a irmã e juntas iam vencendo as tramóias da vida de um imigrante, onde todo amor é tirado quando se sai do nosso país e nenhum é recebido quando se chega ao estrangeiro.
Quando vi que ela já estava exausta de esperar pela irmã, convidei-a para tomar uma cerveja num bistrô da praça e afinal vi que ela ficou feliz, teve significado para ela o dia de seus anos e por isso também eu fiquei muito feliz. Naquele dia ela completara 21 anos e era seu primeiro aniversário longe dos pais e amigos.
Hoje, assim de repente ao lembrar desse episódio, percebi a sorte de desfrutar um dia como esse, por ter por perto a família e amigos muito queridos e para que quem me ama tivesse esse argumento para declarar-se sem mais pudores.
Thank you all.

segunda-feira, abril 02, 2007

Coelhinho da páscoa

Coelha Juka e suas meias mágicas. All rights reserved! = )

Já montaram na praça Coronel Pacheco de Medeiros o bazar de roupas velhas para ajudar às casas de caridade, especialmente os abrigos para idosos, nas festas de páscoa.
O bazar tinha lá a moça toda empolgada a mostar umas roupas puídas, doadas por não serem mais queridas, como se fossem do estilista mais famoso e o pessoal que se aproximava procurando alguma pechincha até se deixava contagiar com aquela encenação exagerada, era mesmo como uma atriz de comédia que não espera nem um pouco ser levada a sério, era engraçada a vendedora do bazar! Os estudantes, mais ao longe, ao meu lado, riam-se a valer e também eu não pude conter muito bem.
Acho bem que procurem fazer algo, eu visitei já algumas casas de caridade e a vida que os necessitados levam é muito sofrida. Sofrem pela falta de conforto onde vivem, sofrem pela humilhação de terem de viver lá, por vezes sofrem com quem, ao invés de cuidar, maltrata, mas sobretudo sofrem pela solidão.
Vem a páscoa e vem os ovinhos de chocolate, toda gente se empolga! Eu pessoalmente fiquei muito animado com o lançamento do chocolate 'diamente negro' em forma de diamante... achei demais! Dentro dos ovos por vezes mais bombons, festa geral da pirralhada. Nisso é que me ocorreu que os velhinhos vão ter um grande jantar na sexta-feira da paixão, mas eu aposto que o que gostariam mesmo era de ganhar cada um um grande ovo de chocolate... isso sim, sentir-se parte, não se sentir alijado dessa doce celebração.
Já é pena que a caridade seja circunstancial e é tanto pior que ela não atinja o seu fim. Assim, eu proponho aqui que todo dinheiro que se arrecade nas campanhas de caridade de páscoa seja convertido em ovos de chocolate! Acho que é bom para os necessitados poder também comer chocolate, que nesse momento do ano em que lembramos que Nosso Senhor Jesus Cristo morreu na cruz para nos salvar, é preciso ter em mente que o propósito foi o de nos incluir, incluir os pecadores no reino de Deus, eis então que a ressureição e a elevação de Cristo aos céus é a aceitação do pacto por Deus, é quando Ele nos readmite como filhos. Eis a grande inclusão que se deve recordar da páscoa.
Assim, meus amigos, quando estiverem a dar as suas vorazes dentadas nos ovinhos de chocolate no próximo dia 8 de abril (uma data muito bela, por sinal), lembrem-se por um instante que seja dos velhinhos solitários nos abrigos, das crianças órfãs que sonham em ganhar pais, nos chefes de família que não tem emprego e não podem colocar comida dentro de casa... pensem nas misérias do mundo, pensem em como todos esses miseráveis gostariam de ter nas mãos um delicioso mimo trazido pelo coelhinho da páscoa para poderem se sentir parte do mundo que pode consumir esses bens, para que por um instante alguma páscoa, no que vale dizer alguma esperança, possa alcançá-los.
Assim, que a senhora vendedora do bazar da praça faça muitas palhaçadas e venda todas as roupas usadas e arranje mais: nenhuma boca sem chocolate na páscoa!

terça-feira, março 27, 2007

O poema encontrado

Trouxe potentes versos de lirismo e sentimentalidade pensada, a condição de intimidade e de desejo ainda a desprender fumaça, ainda a convocar à sua verdade, a lança afiada contra o meu pescoço: eis o meu poema que encontrei por acaso. Escrito não sei bem quando, tinha me esquecido dele tão completamente que quando li pareceu um alienígena entre os escritos. Estava errado. Não se pode nunca fugir dos próprios versos.
Assim também não fugi dos teus olhos. Nunca me deixaste ir e eu também nunca quis ir de ti. Ficou assim o desejo de amor: à mercê dos factos da vida, sendo cruelmente objecto de comparação com outros valores... posto à balança como um pedaço de carne embalada no plástico - no mais cretino dos julgamentos não há culpado nenhum... há contingências que nos pedem respostas e temos de dá-las.
Vagando pela magnífica constelação que se encarnou nos teus olhos, eu conheci os mundos que criaste na tua ternura, tornei-me o teu sol para aquecer e iluminar e não me intimidei com a responsabilidade, não vale ter timidez quando a esfinge lança o enigma.
Assim percebeste os meus sonhos, as minhas aflições, beijaste-me pelo minuto que vale a vida e encaixaste o teu corpo morno como parte do mundo material que se comunica com meus pensamentos: enfim era gente de novo, tinha de novo propósito, via no mundo alegria e queria dar-te tudo. Da minha vez também percebi bem os teus sonhos de menina e amarguei como minhas as tuas aflições querendo apaixonadamente para mim as farpas que rasgariam a tua carne, sem saber das tantas que a minha ausência lhe impingiria, sem nunca mencionar as dores de saber-me de alguma maneira o teu algoz.
Cresceste em mim, pequena flor cheia de perfume, com o rubror da paixão. Floreceste quando eu disse que te amava e quando o meu abraço conseguiu guardar-te inteira.
Tu me guardaste entre as tuas coisas queridas. Eu morei ali muito bem, lutando para nunca te ferir com a minha indissociável solidão e tu magistralmente me respeitaste como nenhuma outra. Permitiste que eu calasse o meu remorso e a minha saudade inúteis, deste-me o teu amor sem pedir confidências e naturalmente dei-te o meu.
Vivemos assim nossa cândida troca de afinidades, de mínimas impressões, da minha condução e da tua obediência, da alegria simples pelas coisas mais simples... da infinita complacência que sempre houve entre nós, amiga minha. Com que lealdade eu te preferi à qualquer outra...
Eis então que encontro o poema, como um cálice que transborda, ele não se contém... das profundezas de onde eu quis tanto tê-lo destruído - a tola esperança de querer ver algum sentido na ausência, na saudade e na separação - ele surgiu para substituir a língua vulgar que se fala nas esquinas e dizer-nos em verso.
Desconsolo, angústia, medo... não há porquê destes sentimentos agora. Não é preciso martirizar o pensamento com perguntas hipotéticas, nem recorrer à saídas fugidias que não levam a lugar nenhum... é preciso querer um coração calmo e disposto à humildade para que tudo não seja ainda mais difícil, para que saibamos que caminho tomar, para decidirmos juntos.
De qualquer forma, o amor sempre fica, como ficam os nossos sorrisos na memória e é assim que quero-te sempre... amada.

terça-feira, março 20, 2007

Não foi em vão

A minha prima Elza devolveu-me o meu volume do "Romanceiro da Inconfidência", de Cecília Meireles, para minha grande alegria. Não que a Elzinha fosse ficar com o livro para sempre, claro que não, mas é bom rever os amigos e esse um é um amigo e tanto.
Assim se lê contra-capa: "é um dos mais belos livros de poesia da literatura brasileira. Seus admiraráveis versos, dotados de tanta densidade dramática, fazem dele um poema de poderoso sentido coletivo. Desentranhado da história e regado pela sensibilidade apurada de Cecília Meireles." Bem, depois duma descrição dessas ficava difícil não comprar o livro! Se bem que do que é seu não se fala mal, mas mesmo assim sabia que o auto-elogio não era pra vender, era pra valer mesmo.
Em consideração ao tema, é sempre bonito ler boa leitura sobre a Inconfidência Mineira, tema pelo qual tenho mto carinho, afinal, foi uma revolução que se deu na minha terra e que lançou luzes para todo o país e para sempre. A lição da coragem contra a tirania, da honra contra a vilania, do herói que fez-se assim sem matar, apenas pela postura de luta pelo ideal, essa povoa o imaginário e os sentimentos do povo mineiro com muita intensidade.
Na poesia fica ainda mais bonita a história do Tiradentes e de seus sequazes na tenaz empreitada de fazer da terra do ouro uma terra independente, assim também é escrachada com mais vigor, a ponto de termos vergonha pelos outros, a traição de Joaquim Silvério, o traidor. Ainda hoje é comum chamar a um traidor de Joaquim Silvério dos Reis, inclusive é uma espécie de grave chingamento, pela sutileza histórica do nome. Os mitos permanecem vivos entre nós e são mesmo a nossa própria identidade.
Imagino a indignação que moveu aqueles homens a ponto de tramarem uma revolução para libertar Minas Gerais de Portugal, o que equivaleria a ter para si todo o ouro que os portugueses levavam com a derrama (a cobrança de 25% de tudo o que era encontrado nas minas), além de terem poder para conduzir com liberdade a política da terra, o que equilvaleria a instaurar a democracia e abolir a escravidão, fazer reforma agrária e promover o conhecimento como valor superior a uma fé fanática, estavam inspirados pelos ideais iluministas que varreram as mentes do mundo de então.
Embuídos de tantos ideias, foram avante encontrar o seu destino e é pena terem sido traídos e impedidos de fazerem real o sonho, era mesmo curioso se Portugal tivesse perdido o Brasil naquela altura, de certeza que as coisas não ficariam muito bem lá no Reino, sempre dependente da riqueza da sua mais abastada colônia. E por aqui era a oportunidade de começarmos mais cedo uma história ditada por nós mesmos, mas não vale lamentar, é preciso ver que os feitos grandiosos são engendrados de tentativas assim: sinceras.
Hoje em dia, deparamo-nos com muita gente que faz as releituras da história e vêem a Inconfidência como uma mentira, mas o dizem por opinões e conclusões infundadas antes de o fazerem pelos factos, o que torna uma tolice, uma grande tolice desacreditar por desacreditar como fazem. Deviam antes ler o "Romanceiro da Inconfidência" e aprenderem que os sonhos valem a vida porque dão sentido a ela, como bem sabiam aqueles que nos deram o nosso país, e por serem de todo coração justos e honestos é que não foram, bem como não são nunca, em vão.

quinta-feira, março 15, 2007

Dia da mulher

Passou-se há pouco o dia da mulher, dia 8 de março. Eu nunca gostei desse dia, não por a mulher não merecer, mas porque acho que é muito pouco um só. Nesse mesmo raciocínio, todos os outros são nossos, são dias do homem, o que serviria apenas para demonstrar um brutal machismo: 364 X 1.
Brincadeiras ocasionais à parte, o 8de março é homenagem às operárias americanas que, por protestarem por condições de trabalho e salário através de uma greve, foram trancadas, portas e também janelas, e queimadas vivas na própria fábrica onde dia a dia despendiam de 12 a 16 horas de labuta para ganharem o pão. Isso no longínquo ano de 1857.
Talvez aí o início de um processo que culminaria na revolução feminina dos anos 1960 e com o alcance de condições iguais entre os sexos.
À parte dessa história política toda, eu curto o dia da mulher porque ele representa o dia em que devemos lembrar com ainda mais carinho de todas as mulheres que fazem parte da nossa vida.
Como eu seria se nunca tivesse tido a candura da minha avó, ou a alegria da minha mãe, ou doçura e compreensão das minhas amigas e namoradas? Não seria o mesmo, com certeza, não sei se mais ou menos sensível ou doce, porque isso é da natureza humana, não de um gênero, mas sem elas eu certamente seria menos feliz, isso não há dúvida.
Alegrei-me da vez que beijei quem me amava de todo coração, e foi também inesquecível quando me abraçaram e choraram sem ter medo do que os outros poderiam pensar ou dizer. Foi a vida propriamente o olhar de amor infinito e dedicação que uma ou duas vezes eu pude ver nos olhos da mulher. É a lembrança que vem fazendo valer todos os sofrimentos o beijo na testa que sempre ganhei da avó por ser bom menino e por ter coragem. É propriamente a minha fé em Deus a certeza dela de que Jesus morreu na cruz para nos salvar e que assim vale respeitar a todos e tentar amar a todos. É propriamente a beleza do mundo o sorriso generoso e sempre jovem da minha mãe, é a semente de toda a minha rigorosa e clássica noção do belo.
Sem amor, sem carinho, sem fé, sem beleza, que triste e duro lugar seria o mundo... e mais, como viver sem o cheiro do cabelo delas, sem a maciez da pele, sem os olhos poderosíssimos a nos atirar torpedos, sem a infinita fragilidade que não deve nunca ser confundida com fraqueza? Impossível considerar.... mas por vezes é a abstinência que nos mostra mais claramente o valor das coisas, daí vale o exercício! Afinal, nem tão irreal assim é essa perspectiva, haja visto a quantidade de mulheres que querem ser homens no comportamento, o que é, para além de feio, muito triste.
Que não seja preciso ficarmos sem as belas, doces, amabilíssimas mulheres que nos fazem ser quem somos para só depois irmos chorar! É por isso que é sempre justo e necessário dar de volta às mulheres tudo que elas nos dão e em nada faltar-lhes, especialmente no amor e na confiança.
Mulheres do mundo: perseverem no carinho, na pureza e na doçura que orbita no seu mito que cá nos cantos perseveramos na crença de um mundo menos bruto, malicioso e hostil.

sábado, fevereiro 10, 2007

Vilania das vilanias

Há alguns anos, quando era membro ativo do meu capítulo, havia uma preocupação grande em formar os neófitos nos princípios da ordem, mais que tudo, alertá-los para as vicissitudes do mundo, dar-lhes armas não para se defenderem delas, mas para combaterem-nas e destruí-las.
Assim foi que, quando tive a felicidade de tomar posse como mestre-conselheiro, decidi instalar no capítulo um grupo de estudos da história templária e sua principiologia aplicada à Ordem De Molay. Isso porque os princípios da ordem, apesar de muito abrangentes e marcantes para formação de um rapazinho, deixam de fora princípios outros que são bons de serem aprendidos na tenra idade em que se toma paixão pelos ideais que vão dar o norte do resto da vida. Cabe a observação que isso aplica-se apenas aos cavalheiros, ou seja, quem se pauta pelo que acredita e assim se conduz, não aos hipócritas e demagogos do mundo, que vivem pela promoção da opressão e do medo.
Pois bem, dito isso, veio a escolha do nome, que pela tradição iniciática, deveria trazer a inspiração de seu propósito, 'corpo filosófico virtude suprema' pareceu excelente, não fosse o fato de que na nomenclatura maçônica o termo 'corpo filosófico' aplica-se a um de seus graus, o que nos evidentimente desconhecíamos. Azar o nosso, que não pudemos fazer o grupo de estudos funcionar com aquele nome, mas a parte da 'virtude suprema' foi uma grande lição na vida capitular de todos nós, isso porque a mais alta das virtudes para a liderança virtuosa é a humildade, a ausência do seu antônimo, o egoísmo.
Isso ensinou-nos a vida templária em muitos sentidos, quer pelo voto de pobreza dos monges, quer pela fé num ideal acima dos interesses particulares, mas principalmente pelo exemplo de lealdade e tolerância do último grão-mestre daquela ordem e patrono da nossa, Jacques de Molay.
É interessante notar que o amor filial, a reverência pelas coisas sagradas, a cortesia, o companheirismo, a fidelidade, a pureza e o patriotismo coroam uma vida juvenil limpa e honrada em direção à plenitude adulta, entretanto, é a humildade que freia as paixões da vaidade, é ela que nos lembra nossa condição de fragilidade e da relativadade das relações sociais.
Humildade para viver, essencialmente, na selva de indiferença e egoísmo em que vem se convertendo o nosso mundo. Humildade para celebrar, precisamente, a amizade pura, a finalidade maior da vida depois do encontro com Deus. Humildade para amar, incondicionalmente, quem com humildade nos ama, sem os mesquinhos interesses de outros sentimentos que podem se transvestir, mas que não são jamais o amor, ao mesmo tempo que são, certamente, inimigos de qualquer humildade. No amor, pela intensidade e importância que tem na vida, a intromissão do egoísmo é imensamente mais danosa que noutros sentimentos.
Grande vilão que é, o egoísmo se transveste nos ciúmes, na carência, no jogo de cenas, onde o que se quer do outro é alguém que nos dedique seu tempo e preocupações, alguém que nos diga como somos especiais e únicos, alguém que tenhamos orgulho de exibir como nosso, não pelo amor a ele, mas pelo que os outros vão pensar de nos virem com ele, alguém a quem não se queira dar nada, nem mesmo respeito, em paga por um amor incondicional. Desta maneira um amor impuro draga energias de quem nele crê por vezes anos a fio até que quem é vítima desse doentio comportamento, resolve libertar-se, fazer-se livre do castelo de ilusões que ele construiu associado a alguém que nada queria construir, mas sim usar. Esse sim o cancro do coração, aquele que faz alguém capaz de transfigurar de virtude o que é vício e para alimentá-lo levar consigo nesse jogo covarde os puros sentimentos dos outros.
Quem assim age, evidentemtne, nunca foi tocado pelo brilho de qualquer amizade, eis que acha-se melhor que os outros, eis que acredita-se acima e merecedor de alegrias mesmo que elas importem na desgraça alheia, pouco importa o que sentem os outros, pois o que vale é o seu umbigo, eis o centro do universo de gente assim... o quinhão ruim que alimentam com pus e mentiras e que é o grande responsável por essa gente ser privada de uma vida de paz e felicidade, sendo premiados com a triste companhia interesseira e fugaz de seus pares ou por fim com a solidão.
Aos neófitos dizíamos sempre para serem puros de pensamentos, palavras e ações, mas que não permitiessem que os fizessem de tolos, que a virtude do seu coração é que o levaria os outros a serem bons também, mas talvez não estivessem completamente protegidos à partir apenas dos ensimentos templários para combater quem lhes mente com sorrisos e um afecto tão traiçoeiros.
Em tudo é má a falta de humildade em quem tem outras virtudes, mas no amor é certamente a maior das crueldades, a vilania das vilanias.

quarta-feira, janeiro 31, 2007

Rever-te

A burocracia é uma coisa detestável, não há dúvida, essencialmente por sua faceta incoerente. Vejam, por exemplo, a falta de razão ao se ter que a transferência de prontuário da Carteira Nacional de Habilitação enquanto permissão seja impossível! O que vale a dizer que se a habilitação é por uma unidade da federação, só é possível tirar a CNH definitiva nessa mesma federação, pouco importando se o titular mudou-se, se foi ao estrangeiro, se arrebentou-se... a burocracia não tem sentimentos! Em respeito a burocracia estive em Vitória por uns dias.
Viagem adiada... repensada, tudo com muita indisposição pela imposição burocrática, não poderia nunca mensurar como estava errado quanto à validade da viagem.
Na manhã de um meio de semana, bem cedo, chegava de novo na ilha de Vitória, a mesma uma vez defendida por Maria Ortiz contra os holandeses com tanta coragem há quase 400 anos.
Pareceu-me tão linda a cidade naquele dia, tão cheia de luz, tão brutalmente diferente de Londres em todos os sentidos pela sua exuberante beleza, que me levou para 2 anos atrás, quando também eu partilhava daquilo. Já ali senti-me feliz sem nenhuma razão especial.
Fui apanhar documentos na minha antiga casa, e ouvi de novo o latido da cadelinha Pituxa da dona Maria do Carmo, de novo o sorriso da matrona para mim, um grito dos fundos, de uma conhecida e familiar voz aguda, era o Matias: "Afinal quem é vivo sempre aparece!", de novo a dona Ideíde com os olhos marejados, "Ah meu filho, que saudades imensas...!" ... foi fogo que voltasse movido em muito pela questão da CNH, mas dum instante para o outro aquilo ficou em segundo plano. Na boa casa da Praia do Canto, remanesciam as flores de açucena e o cheiro perene de Domingo fresco, uma brisa marinha chegava à varanda junto comigo, senti-me em casa ao rever o sorriso do meu querido Matias.
Parti para visitar os amigos e os lugares, para dizer de surpresa que queria uma cerveja no bar do Derlei, de novo os quiosques da praia de Camburi com um nome de mulher escrito na parede, de novo a ciclovia à beira-mar que eu tanto amei como amiga dos meus domingos de manhã, de novo a minha praia de Santa Helena, quieta e introspectivia em cada fragmento do laranja do seu mar de pôr-do-sol, de novo a Curva da Jurema e as rodas de samba do Dionicão, de novo o Jardim da Pena e a Enseada do Suá, de novo o campus da UFES, de novo o centro de Vitória e o Palácio Anchieta, de novo o porto e o Penedo, de novo o parque Moscoso e a Vila Rubim, de novo ao fundo o bom e velho Mestre Álvaro.
Que alegria inesperada poder rever quem nos ama e quem amamos, como quis e pude, que bom poder abraçar, poder dizer o que se pensa livremente e ser bem percebido e aceito... mesmo depois de tudo, mesmo depois de tanto tempo, como remanesce vivo e puro o que é verdadeiro, liberdade que se ganha pela compreensão e pelo respeito.
Como ao alcance da mão, aqui e ali e em todo canto, podia sentir de novo o rapaz que eu fui ali, através dessa gente tão boa do Espírito Santo e de novo visitar-me, relembrar-me, sorrir-me, finalmente.
Em três dias fica pronta a CNH definitiva, disse-me a senhorita que atende os titulares em troca de permissão. Já nem tinha tanta importância. Mais valeu a jornada em si do que o seu propósito - bendita burocracia.

quinta-feira, janeiro 11, 2007

Cá no coração do menino

Cheguei de volta ao meu país num dia quente de dezembro. Recebi o calor como um beijo de paixão e senti-me algo feliz depois de muito tempo. Revi os pais, os amigos queridos e os parentes... eles choraram e me abraçaram sorrindo e fiquei talvez um pouco constrangido... talvez desacostumado de ser amado.
Da janela do meu quarto, de novo a antiga e querida vista da Pereira do Vale e longe o rio Glória que enquanto menino eram o que eu conhecia, junto da doce certeza de que seria um novo país o que estaria além dessa minha pátria em miniatura.
Que imenso é o nosso mundo! Como são diferentes as pessoas, os costumes, as línguas! Como muda o gosto da cerveja de acordo com o país e como as moças tem diferentes maneiras de olhar e sorrir mesmo que insinuando sempre a mesma coisa!
Londres persevera na sua sina de pólo multicultural com destemor, mesmo sem contar mais com a minha prestimosa contribuição! De certeza, houve inquietação entre os turistas noruegueses e as garçonetes gregas do Soho, preocupação entre os colegas polacos de Ealing e os futebolistas ingleses aussies e argentinos do Queen's Park, grande ausência da alegria de viver entre os turcos jogadores de bilhar do Lancaster Hotel, choro convulsivo entre os queridos fellas brasucas e tugas de Kensal Rise e Maida Vale. Mas certamente outros virão e me substituirão com talento, de modo que em poucos meses (ai de mim! em semanas) já não haverá rastro na memória deles de que estive por lá. Já eu aqui não me esqueço de nada.
Assaltam-me as lembranças das longas e frias madrugadas, errando entre as ruas do centro da capital da Grã-Bretanha, procurando razão e motivo num céu sem estrelas e, entre os velhos prédios de pedras mudas aos apelos de que desaparecessem dali de repente, quanto fatalismo nos beijos lançados no ar e quantos cacos no chão dos caminhos que eu tomei! Já não se repetem as manhãs de nevoeiro em que eu me esforçava, indo de ônibus, trem, metrô... até finalmente alcançar o meu college e mais cedo nessas mesmas manhãs quando abria os olhos e do teto branco do quarto não me vinha nenhuma razão plausível, mas ainda assim eu continuava.
Também houve surpresinhas pequeninas que me deram uns sorrisos, como foi jantar a curiosa sopa de batatas, pimentão e pimenta do reino, além de outros condimentos misteriosos, carinhosamente preparada pela minha doce Katzia, sem saudades da grande mãe Rússia? Como não sentir falta de ouvir Andrew cantando Beatles com sotaque irlandês no banho e argumentando sobre a legitimidade do IRA com os olhos a brilhar? Ou do Milan convidando todo mundo para ir no estádio do Arsenal no fim de semana sem saber onde era? Ou das piadas muçulmanas do turco Yatek quando notava meus longos pensamentos indo a lugar nenhum? E quanto aos porres de cerveja e whisky em Piccadilly junto do meu querido amigo Pecoits? E por fim, já perto de voltar ao Brasil, a maravilhosa viagem pelo continente, até a Cracóvia e até o fundo revolto dos corações irremediavelmente apaixonados!
Cá no coração do menino, saudades de tudo de bom que ficou para trás.

quinta-feira, dezembro 28, 2006

Um mar sem termo

Vinicius escreveu o "soneto do amor como um rio" em 1959, em Montevideo. Na época, o poeta servia como 2º Secretário da Embaixada do Brasil no Uruguai e estava casado com sua 2ª esposa, Maria Lúcia Proença.
Ao contrário de muitos poemas de amor, Vinicius gostava muito desse, a ponto de incluí-lo na seleção de sua Antologia Poética de 1967, a primeira delas.
Eu também gosto muito do poema, que faz um jogo de imagens entre o amor e o fluxo de um rio, enquanto desliza macio, noturno e sem termo. Precisamente, um sentimento a fluir de um para o outro, mas que se sublima nessa travessia e não no que cada um recebe de amor do outro... e como um rio, embora tenha águas diferentes, é sempre o mesmo rio.
É bonito também porque faz lembrar outros poemas com convições semelhantes, mas de outras épocas, como o "soneto do maior amor", composto em Oxford, em 1938, quase 20 anos antes, quando estava preocupado em estudar literatura e sentir saudades de Beatriz de Mello, a Tati, com quem se casaria por procuração mais tarde.
O terceto mais pessoal e mais delicado que o poeta escreveu é o primeiro deste soneto: "Louco amor meu, que quando toca, fere/ E quando fere vibra, mas prefere / Ferir a fenecer – e vive a esmo".
A decisão firme sobre os sentimentos não é só pela paixão, é por se tratar de uma fé, algo que não se abre mão com sorrisos... algo caro demais.
O "soneto de fidelidade", escrito na mesma época, mas já depois do encontro com Tati, também serve para afirmar as convicções deste mesmo ideal, como toda uma certidão do que se trata amar e venerar o amor: "E em seu louvor hei de espalhar meu canto/ E rir meu riso e derramar meu pranto/ Ao seu pesar ou seu contentamento" e este esforço porque afinal, poderá dizer do amor que teve que foi mais intenso e mais alto que tudo, que tudo valeu e tudo venceu, pois incorporava a própria fé na vida, seu sentido e beleza maiores.
Entre o "soneto do amor como um rio" e estes sonetos do maior amor e de fidelidade, quase 20 anos e um mesmo, irresoluto coração, à parte de tanta coisa que poderia ter mudado num homem nesse tempo.
O poeta acreditava nessa verdade, na de que não havia outra escolha possível que não a de viver sinceramente e intensamente, passou a vida perseguindo o ápice do sentimento, a crista dourada de uma paixão sem termo, infelizmente sem um sucesso matemático, digamos, mas evidentemente pleno de sentido na vida que teve, tendo amado muito e tendo sido muitíssimo amado.
Contra a verdade de que tudo que se ama morre, há que vencer a fé de que não morre nunca o que nos faz vivos, que acaba por ser nossas próprias convicções.
Eis a árdua missão do poeta, lembrar sempre ao seu leitor de se orgulhar, de defender e mais que tudo de acreditar nos próprios sentimentos de amor além de todos os quinhões ruins do mundo.

segunda-feira, dezembro 04, 2006

Num bar com Rodrigo Amarante e Jack Black

Acho o Rodrigo Amarante muito parecido com o ator americano Jack Black! E a semelhanca nao se restringe aos olhos muito separados no rosto, ou das expressoes de doido que os dois gostam de fazer... fisicamente semelhantes, acho ambos muito honestos com si mesmos.
O Rodrigo tocando e cantando sentimental lembra Jack Black no 'O amor e' cego', o Amarante de sentimental e' o Jack Black em 'King Kong', partindo pra ultramar no seu 'Venture', delirando de paixao, e como nao ver o amor do Rodrigo no professor encarnado pelo ator americando em 'Escola de Rock'?
Gosto sobretudo da maneira de olhar deles. Do fundo do coracao que juntava com prazer os dois numa mesa de bar pra tomar uma cerveja e provocar aquelas caras de estranheza com o mundo, alguns casos de fas neuroticas, vestidos rasgados, serpentinas e tortas de maca... isso para as primeiras horas, porque nas ultimas, e' possivel que sobrassem muitos sorrisos dos que conhecem bem o fundo das garrafas que ganham os olhares que foram pras namoradas, as partidas de buraco que fazem a noite com o copo de whisky parecer um servico sem a responsabilidade com o resultado, o amor transcendente que perdoa e compreende, dificil de achar como o e' a complacencia do credor que (por alguma intervencao divina) da' credito a quem tem um sonho mas nao tem mais muita coisa para garantir o emprestimo.
Com aquela maneira maluca de olhar, nao e' possivel que os dois nao comunguem da carencia infinita de amor que os liga, a tantos outros que nao tiveram medo de parecer tolos e demonstraram os proprios sentimentos com confianca e um orgulho meritorio. Talvez assim a arte possa fazer por merecer o nome, quando e' executada com o coracao aberto, sem maneirismos nem fotos para publicidade, so' a intencao de demonstrar o belo por alguma via... a musica, o cinema e tambem a poesia, pobrezinha! Por que nao?! Afinal ela esta' em tudo e nao e' vista, como os dois artistas em questao sabem bem!
E' de fazer ranger os dentes as imagens poeticas do Amarante no ultimo disco dos Los Hermanos, e' dificil entender como alguem sobrevive aquelas coisas pra escrever e gravar e depois dizer que fez tudo em um mes porque era o caso de se ter um disco novo. Acho dificil composicoes como 'Os passaros' e 'Condicional' serem esquecidas.
E' de enternecer o coracao a maneira simples do Jack Black fazer rir, transportando para esse cinema pobre de talento e de inventividade um frescor de inteligencia nos gestos, nos sorrisos, num deboche algo que nunca ofensivo mas sempre muito claro e como nao torcer para azarrao, afinal, o sr. Black e' um gordinho que posa de gala nos filmes! E' o anti-heroi americano do padrao de beleza e mesmo inteligencia, e ainda assim e' amado...
No ultimo gole, um abraco camarada e a satisfacao de ter partilhado as primeiras horas de um novo dia, dado enfim olhares sedutores as estrelas matutinas, em companhia de dois amigos que eu nunca encontrei, mas que sao honestos com si mesmos e magnetizam a vida com um paixao incrivel: o suficiente para terem o meu respeito.
'A saude dos dois!

quarta-feira, novembro 29, 2006

Dos abismos do infinito

Pudera eu novamente olhar nos olhos que me deram amor verdadeiro e retribuir-lhes igual ternura e sinceridade. O instante passou. Seguiu-se um novo dia. Minha alma e o meu corpo amanheceram diferentes, mas eu guardei na lembranca o remorso de nao ter sido capaz de atingir-lhes em igual proporcao... ferira quem me dera a mao!
Num reverso das fortunas, amei muito em vao! Acreditando dar em paga o que antes tinha sido ingrato em reconhecer, elevei demais pequenas figuras... que tortuosa aventura querer acreditar em quem nos mente!
Sei que nunca segui do mesmo jeito. Nao somos nunca os mesmos... Ca' no peito um coracao reservado e tantas vezes rigido e cruel amolece com a singeleza que escapa das coisas... ainda amo a natureza e a humildade, a gentileza e a simplicidade das coisas, alem e' claro de umas pessoinhas lindas desse mundo, que gostam de mel de abelha, que me preparam frango com quiabo, que me viram dar-lhes raminhos de samambaia pretendendo que fossem flores!
Quisera eu poder ditar os valores do mundo! Para mim vale o amor... e o resto que lhe tome a trilha! Mas temos as contas e os impostos, os automoveis e a posicao social... temos tanta coisa que nos garante reconhecimento, felicidade... que o amor sobra a possibilidade de se encaixar nisso tudo, ou nao! Mas subjugar a fe' e' uma coisa arriscada demais e eu nao vou por esse caminho.
Tenho um carinho incondicional pela simplicidade dos gestos... deixar-se deitar de lado para ver TV, com a almofada embaixo da cabeca e a frente a expressao de um rostinho algo curioso e a esperar, numa discricao tao grande quanto a minha, mas muito mais simples que os labirintos caprichosos do meu pensamento. Amiga, incondicional melhor amiga, como o teu nome se levanta covardemente torturante nesses dias! Como me e' sofrida a lembranca do seu vulto a ir-se sempre para o Instituto de Ciencias Biologicas... e o carro dos teus pais dirigido pela tua mae a rumar para a saida sul do campus e eu a mirar anonimamente a cena toda, de longe. Tarde miseravel.
Os olhinhos da namorada, na tarde em que me surpreenderam, plenos de amor, pareceram bonitinhos, simplesmente, aquele olhar que tinha ganhado... Deus do ceu, se eu pudesse entender que o resto da vida era a busca sedenta daqueles olhos, a carencia perene de lhes dar de volta um coracao valoroso... valeria a morte naquele instante, porque nada pode ter maior valor no mundo, nada pode ser tao alto ou tao bonito, quanto olhar em paz e cumplicidade, na serenidade de se saber amado, quem se ama. E do contrario, nada mais tolo que acha-lo bonitinho, simplesmente.

terça-feira, outubro 24, 2006

Food for thought

Something beyond a thick fog and the Kensal Green tube station just made this morning interesting: a 10ton lorry, full of bricks, just came very fast down street from nowhere to prove I shouldn't victimize life so soon.
From the word go, or better, from the word "don't die now, man!", I turned down the radio, shutting up the amuzed BBC 4 Good Morning, the main reason for I didn't notice the lorry. Waiting for the bus during 5 minutes was time enough to consider how fragile life is and how much time we waste doing duties usually nonsense, but always practical for living in our way.
People normaly avoid talking about that and it's very difficult to have a nice and healthy debate and it's because it's easier just consider it's all right people dying of starvation, or children without future because the parents don't care about them, or rapes and crimes... daly lies and flatering smiles... most of the people think it is just on the newspapers and it's a pleasure to continue with an empty life.
It is a crime forgetting the one's life for convinience and, maybe worse than that, is bring other people inside the one's vicious circle of mediocrity with a fancy speech, carefully planned to be taken as possible and atractive.
Like in a game, there are always a target to reach and someone to fight against, competing for the glory of recognition of the talent. In the end, we want to be loved, but none want to beg for love, except who loves back deeply, but these people don't play, they live.
Unfortunatelly, life is not so easy as a game. Deceiving and telling lies seems to be simple, but nothing is more effective to who intend an unsteady life than adopting this behavior.
At the moment you understand life if very, very short and there's no time to waste with this depressing and childish mentality, you finaly will be able to understand people and respect their feelings.
Maybe if the conscient people organize protest in Trafalgar Square, with placards of "Out with the fear of think and feel!", and some naked dwarfs to attract the media, we could have some hope, or at least some laughs. So, let me pretend and laugh! It's all an endless comedy but always with the same old disgusting joke.
After all, it's a question of to be awake when the lorries are coming down the street.

quarta-feira, outubro 18, 2006

Gazing into nowhere

The streets of Soho and Picadilly are always crowed at the afternoons and nights, specially in the weekends. People from almost every part of the globe mixed in a struggling walking block smile excited around the lights of Piccadilly Circus.
There was I at near Dean Street when I saw a teenager walking dow Shaftsbury Avenue hugged with an older women, who was probably her mother; just behind them a mature man and a kid, maybe the rest of the family. Like all the turists in that Saturday afternoon, they were taking a walk for that amazing area, but surprisingly I noticed an expression in the eyes of that girl: far from that noised place, she gazed into nowhere. Usually we can find among many crazy people the same way of looking at the horizon... so, it was not just about gazing, it was about gazing with an absolute calm suffering.
After she passed by me, I took that image into my thoughts trying to get a logical meaning for that sad eyes, so I remembered sometimes I gaze into my window thinking about what is the sense of nonsense lives and often is easy to became a little depressed.
Even a beautiful Saturday afternoon, at an exciting place, is not good enough to take my deep thoughts away, and being blind to other things is an innocent strategy to see the answers we strive to find, many times, unusefully.

sexta-feira, setembro 22, 2006

Toiros e furcados

Em muitos paises as touradas sao consideradas como crimes contra os animais, pelo sofrimento a que os touros sao submetidos, em algumas situacoes sendo mortos na arena. Em Espanha ainda se permite esse desfecho, mas em Portugal eles levam o animal para o estabulo da arena e la' o sacrificam, enfim, ja' acabou o espetaculo.
A parte das touradas em que os cavaleiros espetam-lhe as costas, ou os toureiros o fazem de tolo com o manto vermelho ou rosado, nao e' a mais emocionante... bem, quando o toiro enfim tem a sorte de apanhar o toureiro ou o cavaleiro espeta numa ma' hora e leva a investida, bem, dai' fica mais divertido. Quando nao, e' sempre o imperio da inteligencia contra a brutalidade e a furia, da mesma maneira que na vida.
Da arquibancada da arena ve-se um touro, ou toiro, como preferirem, com farpas espetadas as costas por cavaleiros que repeliram seu avanco e fugiram. O pelo preto vai manchado de vermelho de seu sangue a escorrer da cacunda ferida, um pavao macabro feito a uma suposta valentia de enfrentar um animal enfurecido, mas que nesse estagio, ja' esta' muito fragil em sua furia, mas sem desacredita-la, pois inocente da morte certa.
Enfileiram-se a sua frente cerca de 10 homenzinhos que tem a responsabilidade de agarrar o bicho a unha, os furcados. O primeiro deles leva o maior impacto, geralmente e' gravemente ferido, com consequencias imprevisiveis... os outros lancam-se por cima, quando a besta ja' esta' a frear.
O primeiro furcado deve convocar o toiro a avancar, chamando-o com uma pose tipica, com as maozinhas 'a cintura o pe' direito 'a frente, numa marcha de encontro a um destino que ele nao tem medo de descobrir qual sera'. Por vezes, leva uma cabecada tao forte que seu corpo voa longe... e vem os toureiros para distrair o toiro... mas logo enfileram-se de novo, para garantir que o animal nao vai escapar 'a morte. Ele bate forte, mas e' fatalmente dominado. Os furcados cumprem a missao.
Depois disso, vem outras bois para compor com o toiro um rebanho que vai todo para dentro, e' uma maneira de conduzi-lo sem mais delongas ou acidentes.
E' facil dizer que touradas sao crueis e tudo mais... mas sao uteis para demonstrar a propria dinamica da vida, esse sim o proposito maior do esporte. O touro avanca, porque obedece 'a sua natureza, e o cavaleiro fere-lhe a cacunda para mostrar-lhe quem e' mais poderoso, tambem a obedecer a sua natureza. Um so' e' mais inteligente que o outro, por isso o domina e, literalmente, mata. A paixao que os envolve e' parecida, embora num seja cega e na outra direcionada...
Ainda aqui fico com os toiros, parece-me mais honesto morrer pelo que se e' do que viver para enganar.

quinta-feira, agosto 31, 2006

Deixa o verao pra mais tarde

Comprei um vinho italiano ontem que trazia no rotulo uma mulher nua, com formas muito redondas e que me fez lembrar aquelas pinturas renascentistas que quando vemos da primeira vez achamos feias, mas que depois mostram-se cheias de sentido de beleza! O vinho em si nao era bom, mas o rotulo... valeu a garrafa!
A beleza mora nas coisas bizarras, num rotulo de vinho barato, num sorriso desinteressado de um estranho, na manha subitamente ensolarada, na lembranca cheia de paciencia das pessoas que amamos e que nos amam, verdadeiramente.
"Ouvir na madrugada passos que se perdem sem memoria", cativar o proprio coracao com gentilezas habituais dos anonimos, admirar um passaro e uma torre de igreja, na ludica pretensao de o tempo pode mesmo passar mais rapido e enfim toda essa beleza possa servir para desmagnetizar a ansiedade de nao querer esperar.
Nesse meio tempo, em que a beleza vem em doses assustadoramente desmedidas e das formas mais inusitadas, passo apressadamente os dedos nas paginas do meus livros de cabeceira, tentando lembrar do que vem escrito neles, sobre a beleza que eu aprendi um dia a amar de todo coracao. Mas acho que os autores nao tomaram do mesmo vinho que eu e nem tampouco viram as torres de igreja, os passaros e os fins de tarde da Inglaterra.
Sob o ponto de vista que for, entretanto, nem tudo e' belo. Ha' terriveis poses de sensualidade nas estacoes do metro, e as casas vitorianas estao carregadas de uma tristeza tao intensa que ficam assustadoramente feias, sem contar o fato de que sao todas indenticas... Detalhes infimos que em nada prejudicam a primeira impressao.
Vi um mendigo dormindo no jardim do National Galery, que ficava rindo dos turistas que davam pao pros pombos. Sujeito de sorte: levantava a cabeca e tinha aos pes a Trafalgar Square e ao fundo um dourado Big Ben, sem duvida, o mais belo quarto do mundo, ainda que fugaz e um tanto frio, como toda ambicao humana.

sábado, agosto 26, 2006

Gota de Bile

Numa noite de sexta-feira Roberto e eu, alem de outros amigos, fomos a uma adega muito animada, chamada "Adega da Mina".
Fraternalmente embuidos da certeza de que a unica bebida alcoolica permitida a um bom cristao era o vinho, abusamos dessa conviccao e por umas seguidas 6 horas fomos esvaziando os galoes, e em seguida as bexigas, para no mesmo passo enchermos a vida com alegres gargalhadas.
Juiz de Fora, inglesa no apelido de "Manchester Mineira", aproxima-se de Londres no tempo, que aqui tambem muda muito, nas palavras do meu colega turco, "the weather here is very change-abe"! Em Juiz de Fora temos 4 estacoes num dia, como aqui, mas a mudanca e' sempre gradual ao longo da jornada e o verao dura realmente 3 meses e nao 3 semanas!
Inesquecivel memoria, hoje tao saudosa, de quando junto dos bons amigos eramos estudantes sonhando com carreiras brilhantes e reconhecimento, orgulhosos das nossas origens e estirpe, tinhamos muito mais a oferecer do que a pedir, assim, brindavamos. Curiosamente, a humildade da casa, a qualidade do vinho e mesmo o duvidoso estado de limpeza dos copos em nada diminuia o nosso orgulho, afinal, estar entre homens brilhantes nos faz sentir tambem brilhantes, mesmo que de fato sejamos ordinariamente ordinarios.
Adoraria ter o Roberto ao meu lado para discutirmos com os imigrantes franceses daqui, sem duvida as pessoas mais bem orientadas em termos de assimilacao do modo de vida britanico sem com isso perder nada de si mesmos, na adoravel conviccao de que ao tratar com um ingles tao a tratar com uma crianca indocil e que precisa de cuidados especiais. Evidentemente exageram, embora toda nao de todo sem razao!
Afinal as adegas daqui nao me lembram em nada as que eu frequentei, como a da Mina, porque simplesmente o que ha' para valer sao bares tipicos, cheio de gente se embebedando com a cerveja daqui, ou com gim, tambem popular.
Daquela vez, quando acordei depois de ter tomado algo como 2 litros de vinho "Cancao", premiei o corredor da casa do Roberto com uma uniforme e acre linha de bile, na sua bela coloracao amarela, antes de me deitar olhando atonito o teto branco da sala de estar, convicto de que a vida nao seira jamais como aquela boa sensacao de nao colaborar com as coisas praticas, e com os amigos, discursar embriagado sobre algum segredo de amor.

quarta-feira, agosto 16, 2006

Quando eu te encarei frente a frente

Quando os turcos tomaram Constantinopla disseram que era uma grande cabeca sem corpo, pela decadencia do Imperio Bizantino, reduzido aquela bela cidade. Olhando Londres hoje, cheia de imigrantes, e' como olhar um corpo sendo preenchido, e' como ver uma cabeca que se levanta.
Gente do mundo todo tem certeza que e' possivel ser feliz aqui. Refugiados de guerra, gente das ex-colonias inglesas, europeus de regioes mais pobres, latinoamericanos e de mais lugares onde a mente lembrar, tantos e tao variados sao os imigrantes. Todos razoavelmente tenazes. Os ingleses quase se encolhem, mas no fim sao os que mais se beneficiam, afinal, era caro pagar 12 libras por hora para um compatriota limpar a cozinha do restaurante, um polones faz por ate' 1/3 desse salario. Doutro lado, nao ligam nenhuma de ver sua cidade invadida, tendo suas feicoes alteradas, ouvindo linguas estrangeiras para todo canto, o que e' incrivel.
A cidade mantem sua beleza alheia aos invasores, aos herdeiros displicentes, serve a todos seu natural orgulho da gente que construiu isso e morreu e ai' um nome aparece mais alto que os outros e esta' estrito em todas as placas e esse nome e' Queen Victoria. Imagine uma mulher que foi senhora do maior imperio do mundo em seu apogeu, onde dizia-se que o sol nunca se punha e que se esforcava para esmagar o orgulho dos conolizados ao mesmo tempo em que lhes tomava as riquezas para nesta ilha erguer 50 mil casas vitorianas para os operarios, todas identicas, ou uma torre que sustinha a unica ponte do mundo de entao que se suspendia para os navios passassem. Outros tempos.
A 2ª Guerra Mundial deixou aqui marcas, diga-se: fez esse pais aliado incondicional dos Estados Unidos e seu apoiador incondicional, o que, de certo, ja o fez menos ingles, mas garantiu a continuidade de sua riqueza, o que de certo era o que nao podia prescindir absolutamente.
Todas as manhas e tambem no fim das tardes ouve-se os corvos. Seu voo e' feio e sua postura e' a de quem espera a morte. Imagino o que as geracoes seguidas deles pensam do que se passa com o pais que sempre viram tao energico e que agora parece ser o objeto de seu curioso zelo. Afinal, eles e tambem eu nos perguntamos: para onde isso aqui vai?
Certamente permanecera' orgulhoso das suas cidades herdadas, mas do que valera' essa reverencia esquecida das suas fundacoes originais eu nao imagino.

terça-feira, junho 13, 2006

Minha vida é esta: subir Bahia, descer Floresta

Quem conhece Belo Horizonte conhece o famoso adágio de Rômulo Paes, cronista mineiro, que foi consagrado pelo gosto popular pela sua riminha: "minha vida é esta: subir Bahia, descer Floresta". A "Bahia" no caso é a Rua da Bahia, que corta o centro e dá acesso ao centro sul para a região da Praça da Liberdade. A "Floresta" em questão não tem feras nem mata fechada, mas até que se encontram umas árvores, pois é um belo e tradicional bairro belorizontino, devidamente arborizado.
No entroncamento da rua da Bahia com a rua dos Guajajaras, próximo ao final da Avenida Álvares Cabral, temos o belo momumento que traz o adágio.
Ao povo belorizontino, Vianinha e eu bebemos uma cerveja na tabacaria do edifício Rotary, bem pertinho do referido sítio.
Vianinha, que comigo dividiu os bancos do colégio, acha que o povo daqui tem um mineirismo moderno, como que se fossem patentemente cosmopolitas, mas sem nunca se esquecerem que nasceram na antiga "Curral del Rey". No modo de falar, é engraçada a maneira como não pronunciam o "n" dos gerúndios, tanto mais a proximidade e intimidade da sua voz se falam rápido relatando qualquer coisa.
A boa gente desta capital é composta de gente de todo lado, mas aqui os que estavam no início fizeram valer seu modo de ser e de falar. Vianinha, que agora tirou diploma pela Universidade de Ouro Preto, conhece bem como é diferente a moda daqui para a da cidade histórica, que muitas vezes tem falar mais elegante, uma doçura ainda mais reservada, com seus sorrisos jamais precipitados. Mas prefere Belo Horizonte!
Vianinha e eu não somos daqui, mas do sudeste mineiro, região com influência cultural forte do Rio de Janeiro, pela proximidade geográfica inclusive, mas sempre Minas Gerais.
Aprendemos desde cedo que Juiz de Fora é que era a capital de fato do nosso estado, pois supostamente mais culta, mais histórica e mais metropolitana, nisso fomos em muito instruídos no tradicional rivalismo com a capital de direito. Mas Belo Horizonte tem suas qualidades! Já vi o Clube Atlético Mineiro ter esperanças em vão, já vi a juventude da zona sul encantada de si mesma na praça Diogo de Vasconcelos, na Savassi, já vi Fernando Sabino e Carlos Drummond proseando depois da morte na Praça da Liberdade e namoradinhos colados no gramado do parque municipal no domingo de sol, mais que tudo e já há algum tempo, vi um belo horizonte da Raja Gabaglia. Cidade generosa que reúne a nós mineiros.
Assim como minha amizade com a querida Patrícia Godefroid, foi aqui na capital que retomei e vi plena como dantes minha amizade com o querido Vianinha, depois também de muitos anos. Despeço-me de todo rivalismo e dou graças ao fato daqui ter cultura vibrante, cursos em todos os graus, sedes nacionais de pujantes sociedades empresárias que fatalmente tomam os nossos serviços de advocacia. Patrícia veio estudar, Vianinha se especializar, já eu vim para encontrar-me com eles e para não ficar muito ocioso, resolvi trabalhar.

sexta-feira, maio 05, 2006

Casar na Igreja do Pilar

Se formos pelas verdades simples, o casamento é a celebração da união de quem se ama. Como se casa, se há festa ou não, onde se casa teria uma importância secundária. Entretanto, não é bem assim, principalmente quando estamos falando das igrejas de Ouro Preto.
A fachada da igreja do Pilar não se coloca tão imponente como a igreja de São Francisco de Assis. De fato, está no nível do chão, no nível em que as pessoas andam, desbotada pelas intempéries, pedindo uma mão de tinta... Apesar disso, foi ali que descobriu-se o primeiro veio de ouro, apesar disso, tem um altar que reluz riqueza e afirmação, apesar disso, é casa de muitos corações.
A contrapor a formalidade e a tradição, imaginei, muito por sugestão de Patrícia, evidentemente, um casamento alternativo ao que se vem fazendo por lá:
Tomemos então, a sugestão de um ritual especial para essa igreja especial: entra a noiva desfilando um vestido algo lilás (contribuição minha), mangas tricolores em azul, vermelho e verde, e mangas curtas, diga-se de passagem! Com presilhas muito bem ajustadas aos braços. A barra do vestido deve vir ao chão e deve ser suspensa pelas mãos, a fim de que se possa ver os pés, devidamente nus, sim, descalços, sem nada a fazer-lhes limite, que não o próprio chão da Igreja do Pilar.
No cabelo, nada de arranjos arquitetônicos. Mais que tudo no penteado fica bem a simplicidade, daí os cabelos soltos, alinhados apenas para compor a noiva com mais harmonia. Para coroá-la, nada de tiaras de brilhantes... fica melhor uma coroa de flores pequenas, flores do mato, uns alecrins, algo ouropretano para mostrar que a flor de noiva que se casa também floresceu naquela cidade.
A marcha é então o próximo movimento nesse ritual: aqui entram as serpentinas de várias cores, e não as cinzas e brancas... pois essas lembram festas de alegria obrigatória... serpentinas vermelhas, azuis, amarelas, até roxas, quem sabe? Todas a cortar a igreja de norte a sul, de leste a oeste, a unir toda aquela gente surpresa (espera-se) na intenção de demonstrar o que me parece ser a alegria do amor, era um símbolo bastante bom por esse ponto de vista.
No altar, encontram-se os noivos, miram-se e de frente para o padre e os padrinhos, juram tudo e prometem tudo quanto lhes coloca à frente para jurar e prometer, fica a aqui a beleza por conta da sinceridade desses votos, infinitamente sinceros.
Trocadas alianças, nada mais há que um beijinho comportado, afinal o objetivo não é escandalizar, mas sim evocar o significado real que deveria ter a cerimônia, seguido da marcha de saída, já agora os noivos juntos, com as mãozinhas dadas, cúmplices no sentimento, ansiosos das conseqüências de sua coragem, o sentimento que enobrece.
Na porta da Igreja do Pilar, à rua onde passam as pessoas que vão à praça ao lado, por onde passam os que vão à praça Tiradentes, noivinhos coloridos de amor recebendo os cumprimentos efusivos e os votos de felicidade dos privilegiados que puderam assistir a fantástica cerimônia, pais estupefatos, nas no fundo muito orgulhosos, e é claro, uma legítima noite outonal da velha cidade, com a lua consideravelmente crescente às esperanças de seguir por toda a vida como naquele instante seguiu-se o coração.

domingo, abril 16, 2006

Uma sexta-feira santa

Encontrei a avó para seu aniversário de 69 anos numa sexta-feira da paixão. Com as faces bem rosadas e sempre risonha, sorriu para mim o grande sorriso que há tanto esperava ver. Estava feliz, estávamos todos, mamãe, as tias e primos.
Ficou preocupada com a minha garganta, mais uma vez, muito inflamada. Fiquei sentido de dar-lhe mais essa preocupação e menti, dizendo que já estava muito melhor e mais bem disposto, do que ganhei um olhar de reprovação da minha mãe, mas vovó sabia que estava falando para agradá-la e sorriu de novo.
Dei-lhe de presente uma lembrança de Araxá, que tinha visitado há umas semanas, um carro-de-bois pequenino, 13cm de altura por 25cm de comprimento, idêntico ao que está no quintal da casa de dona Beja, com as rodas com pregas e o engate da gangalha, tudo bonitinho como manda a tradição. Ela gostou, mas acho que meus priminhos que moram lá perto dela vão destroçar o mimo rapidamente, uns diabinhos, mas não muito piores do que os netos mais velhos à sua época. Meu avó gostou do presente disse que já tinha tido um, achei que era brincadeira, mas vi que ele examinava com muito cuidado a pequena réplica. Da parte da minha avó, foi bom presente, mais que a pecinha simples em si, ela curtiu mesmo que tivesse me lembrado dela, mas como não? Disse que era para ela não esquecer de mim e também ela disse o seu "como não?".
Almoçamos e eu brinquei com a minha tia que espera o primeiro filhinho. A vovó tinha feito questão que levasse Aparecida no nome se fosse mulher, assim como levou no nome a minha tia, mas para sua decepção vai nascer um meninão, segundo o exame de ultrassom, será batizado Bruno, segundo a vontade da mãe. Vovó riu de novo. Foi pena que já não aguentava ficar lá entre eles, depois do almoço a febre bateu forte e fui me deitar, dormi umas horinhas.
Que loucos são os sonhos que se tem depois do almoço, mas não suspeitava que eram ainda mais delirantes quando se está com febre! Tão loucos que não valem o registro, basta mencinar que havia bezerrinhos pequenos, vinho caseiro, mamadeiras e banquete com bacalhou à Gomes Sá.
Acordei duas horas depois, achando muita graça daquela bobagem toda. Minha mãe já se preparava para ir, nem tive tempo de conversar com minha avó, mas tive a impressão de que iria revê-la logo, será?
Apanhei umas frutas de seu pomar para a medicina caseira contra sinusite e amidalite, não custava nada tentar, afinal fazia seu gosto também. Os priminhos foram ajudar a colher.
Já ardia menos a garganta, a respiração era livre e a testa nem estava quente quando acenei no carro para ela e desejei feliz aniversário antes de partir e foi ali que ela sorriu desta nova última vez.

sexta-feira, março 31, 2006

Uma moça mira o mar

À beira do mar chega uma brisa que muito viajou antes de encontrar o continente, foram milhas e milhas onde a pressão atmosférica fez o ar mover-se a uma tal velocidade e sem nenhum obstáculo, que enfim encontrou o continente encorpado de sal, umidecido pela água, bem disposto para inspirar.

Olhar o mar... ver que a imensidão não tem limite, que o limite o mundo é que tem, na fronteira da curvatura da terra. Mas os olhos não se detêm às fronteiras, vêem além.

Como se houvesse uma torre imensa à beira do mar, no topo da qual fosse possível ver todos os reinos do mundo, insistem os olhos em perseguir o horizonte de onde segue oculto o mar.

Pois digo que não há horizonte mais bonito.

Vivamente me lembro de uma vista no campus da Universidade Federal de Juiz de Fora onde era possível contemplar um horizonte aberto. Ficava na praça cívica, próximo à Biblioteca Central, um grande vão aberto onde não se intrometia montanha nenhuma, nem prédio nenhum, era apenas um largo rebaixado de bosque com o lago do campus no fundo e mais abaixo, há uns 3 quilômetros, a cidade de Juiz de Fora. O sol se põe bem à frente de quem admira a paisagem, de modo que a linha da cidade fica dourada e com pigmentos alaranjados as folhas das árvores e o lago.

Ao fim do dia, via-se o pôr-do-sol mais bonito do mundo acadêmico, engrandecido pelo fato de que quem vive nas montanhas não tem horizontes abertos: há sempre algo à frente para interromper a vista, como se vivéssemos numa liberdade cercada, além de tardia.

Era ali que o coração liqüidava as mesquinhas preocupações e um bom vento livre, vindo talvez do litoral, soprava os cabelos, esfriava o corpo e convidava a um café na cantina da biblioteca. Havia filosofia demais para aquela vista.

Considerávamos, eu e os demais miradores, que valia morrer olhando para algo assim, que se fosse para ter fixada na alma uma última lembrança da vida, eternamente cristalizada, que fosse uma como aquela boa vista.

Não fosse a morte o argumento preferido dos poetas fatalistas, não fosse o morrer a mirar o mar a final sutileza da balada da Moça do Miramar, de entristecida poesia com essa mesma figura de linguagem, teria entre os meus sentimentos o desejo dessa morte, evidentemente secreto. Mas não é exatamente assim comigo.

Do fundo do coração, sei de uma coisa: meu último olhar não será para um livre horizonte sem fim, onde supostamente significaria ver liberdade, ou onde questionaria a metafísica do mundo... Será para dentro dos olhos do meu amor, donde colherei minha gota de transbordo da coragem, minha bandeira altaneira da esperança, minha alegria perene.

Não preciso estar em lugar nenhum para ver o infinito, senão perto deles, pois tenho nestes olhos o meu mar.

quarta-feira, março 29, 2006

Leve balanço

Vi Belo Horizonte pequena a desaparecer atrás de mim de dentro de um avião de élices: pequenino e bastante barulhento, mas que nas curvas fazia um leve balanço e cessava de tremer tanto.
Não supunha que houvesse linha aérea entre Belo Horizonte e outras cidades assim tão próximas, mas a prosperidade do Triângulo Mineiro fez sugir essa escala ao destino chamado Uberlândia, enquanto a nossa Manchester mineira, Juiz de Fora, continua com uma única linha regular para São Paulo: saudade do tempo em que era pioneira, pois agora há estudantes de mais e dinheiro de menos!
Nunca tinha vindo a Araxá, aqui tudo é muito plano e as ruas em geral bem largas: uma satisfação para quem está acostumado a ladeiras e curvas bem fechadas. É a terra de "Dona Beja" do Grande Hotel de águas termais, mas atraiu-me para cá o serviço: amanhã há uma audiência, a colhida de um testemunho.
Aterrissei distraído quando do avião tive um encontro quase aéreo, mesmo sem acreditar logo de início. Talvez pelo whisky servido à bordo, talvez pela docuça de curvar àquela velocidade e altura, desvencilhei-me do cinto aparentemente inútil num acidente aéreo, e encontrei em pleno vôo, desta vez sem élices barulhentas, mas de braços abertos e em frente a um horizonte lindo e aberto, um passarinho.
Desencantado de sua própria liberdade, planava bem longe, rumava a um destino desimportante e perseguido por puro instinto, rezava secretamente afeto, fomentava dentre as asas ensebadas amor, dava de comer no biquinho. Enfim sorri, depois de tantos dias tristes, meu melhor e mais franco sorriso para aquela desenvoltura nas acrobacias.
O que fazia esse bicho em Araxá, meu Deus? Não sei. Mas está por aqui. Eu que já o vi tantas vezes e conheço tão bem a sua natureza, eu que de um bicho desses fui companheiro e dono por longos anos, senti o peito espremer angústia, a garganta apertar sozinha e os olhos marejarem...
Voou depois para um lugar impercebido, sem dar um pio, sem qualquer sinal maior. Mas esteve aqui perto de mim, disse-me o seu "olá" e tão lindo fez-me lembrar de si com todo mérito que fazem por merecer os pássaros, criaturinhas muito livres e muito objetivas nos seus propósitos e alguns deles, como esse amiguinho, gloriosamente leal, desgraçadamente inesquecível.
Queria ter um bico como o dele, asas coloridas como as dele, queria mesmo era voar como ele quando fosse voltar para casa... mas não sou passarinho, vôo em aviões de élices, por vezes melancolicamente deselegantes.

segunda-feira, março 27, 2006

Minha crônica favorita

Susana, flor de agosto

A redação seria a coisa mais triste do mundo, não fosse a presença inesperada de Susana. Susana com seus 13 anos em flor, sua sábia beleza, seu doce e triste olhar castanho e sua perfeita desenvoltura encheram a redação de uma vida inesperada, fazendo-me por alguns instantes esquecer a mesquinhez do cotidiano. Ela entrou nos amplos espaços do meu tédio com passos graciosos de dançarina e ficou a girar por ali, balançando os cabelos longos sobre os ombros firmes de adolescente. Pus-me a adorá-la como nunca dantes, àquela menina a quem dei vida, e nunca senti mais forte, doce, secreto, o elo que a ela me prende.Talvez para os outros sua jovem figura trouxesse apenas o encanto uma flor em desabrochamento. Para mim, seu pai, trouxe uma sensação de indizível amor, de um triste, fatal e pacífico amor sem remédio. Revia-a pequenina em meus braços diante de um branco céu crepuscular olhar para o alto anunciando-me que as estrelinhas estavam acordando. Revi-a a me olhar do seu modo sério quando lhe contava histórias, longas histórias por vezes inventadas e que nunca eram bastantes para a sua imaginação insone. Revi-a crescendo diante de mim qual planta misteriosa, estirando o caule, distendendo os ramos numa ânsia saudável de crescer. Agora ali estava ela a dançar sua maravilhosa dança ritual só para mim, nos infinitos espaços do meu silêncio – Susana, uma vida tirada de mim, uma menina que eu fiz para amar com a maior doçura do mundo: Susana, flor de agosto, filha minha muito amada, para quem eu cantei meus mais sentidos cantos e sobre cujo pequenino rosto adormecido despetalei as mais lindas pétalas do meu carinho.

Vinicius de Moraes
10.1953
in

domingo, março 26, 2006

Dialética

Não é raro que a madrugada queime nos meus olhos, doce e bem vinda, embora no dia seguinte os mesmos olhos de contemplação tornem-se olhos arenosos, pesados e imprecisos.
É da própria essência da madrugada o mistério e o envolvimento, a sutileza e a plena consciência da falta de perenidade que lhe informa.
Calha bem respirar a brisa fria ao silêncio do mundo que dorme, sonhando acordado que o dia seguinte trará entendimentos mais inteligentes, que faltará aquela má-fé habitual, que se atrasará dormindo mais cinco segundos por preguiça aquela desgraçada inveja, filhinha dileta da vaidade e do orgulho.
Vem o dia com sol forte, e com olhos cheios de areia vejo as mesmas cenas: "não falamos o mesmo idioma", é normal pensar então, pois o entendimento é sempre difícil!
Segue o dia da rotina comum com apenas um rastro desses pensamentos, quase esquecida aquela sensação boa da madrugada. Um ceticismo sempre sarcástico e disciplinador é o vencedor habitual. Desacredita o mundo e tudo mais, como se colocasse os livros que já leu na estante rindo com confiança, enfim, também ele um tanto orgulhoso.
Vêm os colegas de hábito desejar "bom dia", comentamos do fim de semana, dos copos que esvaziamos, do futebol e da pena de não ter ido no estádio - que jogo fantástico! Sorrimos, vamos ao trabalho, concentramo-nos, afligimo-nos por qualquer prazo próximo, almoçamos, trabalhamos mais um tanto para o êxito do escritório e em casa finalmente, cansado e aborrecido com qualquer coisa pequena, levanto a alma para o alto com um banho bom, e com os pensamentos finalmente vagos de novo, já posso desacreditar tudo dentro do meu particular modo de pensar, achando graça do absurdo do mundo e não vertendo pra dentro nada que venha dele.
Venho aqui por uma curiosidade, a mesma talvez que tenho quando concorro - não pela vitória, mas pela incerteza do resultado - se consigo descobrir alguém que saiba ler no idioma em que escrevo.
Fora essas surpresas e o modo delicado como sorri minha avó, tudo no mundo é vão.

quarta-feira, março 22, 2006

Num copo de café

Passei em frente a uma vitrine da Savassi, tinham chegado peças novas da coleção de inverno. Acho que as mais caras, já que o verão finalmente está a passar.
Muito bem montada a vitrine. Tinha lá uns três manequins, um sofá, um abajour, uma mesinha de centro bem pequena e uns outros adornos elegantes. Parei e fiquei a olhar. Os manequins nus não pareciam envergonhados e se toda gente fosse assim era muito melhor, refleti mais por hábito do que por ter chegado a uma conclusão brilhante.
Logo entrou o rapaz que organizava as roupas. Tavam amarrotas. Ele vestiu os manequins mesmo assim. Achei engraçado pois, afinal, eles não se importam muito em vestir roupas naquele estado, ao menos não ficava à mostra aquele simulacro de sexo que os seus criadres inspirados imaginaram para reproduzir fielmente o corpo humano.
Finalmente, depois de agasalhar a todos os bonecos, deu comigo de frente pra cena toda. Sorriu e perguntou se estava bom. Respondi que sim, mas sem entusiasmo. O rapaz notou e convidou-me para entrar na loja.
Era um rapaz, mas nem tão novo assim, tinha 33 anos, chama-se Artur, e é vendedor há uns 4 naquela mesma loja. Naquela manhã trocava as roupas dos manequins. Perguntou como faria. Disse-lhe que não colocaria o rapaz a olhar para a moça, deixando-os de lado para a rua, daí as pessoas não veriam a estampa das blusas, que eram bonitas. Outra coisa que sugeri foi que colocasse a outra moça deitada no sofá, já que tinha boas pernas falsas e a pose iria chamar atenção. Ele concordou. Isso passou-se há 3 dias.
Encontrei com o rapaz no centro da cidade hoje. Tomava um café antes de seguir para o Fórum. Aproximou-se e disse que a vitrine tava fazendo sucesso, que as blusas e jaquetas tinham se esgotado e encomendavam outras e agradeceu de novo. Fiquei contente e ri devagar. Era pai de uma boa estratégia de vendas, tinha lá direito a uma comissão! Mas valeu mesmo pelo divertimento daquilo.
Veio à lembrança o modo como fazia batalhas na infância com soldadinhos de chumbo. Bolava estratégias, armava grandes confrontos! Emboscadas surpreendentes eram a prova de um exército bem disposto para o combate, que não perde de vista o ideal da vitória! Mas só havia um soldado na brincadeira, e era eu mesmo.
Na loja também só havia um manequim, e era o Artur. Ao me convidar para ir até lá dar a minha opinião e mudar tudo, acho que estava me convidando para tomar parte na sua brincadeira e fez de mim um rapaz que mostrava como as pessoas deviam fazer pose com as novas roupas da estação mais fria do ano, isso, é claro, através dos meus representantes inanimados!
Vertendo um e outro gole daquele café de depois do almoço, que serve mais para despertar da sesta do que para agradar o paladar, achava-me muito bem vestido para a nova estação, com a expressão multiplicada pela representação da minha vontade, orgulhoso da minha liderança, segui com os meus trajes formais de inverno por sobre o corpo, senhor dos soldadinhos de chumbo e agora também de manequins de lojas de grife.

domingo, fevereiro 12, 2006

Vem comigo a Ouro Preto

Assombrada pela sua praticidade frustrada, a capital mineira sob a chuva constante é quase como um assassino sem sua arma: fica um pouco confusa antes de encontrar outras opções. Confusão bonita de se ver e de se sentir, por instantes a marcha do mundo e das coisas é outra: "mas tá a chover..." argumentam todos nas conversas. Eu em casa, também à circunstância da chuva, aproveitei para verter pra dentro compreensões destas coisas bonitas daqui, lembrei das devoções que contemplei, ainda de uns espetáculos da natureza humana.... da comédia desta natureza... ouvi "Dora" e fiquei sorrindo uns minutinhos, depois outras também queridas daquela época, metade dos anos cinquenta ao fim dos sessenta, em que música popular e poesia andavam casadas em comunham universal de bens. Agradeci à chuva.
Surigiram lembranças, feitas não da má nostalgia de não as ter vivas, mas da contemplação da beleza. A meiga tarde de domingo no outono de Ouro Preto, meu Deus, que ar mais puro e doce, que composição plena das cores, das formas geográficas, do acaso da fortuna que ao pé da "Pedra Menina" edificou a matriz do Pilar e deste ponto, a sempre jovem condição de sofrer da paixão e conter-se.... mineiridade. Quis ir até lá talvez só pra ser molhado pela chuva de Ouro Preto, já então diria "felizmente está a chover" e o vagar pelas tortuosas ruas de pedra seria o exercício desta fé maior, crescida do esforço, justificada pelo encontro.
Abrir a porta de casa e dar de frente com essas coisas, a paz de sentir-se no lar que lhe cabe, disso iria muito bem mais uns poemas. Não desses que se escreve com o pensamento fixo num prêmio de concurso, mas dos feitos à mansidão do rio dos sentimentos.
Enturmei-me com uns versinhos novos, fiquei a ler umas palavras neles: "charutos", "noiva", "sanguinário", "tesouros"... talvez tenha sido esse poema um acelerador destas conclusões, pois a poesia nova aproxima-nos da mais cara e mais justa das certezas pessoais, a de que a terra arrasada ainda guarda embaixo das cinzas o adubo verde da esperança. Um gole de conhaque, um velho amigo a relatar aventuras, a redenção da justiça, a paixão discreta da condição ouropretana.
Rezei baixinho uma oração de devoção e piedade, fui tomar um café recém passado e comi um pedaço de queijo minas olhando a chuva insistente, apertei o queixo com o polegar e indicador direitos, enfim havia muito sentido em ir a Ouro Preto, e tanto mais quando está a chover.

domingo, janeiro 29, 2006

Moral da originalidade

Fui a Conselheiro Lafaeite por razões profissionais na semana passada. Ao clamor de um prezado nosso cliente de que o inventário de partilha de sua mulher estava a arrastar-se demais, resolvemos que era preciso falar diretamente com o senhor juiz da 4ª Vara Cível daquela comarca.
Ao providenciar o recolhimento das custas para expedição do formal de partilha, providência da prache processual para o caso de terminar um processo de inventário, onde reparte-se uma herança.
O belo fórum da cidade, já agora envelhecido e prestes a ser substituído por uma sede mais moderna, foi palco de um inesperado reencontro. Ninguém mais que um velho colega de Juiz de Fora, e com qual surpresa não reconheci aquela sua figura no corredor do velho edifício! Márcio Motta, a quem Roberto certa vez deu um apelido um tanto quanto engraçado, mas que vou omitir, por respeito.
Tinha então terminado a faculdade de direito e, não optando por uma carteira, fazia uso dos conhecimentos que encerravam o título seu de bacharel em direito, como funcionário da 3ª Vara Cível daquela comarca.
Cumprimentei e convidei para ir aos copos depois do trabalho, mas lembrei que teria de voltar a Belo Horizonte. Ficamos a falar no corredor por algo como 20 minutos. Falei do início da vida profissional, já o meu antigo colega falou da sua nova cidade, do incerto futuro profissional, visto que as medidas do Conselho Nacional de Justiça já entrariam logo em vigor e os funcionários do Tribunal de Justiça que não fossem concursados seriam todos exonerados, o que seria provavelmente o seu caso. Nessa hora fiquei mesmo algo preocupado por ele, tinha a testa plena de tensão, como ele mesmo ao demonstrar pena de si mesmo com o gesto. Sua vaidade era quase divertida.
Enfim falamos de nossa vida em Juiz de Fora: nossos amigos comuns e nossas competições. Mesmo após 5 anos, ele guardou intactas sua inveja e o seu rancor e logo a felicidade de rever um rosto conhecido de Juiz de Fora foi substituída pela decepção e pelo desprezo por ele.
Logo procurei me culpar por julgá-lo... mas independente de como os outros agem, já não suporto inveja ou rancor, que se querem ter algum vício, que procurem um menos destrutivo.
Todo o resto do dia andei advogando pela causa de encerrar o processo de inventário, no que tive sucesso e retornei a Belo Horizonte com o formal de partilha e minha sentença contra o velho colega. A minha moral pede sempre originalidade.